Por Carlos I. S Azambuja
Segundo o Pequeno Dicionário Político, editado em Moscou, em 1984, pela Editora Progresso, PROPAGANDA “é a ação exercida sobre a opinião pública no sentido de levá-la a apoiar determinadas idéias políticas, científicas ou artísticas, ou a dar um impulso a atividades práticas de massa”.
Num sentido mais restrito, a propaganda, política ou ideológica, visa inculcar nas massas uma ideologia.
Existem dois tipos de propaganda opostos: a comunista e a burguesa. Diz a propaganda dos partidos comunistas que eles se empenham em popularizar as idéias do marxismo-leninismo e explicar as políticas do partido, a fim de esclarecer, educar e organizar as massas. Para eles, esse é um meio de dirigirem os diferentes processos da luta revolucionária, da edificação do socialismo e do comunismo. O que distingue essencialmente a propaganda comunista é “o seu caráter ao mesmo tempo científico e concreto, o espírito de partido que a anima, a consideração das realidades, a estreita associação da propaganda e do trabalho de organização”.
Qualquer atividade humana, seja ela política, ideológica, artística e empresarial, para que consiga fixar-se diante da opinião pública, deverá buscar a credibilidade, a simpatia, e até mesmo a adesão.
Isso é conseguido através da divulgação do que é a atividade, sua finalidade e objetivos. A propaganda é utilizada sob várias formas, objetivando atingir a finalidade desejada. Para surtir efeitos positivos, ela deve ser bem elaborada, com uma linguagem adequada, capaz de atingir o público-alvo, de forma a transformá-lo em simpatizante e, quando o objetivo tiver um fim ideológico, em defensor e propagandista das idéias divulgadas.
Na propaganda com fins ideológicos é indispensável a existência de uma bandeira de luta, uma causa, que defenda as aspirações de uma classe, um grupo de pessoas ou um povo.
O rebelde não poderá empenhar-se seriamente numa rebelião a menos que tenha uma causa bem fundamentada com a qual possa atrair prosélitos. Essa causa é tudo quanto ele possui no início. Ela deve ser forte para que a ideologia trabalhe em seu favor e para que ele, rebelde, supere sua debilidade inicial.
Não necessariamente, entretanto, a atitude da população será ditada pelos méritos da causa ou dos contendores, e sim pela preocupação primitiva com sua segurança. Qual o lado que proporciona a melhor proteção, qual o mais ameaçador, qual provavelmente vencerá, são os critérios que, geralmente, determinam a posição da população.
Não tendo responsabilidades, o rebelde estará livre para utilizar quaisquer truques, mas o contra-rebelde está preso às suas responsabilidades e ao seu passado.
Nesse contexto, como obter o apoio da população? Não apenas em forma de simpatia e aprovação, como também em participação ativa na luta contra o rebelde?
Como se sabe, a resposta está na seguinte proposição, que expressa o princípio básico do poder político: em qualquer situação, qualquer que seja a causa, haverá uma minoria ativa a favor da causa, uma maioria neutra e uma minoria ativa contra a causa.
A técnica consiste em confiar na minoria favorável, objetivando congregar a maioria neutra e neutralizar a minoria hostil.
Em determinados casos extremos, quando a causa e as circunstâncias forem extraordinariamente boas ou más, uma das minorias desaparece ou se torna desprezível, e pode mesmo haver uma certa unanimidade pró ou contra entre a população. Tais casos, no entanto, obviamente, são raros.
Isso se aplica a qualquer regime político, desde a mais violenta ditadura à mais branda democracia. Os costumes e as leis podem impor limitações. Entretanto, num país afligido por uma guerra revolucionária, uma guerra suja, o que está em jogo é o Poder, desafiado diretamente por uma minoria ativa através do emprego da força, da subversão, e, enfim de todas as formas de luta.
O contra-rebelde que estiver limitado por suas leis de tempo de paz, tende a aceitar que a guerra suja se prolongue e se alastre, tornando-a incontrolável. Até onde estender as limitações é, todavia, um problema de ética. Mas, numa guerra suja, como se poderá ser definido o conceito de Ética?
Tal fato ocorreu e ainda ocorre em alguns países da América Latina e do mundo.
Todas as guerras são cruéis, mas a guerra revolucionária é a mais cruel de todas, porque cada cidadão, qualquer que seja sua vontade, ideologia ou ausência dela, está ou será diretamente envolvido nela pelo rebelde, que necessita dele e não pode permitir a sua neutralidade. Já o contra-rebelde não pode cometer crime maior do que aceitar ou resignar-se com uma guerra prolongada, do tipo daquela que os militantes do PC do B pretendiam instalar no Araguaia.
O problema estratégico do contra-rebelde, nesse caso, é o mesmo do rebelde, e pode ser, então, assim resumido: encontrar uma minoria favorável e organizá-la a fim de mobilizar a população neutra contra a minoria rebelde. Todas as operações levadas a efeito, sejam nos campos militar, político, psicossocial ou econômico, devem ter em mira esse objetivo. Foi assim durante a violência armada nas cidades e também na Guerrilha do Araguaia.
Quanto melhor for a causa e a situação, maior será a minoria ativa a ela favorável, tornando menos difícil a sua tarefa. Isso dita a meta principal da propaganda: mostrar que a causa e a situação do contra-rebelde são melhores que as do rebelde.
No entanto, quando a vida das pessoas está em jogo é necessário mais do que a simples propaganda para fazê-las colaborar.
Uma vez que o rebelde haja estabelecido seu domínio sobre uma população, a minoria que lhe era hostil torna-se invisível. Alguns de seus membros serão eliminados fisicamente - como ocorreu no Araguaia, a título de “justiçamento”-, outros retiram-se da área em conflito, a maioria fica intimidada e esconde seus sentimentos, e outros chegam, até mesmo, a mostrarem-se favoráveis à rebelião. A população, sentindo-se vigiada pelos colaboradores ativos da rebelião, vive sob a ameaça de denúncias e de imediata punição por parte do rebelde.
Nesse sentido, é fundamental que os colaboradores ativos do rebelde sejam neutralizados ou eliminados, pois a minoria hostil à rebelião não aparece, ou melhor, não pode aparecer enquanto não seja afastada, até um ponto razoável, a ameaça de delação.
Isso dá margem a deduzir-se que a ação política efetiva sobre a população deve obrigatoriamente ser precedida por operações militares ou policiais contra a guerrilha e seus colaboradores. Nesse sentido, o contra-rebelde necessita de um êxito convincente tão cedo quanto possível, a fim de demonstrar que possui a determinação, os meios e a capacidade de vencer.
O contra-rebelde jamais poderá entrar em negociações com o rebelde - como vem sendo tentado há vários anos e ocorreu agora na Colômbia, por exemplo - exceto de uma extrema posição de força, sob pena de seus simpatizantes e colaboradores em potencial se bandearem para o lado rebelde, pois a negociação corre o risco de ser encarada como um fator de fraqueza.
Finalmente, recordamos que na guerra convencional, a força é avaliada de acordo com critérios militares e outros, tangíveis, tais como o número de Divisões, as posições que detêm, os recursos industriais, etc. Na guerra revolucionária, todavia, a força deve ser avaliada pela extensão do apoio da população, medida em termos de organização política na área denominada estratégica.
As operações, necessárias para afastar o rebelde da população e para convencê-la de que o contra-rebelde será o vitorioso, são necessariamente de natureza intensiva e de longa duração, exigindo uma grande concentração de esforços, recursos, pessoal e imaginação.
No entanto, tal como o terrorismo indiscriminado, a propaganda contém uma perigosa tendência de virar-se contra seus autores. De todos os instrumentos de guerra, é o mais delicado, e seu emprego exige cautela, visão constante da realidade e rigoroso planejamento. Seguramente, não é uma tarefa para amadores.
Tal como em qualquer outro agrupamento humano, encontra-se entre os rebeldes e seus colaboradores uma grande variedade de pensamentos, sentimentos e graus de lealdade à causa rebelde. Tratá-los como se fossem um bloco, cimentaria entre eles um sentimento de mútua solidariedade. A meta da propaganda psicológica do contra-rebelde deve ser, portanto, dividir as fileiras do rebelde, provocar antagonismos entre a massa e os rebeldes, e conquistar para o seu lado os dissidentes.
A “Comissão Militar” do PC do B na Guerrilha do Araguaia bem que tentou ganhar as massas para a sua causa, constituindo, em maio de 1972, logo no início das hostilidades, a “União para a Liberdade e Direitos do Povo” (UDLP) - entidade que em alguns documentos é também referida como “Movimento de Libertação do Povo” - com um programa amplo de propaganda de seus objetivos, definidos em 27 pontos. Mas, de que valeria difundir um programa desse tipo dirigido a uma população majoritariamente analfabeta ou pouco escolarizada?
No período de maio a dezembro de 1972, os guerrilheiros emitiram os seguintes documentos:
Em 25 de maio de 1972, o Comunicado nº 1 de autoria do tal “Movimento de Libertação do Povo”. Esse Comunicado era dirigido especificamente aos posseiros, trabalhadores do campo e a todas as pessoas progressistas do Sul do Pará, Oeste do Maranhão e Norte de Goiás, bem como aos moradores dos municípios de Xambioá, Araguatins, Imperatriz, Tocantinópolis, Porto Franco e Araguaina. A guerrilha considerava essas localidades como áreas de sua influência.
Tal Comunicado abordava a chegada das Forças Armadas à área; informava sobre a existência do “Movimento de Libertação do Povo” e seu empenho na defesa da população, afirmando que as “Forças Guerrilheiras do Araguaia” estavam firmemente dispostas a combater os “soldados da ditadura”.
O Comunicado referia-se à simpatia de “amplos setores da população urbana e camponesa a favor do movimento armado”, e pedia que o exemplo dado pelos habitantes do Araguaia fosse seguido por todo o povo brasileiro.
Em 15 de julho de 1972, a guerrilha emitiu o documento intitulado “Internei-me na Mata para Combater os Inimigos do Povo - Carta de um Chefe Guerrilheiro do Araguaia”. O documento era uma carta de “Osvaldão”- OSVALDO ORLANDO DA COSTA, comandante do Destacamento B da guerrilha, relatando ao povo da região o trabalho por ele desenvolvido naquela área desde sua chegada, em 1966, espaço de tempo em que conseguiu obter a amizade da maioria da população. O documento de “Osvaldão” concitava a que o povo ajudasse a combater os “inimigos do povo”, referindo-se às Forças Armadas.
Em 20 de julho de 1972 foi emitida a “Carta dos Guerrilheiros Moradores no Sítio Faveiro”, assinada por vários guerrilheiros, descaracterizados em “moradores do Sítio Faveiro”, liderados por “Zé Carlos” - ANDRÉ GRABOIS, comandante do Destacamento A, dirigida ao Bispo de Marabá, D. ESTEVÃO CARDOSO DE AVELAR. A carta hipotecava solidariedade ao padre ROBERTO e à irmã MARIA DAS GRAÇAS, “violentados por tropas do Exército”. A carta fazia também um relato das operações desenvolvidas, até então, pelo Exército, na região em que se localizava o Destacamento A.
Essa carta objetivava, sem dúvida, conseguir um possível apoio da chamada Igreja Progressista ao movimento guerrilheiro.
Em 10 de setembro de 1972, outra carta, assinada pelas “Forças Guerrilheiras do Araguaia” era dirigida ao “Estimado Velho” (pessoa não identificada, que se supõe fosse JOÃO AMAZONAS, Secretário-Geral do PC do B), fazendo um relato dos confrontos ocorridos desde 12 de abril, falando das dificuldades de toda espécie encontradas; do apoio da população e do grau de simpatia que esta tinha pelos guerrilheiros; dos “insucessos do Exército e o medo dos soldados em penetrarem no mato”; do modo de vida dos guerrilheiros na selva e das formas de sobrevivência, utilizando a caça e os alimentos que ela produzia.
Em 20 de outubro de 1972, foi emitido o documento intitulado “Uma Heroína do Povo”, assinado pelo “Comando das Forças Guerrilheiras do Araguaia”, no qual é feito o relato de um confronto ocorrido em 28 de setembro de 1972, ocasião em que foi morta a guerrilheira “Fátima”- HELENIRA REZENDE DE SOUZA NAZARETH. O documento ressalta a coragem de “Fátima” e sua bravura, ferindo um sargento e matando um soldado.
Ainda em 20 de outubro de 1972, as “Forças Guerrilheiras do Araguaia” emitiram o “Comunicado nº 2”, que tecia uma crítica ao que a guerrilha interpretou como “2ª Campanha” do Exército, analisando o aparato militar utilizado “sem que tivesse tido sucesso contra as forças guerrilheiras”. A guerrilha considerou-se vitoriosa nessa campanha, fato que, com certeza, serviu de incentivo para o prosseguimento da aventura. Esse Comunicado teceu também uma crítica às ações do Exército e do governo federal, por terem aumentado a assistência à região, inclusive abrindo estradas na selva.
Um documento sem data, com o título “O que está acontecendo no Sul do Pará”, contendo um relato sobre as operações militares desenvolvidas a partir de 12 de abril de 1972, a título de reportagem, objetivando divulgação e até uma possível publicação pela imprensa, o que não ocorreu. Essa presumível reportagem contém três subtítulos: “Duas Versões sobre as Operações Militares”; “Uma Região onde Aumentam as Tensões Sociais”; e “Proíbem a Divulgação dos Fatos”.
Tal documento foi remetido, via postal, a todos os sindicatos e entidades de classe do território nacional.
De outubro de 1972, época em que a “Comissão Militar” se julgava vencedora da 2ª Campanha, até o desmantelamento total da guerrilha, em meados de 1974, nenhum outro Comunicado foi emitido. Nenhum desses documentos surtiu qualquer efeito no sentido do apoio à causa defendida pelo PC do B, que se viu isolado, inclusive pelos demais partidos e organizações marxistas-leninistas engajadas na violência armada nas áreas urbanas, que, na época – 1974 -, já haviam sido totalmente neutralizadas.
Carlos Ilich Santos Azambuja é Historiador.