IMPEACHMENT, SIM! Reportagem
soberba do “Valor Econômico”
explica como a dupla Dilma-Arno
Augustin pedalou de modo
consciente rumo ao abismo
Reconstituição dos bastidores da relação de ex-secretário do
Tesouro com área técnica evidencia que governo estava
consciente das irresponsabilidades e dos riscos. Silenciou o debate
e seguiu em frente
Por: Reinaldo Azevedo 11/12/2015 às 17:48
Há reportagens que evidenciam como o bom jornalismo é essencial à
democracia, à verdade, à transparência. Reportagem de Leandra Peres no jornal
“Valor Econômico”, sobre as pedaladas fiscais demole, sem chance para
reconstrução, as justificativas esfarrapadas do governo. Leandra não escreveu
com o intuito de demolir nada. Escreveu para contar o que aconteceu. E o que
aconteceu está em desacordo com a versão oficial — o que evidencia, e isto digo
eu, os crimes de responsabilidade cometidos por Dilma.
Destaco trechos da reportagem do Valor, que evidencia o passo a passo de um
desastre, produzido de maneira consciente e determinada.
A reportagem do Valor reproduz os interiores do governo Dilma, com a sua
rotina de tacanhice ideológica, arrogância, intimidação e até assédio moral —
sem contar o desprezo pela matemática.
AVISO
Dois anos e meio antes de as “pedaladas fiscais” justificarem a abertura do
processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e pelo menos um ano
antes do início da campanha pela reeleição, técnicos do Tesouro Nacional
elaboraram, em julho de 2013, um diagnóstico de 97 páginas sobre a situação
fiscal e econômica do país. Mantido sob sigilo até agora, o relatório, ao qual
o Valor teve acesso, continha um claro alerta à cúpula do governo: “O prazo
para um possível ‘downgrade’ é de até 2 anos”; “Ao final de 2015 o TN [Tesouro
Nacional] estaria com um passivo de R$ 41 bilhões” na conta dos subsídios em
atraso; “Contabilidade ‘criativa’ afeta a credibilidade da política fiscal”.
Novos avisos foram incluídos em uma versão revisada, de setembro de 2013. O
caixa do Tesouro estava muito baixo e foi citado no documento como “risco para
2014”. Os técnicos do Tesouro projetavam um “déficit sem perspectiva de
redução”, falavam em “esqueletos” que teriam que ser explicitados e
recomendavam “interromper imediatamente quaisquer operações que produzam
resultado primário sem a contrapartida de contração da demanda agregada ou
que gere efeitos negativos sobre o resultado nominal e/ou taxa implícita da
dívida
O trabalho foi concluído em novembro de 2013 e apresentado ao então secretário
do Tesouro, Arno Augustin. As 97 páginas do documento original foram
resumidas em 16 slides.
(…)
Nos últimos três meses o Valor conversou com mais de 20 autoridades que
ocuparam ou ainda ocupam cargos no governo e teve acesso exclusivo a
documentos inéditos que permitem recontar a história fiscal do primeiro
mandato da presidente Dilma.
O que é possível mostrar agora é que em momentos-chave, como o da adoção da
contabilidade criativa de 2012, o esforço da área técnica do Tesouro para barrar
novas operações em 2013 e a construção da fábrica de pedaladas de 2014, não
faltaram avisos sobre os riscos que o país corria.
Os pitos
O encontro de Arno com os 19 coordenadores-gerais do Tesouro, os seis
subsecretários e seus assessores mais próximos para discutir o documento
elaborado pelos técnicos com os avisos ao governo é um dos momentos mais
tensos dessa história.
A reunião foi marcada para a tarde de 22 de novembro de 2013, na sala do
Conselho Monetário Nacional (CMN), que fica no sexto andar do prédio do
Ministério da Fazenda. O clima era pesado e ninguém se lembra de haver
cafezinho ou de ter bebido água durante a reunião, dois ingredientes que
raramente faltam nas reuniões da burocracia em Brasília.
A pauta do encontro tinha cinco itens. O primeiro “ponto de preocupação” era “o
risco de ‘downgrade’ e seus impactos”. Os seguintes, a política fiscal e suas
consequências; a imagem do Tesouro; e o aperfeiçoamento de processos
internos. Por último, o “relacionamento interpessoal”, uma forma educada de se
referir às explosões pelas quais o secretário Arno Augustin era evitado por sua
equipe.
(…)
Os sinais de que a estratégia não estava dando certo já eram visíveis. O Banco
Central (BC) fora forçado a retomar os aumentos da Selic em abril para
combater uma inflação que caminhava para o teto da meta, apesar do
represamento das tarifas públicas. A receita do Tesouro ainda crescia 13,3%
entre janeiro e novembro de 2013, mas as despesas voavam ainda mais altas,
com crescimento de 14,1%, e o quadro fiscal já se anunciava mais sombrio
porque o governo havia desonerado R$ 70,4 bilhões em impostos a preços da
época. No front externo, o banco central dos EUA começara a retirar os
estímulos monetários que vinha injetando na economia americana, o que
prometia reduzir a abundância de capitais para países emergentes como o Brasil.
Escolhido por ser uma voz moderada dentro do corpo técnico do Tesouro, o
então coordenador-geral de Planejamento Estratégico da Dívida Pública, Otávio
Ladeira, abriu a reunião com Arno. Coube a ele o alerta de que a política fiscal já
entrava numa trajetória insustentável.
Quando foi apresentado o sexto slide com um gráfico que mostrava como o
mercado vinha perdendo a referência de qual era a meta fiscal perseguida pelo
governo, Arno deixou claro que havia convocado a reunião para pôr fim ao que
considerava uma rebelião contra a política econômica e não para tratar de
cenários fiscais. Enquanto Ladeira expunha a dificuldade de o governo atingir a
meta de superávit primário de 2,3% do PIB em 2013, o secretário interrompeu:
“Quem disse que não vamos cumprir a meta? O mercado pode projetar qualquer
coisa. Eles fazem isso o tempo todo para ganhar dinheiro”, disse.
(…)
A versão do chefe
Depois dos funcionários, foi a vez de Arno fazer uma apresentação. Sua tese era
que a política fiscal era fundamental para garantir o crescimento econômico e
não levaria o governo à bancarrota, como queriam fazer crer os técnicos do
Tesouro.
(…)
Como das outras vezes em que fora alertado sobre riscos fiscais, o secretário
lembrou que a política econômica é definida por quem tem votos e, ali, naquela
sala, nenhum dos técnicos havia sido eleito. Quando a reunião vazou para a
imprensa, Arno chamou os subsecretários a seu gabinete e, ignorando a
promessa de domar o gênio, quis saber quem era o autor do vazamento.
Ameaçou abrir processos disciplinares contra todos que “ficaram aí circulando
essa apresentação”.
(…)
Quem decide
O processo decisório do governo Dilma, e aí não apenas da política fiscal, foi
marcado pela aversão ao dissenso. Ministros e servidores que participaram de
decisões importantes descrevem reuniões longas, como 30 ou 40 participantes,
em que questionamentos técnicos eram considerados afrontas ao projeto do
governo e davam margem a broncas, em vez de discussões.
“Na primeira reunião para discutir qualquer assunto importante, várias pessoas
falavam. Na segunda, menos gente. Da terceira em diante, a impressão era que
não adiantava nada fazer ponderações. E aí quem discordava preferia ficar
calado e deixar a presidente decidir”, conta um ex-ministro. “É um governo de
muitas certezas e quase nenhuma dúvida”, complementa outra autoridade do
alto escalão.
(…)
A loucura
No primeiro ano do mandato da presidente, durante as discussões para a
privatização dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos (Campinas) e Natal, essa
dinâmica ficou clara. A definição da taxa de crescimento do PIB que embasaria
os cenários econômicos da concessão se transformou em um embate ideológico
entre a ala desenvolvimentista radical — representada pelo secretário do Tesouro
e a então ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann — e o resto do governo.
Procurada pelo Valor, a ex-ministra não retornou às ligações.
(…)
A presidente Dilma arbitrou pessoalmente a disputa e a média do PIB usada
nesses primeiros projetos é de 3,7% ao ano, com picos de crescimento de 5,5%
em 2014 e de 4,41% em 2015.
Pão de queijo
O preço do pão de queijo nos aeroportos também foi intensamente discutido. O
problema, conforme descrição da ministra Gleisi, era que a alimentação, muito
cara, não podia ser um empecilho às viagens dos eleitores da classe C que
haviam passado a frequentar os aeroportos. A solução foi uma licitação em que
as lanchonetes pagam aluguel abaixo do preço de mercado e oferecem um
cardápio com 15 itens a preços mais baixos. Em Congonhas, o pão de queijo
custava R$ 2,50 na tabela subsidiada de fins de outubro e R$ 5,00 nos demais
estabelecimentos.
Voz da chefa
Arno passou, então, a ser visto pelos colegas de governo como a voz da chefe nas
discussões internas. Ele sempre tratou a presidente Dilma como ela gosta de ser
chamada, por “presidenta”. Integrantes do governo, no entanto, descrevem
cenas pitorescas que mostram a proximidade dos dois. Em uma delas, o ex-
secretário do Tesouro teve que se ausentar da sala de reunião para cumprir uma
ordem de Dilma: “Arno, seu cabelo está desarrumado, vá lá arrumar”.
(…)
A característica mais marcante do ex-secretário é seu senso de missão. Nas
entrevistas feitas pelo Valor para esta reportagem, Arno foi comumente descrito
como “um homem de partido”, “um soldado”, “um cumpridor de tarefas”. “A
presidente decidia e ele entregava”, descreve uma autoridade que trabalhou com
os dois.
Essa determinação ficava ainda mais visível nas ocasiões em que, derrotado, não
hesitou em implementar o que foi deliberado. No primeiro semestre de 2013, por
exemplo, quando o governo discutia o lançamento do Minha Casa Melhor, criado
para subsidiar a compra de móveis e eletrodomésticos por beneficiários do
Minha Casa, Minha Vida, Arno dizia, entre jocoso e crítico, que a mesa listada
entre os bens que podiam ser adquiridos no programa era mais cara do que a
que ele tinha em seu apartamento. Ao corpo técnico do Tesouro repetia que “o
cara não consegue pagar nem a casa, como vai pagar os móveis?”
Mas depois que a presidente bateu o martelo, Arno encontrou forma de financiar
os eletrodomésticos sem tirar dinheiro à vista do caixa do Tesouro e sem impacto
nas estatísticas de resultado primário: o Tesouro fez um empréstimo de R$ 8
bilhões à Caixa, responsável pelo programa, dos quais R$ 3 bilhões foram
separados para cobrir a inadimplência do Minha Casa Melhor.
Não era apenas a fidelidade à presidente e o respeito à hierarquia que definiam
as ações do ex-secretário. Colegas de Arno no governo dizem que havia uma
proximidade ideológica entre os dois.
(…)
Segundo depoimento ao Valor, o ex-secretário tratava as agências de rating
como um instrumento “usado pelos países ricos para impedir políticas de
desenvolvimento” de países pobres. A participação de 49% da estatal Infraero
nos aeroportos privatizados foi definida pela necessidade de “o governo
participar do dia a dia da empresa” porque o governo considerava as agências
reguladoras instrumentos ineficazes de supervisão. Como define um ex-
ministro: “A presidente achou no Arno alguém que pensa como ela”.
(…)