Hoje, 23 de maio, após mais de 6 meses, o posto de
ministro do STF ocupado por Ayres Britto – cuja vacância se deu em virtude de
sua aposentadoria compulsória – recebeu uma indicação da presidente Dilma
Rousseff. Eis a nota oficial a esse
respeito, emitida pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República:
A Presidenta [sic] Dilma
Rousseff indicou hoje o advogado Luís Roberto Barroso para compor o quadro de
ministros do STF, ocupando a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Ayres
Britto.
A indicação de Barroso, professor de Direito
Constitucional e Procurador do Estado do Rio de Janeiro, será encaminhada nas
próximas horas ao Senado Federal para apreciação. O professor Luís Roberto Barroso cumpre todos os requisitos necessários
para o exercício do mais elevado cargo da magistratura do país.
Para pessoas que não
fazem parte do mundo jurídico, certamente será difícil se lembrar de quem se
trata o novo ministro. Este articulista também não se recordava da figura. No
entanto, ao se pesquisar (pouco, é verdade) sobre o novo ministro, eis que seu
nome surgiu indelevelmente associado a
um nome que, para aqueles que acompanham de perto a vida política do País e não
têm memória curta, é-nos bem conhecido: Cesare Battisti.
Luís Roberto
Barroso foi nada menos que advogado do eminentíssimo terrorista da Itália e
fugitivo da justiça daquele país, que recebemos de braços abertos como a um
verdadeiro paladino da liberdade e da democracia.
Somente esse
fato já serviria para causar, no mínimo, desconfiança em qualquer pessoa que
tenha senso de realidade – um bem, aliás, sobremaneira escasso em Terra
Brasilis. Mas como não gostamos de dar motivos plausíveis para sermos tachados
de gente ignorante que não se atém à profunda verdade dos fatos – pecha que
fatalmente receberemos –, gostaríamos de comentar aqui algumas poucas
considerações do novo ministro conforme entrevista concedida pelo Dr. Barroso à
revista
“Consultor Jurídico” em agosto
de 2009. Os grifos (em vermelho) são nossos.
* * *
ConJur — É
quase certo [que Battisti seja inocente]?
Barroso —
Vamos admitir, para argumentar, que Cesare Battisti tivesse participado,
naqueles dias convulsionados da década de 70, de ações armadas que resultaram
na morte de quatro pessoas. Dois policiais e dois civis. Mas, registre-se, não eram civis comuns. Eram simpatizantes
da extrema-direita,
que seguiam a política de reagir às ações da esquerda armada. Torregiani, por
exemplo, o joalheiro, andava armado, com colete a prova de balas e
guarda-costas e havia reagido a uma ação em um restaurante, matando um dos
invasores. Eu não posso, não devo e não quero justificar as
mortes. É lamentável o quadro de intolerância mútua e de violência que marcou
aquela fase da vida italiana. O que estou desmistificando é a história contada pela Itália
de que pobres vítimas civis e inocentes foram chacinadas. Isso é uma afirmação
deliberadamente falsa, para tentar dar uma conotação de crime comum a um embate
político entre extremistas.
A lógica que
o Dr. Barroso utiliza é bastante peculiar: se alguém reage a uma ação armada de
um terrorista socialista, é automaticamente um membro da extrema-direita e,
portanto, uma pessoa cuja morte não deve provocar comoção ou estranhamento.
Pierluigi
Torregiani, que é colocado pelo Dr. Barroso no grupo de “simpatizantes da
extrema-direita, que seguiam a política de reagir às ações da esquerda armada”,
tinha 42 anos quando foi assassinado por membros do grupo PAC (Proletários
Armados pelo Comunismo), em 16 de fevereiro de 1979.
Fato é que,
em virtude de sua profissão e da época conturbada que a Itália vivia, era mais
do que sensato portar uma arma: afinal, Torregiani era joalheiro. Após reagir à
primeira tentativa de assalto, o joalheiro começou a receber ameaças de morte,
motivo pelo qual recebeu escolta policial.
No entanto,
isso não impediu que fosse assassinado a sangue frio – e que seu filho, Alberto
Torregiani, então com 14 anos – o atentado ocorreu na véspera de seu 15º
aniversário –, ficasse paraplégico em virtude de um disparo. Será que o jovem
rapaz, hoje com 49 anos, não foi uma “pobre vítima civil e inocente”?
ConJur — Mas se for culpado, deve ser
punido...
Barroso — Na
vida e no Direito, existem missões de justiça e missões de paz.
No caso de criminosos nazistas, entendeu-se, a meu ver com razão, que deveria
haver uma busca perene por justiça. A humanidade precisava virar aquela página
sombria e, para tanto, punir os culpados era imprescindível.
Mas, definitivamente, não acho a mesma
coisa dos que foram protagonistas da guerra ideológica entre capitalismo e
socialismo. Nesse caso,
o que se deve buscar é a pacificação. Hoje
tudo pode parecer uma aventura absurda, mas o sonho socialista conquistou
corações e mentes de toda uma geração, despertando reações igualmente
passionais. E, mais do que uma injustiça histórica, acho uma perversidade você
pretender retaliar esses militantes mais de 30 anos depois.
A guerra fria, os anos de chumbo... Diz-se que na
Itália não houve uma ditadura, como ocorreu no Brasil. Mas, independente disso, a reação
do Estado italiano foi mais truculenta e acompanhada de um poder paralelo de
extrema direita, de que são exemplo a Loja P2 e o Gládio. Basta ler qualquer
relatório da Anistia Internacional para ficar sabendo da imensa violência
física e psicológica, com torturas variadas, que marcaram a repressão italiana.
Imaginem
a seguinte cena: a meio caminho do rigoroso inverno ucraniano, uma família de
camponeses pobres recebe uma inesperada visita de um pelotão de soldados
devidamente uniformizados e armados que começam a recolher todos os víveres de
que dispõe. As famílias recebem ordens de não buscarem alimentos em outros
lugares, e perímetros de segurança são estabelecidos e guardados pelo exército.
Num espaço de menos de 6 meses, 7 milhões de pessoas morrem de fome. Mas o que
o massacre promovidos contra os ucranianos por Stalin entre 1932 e 1933, mais conhecido como Holodomor, tem a ver com
os grupos armados de esquerda da Itália dos anos 1970? Uma coisa: o ideal
político.
Aquilo que o
Dr. Barroso chama de “sonho socialista” que “conquistou corações e mentes” na
Itália setentista foi o mesmo sonho responsável pelo deliberado e minucioso
extermínio de mais de cem milhões de pessoas no mundo inteiro – muitas vezes
mais do que as vítimas do nazismo.
Foi em nome
do “sonho socialista”, a ditadura do proletariado, que grupos como o PAC, de
Cesare Battisti, e VAR-Palmares, de Dilma Rousseff, promoveram seqüestros,
assaltos, atentados a bomba e assassinatos. Para o Dr. Barroso, condenar um terrorista contumaz por seus crimes é
retaliação, e não justiça.
ConJur — Quando começa a história de Battisti no
Brasil?
Barroso —
Battisti passou dez anos no México e 14 anos na França, abrigado pela doutrina
Mitterand. Constituiu família, teve filhas, sobreviveu como zelador e como
escritor. Seus livros são publicados pela renomada editora Gallimard.
Intelectuais franceses da expressão de Bernard-Henri Levy e Fred Vargas
defendem-no com veemência. Em 1991, a França negou o pedido de extradição feito pela Itália. Ele permaneceu na França até
2004. Em 2005, sob os novos ventos políticos na França e na Itália, a
extradição foi concedida. Uma coisa esquisita. Nessa altura, ele já estava
refugiado no Brasil.
Em todo esse período, Cesare Battisti
jamais esteve envolvido em qualquer tipo de conduta imprópria. Pelo contrário,
ajustou-se com grande adequação a todos os lugares onde esteve.A pergunta a se
fazer é a seguinte: em que serve à causa da humanidade, depois de 30 anos de
vida regular e produtiva, mandar este homem para a prisão perpétua?
E isso apesar da conotação política das acusações e
de todos os elementos que lançam dúvidas profundas sobre a culpa? Ativistas
brasileiros, acusados ou mesmo condenados pelos mesmos atos, foram anistiados.
Assim como seus torturadores. Por que o Brasil deveria abandonar sua tradição
humanitária para fazer uma ponta nesse filme, e como carrasco? Devemos fazer parte de uma missão de paz. Não somos
vingadores mascarados. Essa não é a cara
do Brasil.
Martin
Luther King foi um ativista. Mahatma Gandhi foi um ativista. Cesare Battisti
não foi um ativista: foi terrorista. Assim como
foi terrorista o infame Achille Lollo, que, a exemplo de Battisti, foi recebido
com honras de herói estrangeiro – mesmo sendo réu confesso do assassinato
Virgilio Mattei, 10 anos, e seu irmão Stefano, 22, carbonizados até a morte na
madrugada de 16 de abril de 1973.