Por Vasco Costa
A chamada Lei Rouanet foi criada em 1991, no governo Collor, e existe pois há 24 anos. Mais da metade da existência dessa lei controvertida passou-se até agora sob governos petistas.
Em fevereiro deste ano, Juca Ferreira, novamente no comando do Ministério da Cultura (MinC), que dirigiu de 2008 a 2010, desancou a Lei Rouanet, que ele chamou de um projeto "absolutamente neo-liberal". O espantoso é a demora desse sociólogo baiano para chegar à conclusão de que esse projeto não presta, por ser "neo-liberal". Foi secretário-executivo do MinC durante 5,5 anos (gestão Gilberto Gil) e não viu nada disso. Ficou 2 anos como titular do MinC e não viu nada disso. É membro de destaque da inteligentzia petista desde fevereiro de 2012 e não manifestou nenhum repúdio, nem fez nada contra a Lei Rouanet -- a inércia intelectual e administrativa de Juca Ferreira é espantosa, principalmente para quem se formou na famosa Sorbonne, na França. É mais um mistério da esquerda brasileira.
Juca quer substituir a Lei Rouanet pelo programa Procultura, que tramita na Câmara há 5 anos.
A Lei Rouanet virou fonte de dinheiro fácil para gente famosa, que enche auditórios sem precisar de incentivos, seu nome basta. Em outubro de 2014 escrevi sobre ela no blogue: "Projetos culturais aprovados para captar recursos via Lei Rouanet -- alguém fiscaliza isso?!". Os registros são chocantes: i) em 2011, Maria Bethania conseguiu nada menos que R$ 1,3 milhão para fazer o blogue "O Mundo Precisa de Poesia", com 365 clipes dirigidos pelo badalado diretor da Globo Andrucha Waddington; - ii) em 2013, Claudia Leitte abocanhou R$ 5.883.100,00 para fazer 12 shows no Norte, Nordeste e Centro-Oeste; - iii) no mesmo 2013, Rita Lee recebeu R$ 1.852.100,00 para 5 shows, um DVD e 3 palestras; - iv) ainda em 2013, Humberto Gessinger amealhou da Rouanet R$ 1.004.849,00 para fazer um DVD comemorativo de seus 50 anos de idade (caraca, quem é essa celebridade?!); - v) de 2006 a 2011, Marieta Severo conseguiu nada menos que R$ 4.192.183,00 pela Lei Rouanet; da Petrobras, ela recebeu R$ 400.000,00 em 2012, R$ 400.000,00 em 2013 e 2014 e R$ 400.000,00 em 2015. Ou seja: o contribuinte financiou Marieta Severo em R$ 5.392.183,00 em 9 anos, sem retorno financeiro e retorno cultural apenas para um grupo restrito deles (apenas para quem conseguiu ver as peças dela). O ator e diretor Aderbal Freire-Filho, que vive com Marieta Severo desde 2004, captou via Lei Rouanet R$ 908.670,00 em 2009 e depois mais R$ 800.000,00 e R$ 512.420,00, totalizando R$ 2.221.090,00 -- ou seja, ele e a mulher já receberam R$ 7.613.273,00 via Lei Rouanet!
Em 2003, 2006, 2007 e 2011, o ator Paulo Betti recebeu um total de R$ 3.748.799,90 dos cofres públicos, sendo R$ 3.360.555,66 via Lei Rouanet e R$ 388.244 do Ministério da Justiça [(Convênio Nº 756166/2011) para a peça "À Prova de Fogo", recomendada por José Dirceu ...].
Uma característica bizarra dos shows e outras atividades culturais financiadas pela Lei Rouanet é que muito raríssimamente algum desses eventos tem entrada gratuita -- ou seja, tem contribuinte pagando duas vezes a um mesmo artista ...
Só as 5 celebridades citadas acima receberam R$ 14.427.383,00 via Lei Rouanet -- que moleza, hem? Isso sem falar em Erasmo Carlos (R$ 1.219.858,00 para celebrar seus 70 anos com um show), Sula Miranda, Marisa Monte e Maria Rita, cada um deles aquinhoado com mais de R$ 1 milhão pela mesma lei (ver postagem citada). Camila Pitanga captou R$ 1.257.102,00 aprovados pela Ancine para fazer o filme "Pitanga", para "retratar o artista que é meu pai e mostrar toda a sua genialidade" diz ela (Camila é filha de Antônio Pitanga e Benedita da Silva, ex-senadora, ex-governadora do Rio de Janeiro e atual deputada federal, sempre pelo PT). Se cada filha de pai casado com petista de primeira linha resolver captar dinheiro para glorificar o pai, haja Lei Rouanet ...
É óbvio que essa gente toda é petista (pelo menos não são ingratos ...). No caso de Marieta Severo, ver também aqui, e no caso de seu atual marido Aderbal Freire-Filho, ver aqui.
O projeto Santander Cultural 2015 recebeu em 2014 a bagatela de R$ 13.814.806,36 via Lei Rouanet. Desde quando o contribuinte brasileiro tem de financiar atividade cultural de um dos grandes bancos internacionais?!
Só em 2013, foram captados R$ 42.754.932,14 (pessoas físicas e jurídicas) dos R$ 117.970.281,19 autorizados via Lei Rouanet (ver postagem anterior citada)! Durante sua existência, até dezembro de 2011 (ou seja, há 4 anos atrás), esta lei havia captado nada menos que R$ 9,129 bilhões via abatimento de até 6% do Imposto de Renda. É muito dinheiro!! E a fiscalização disso?...
Para se ter ideia do que significa essa dinheirama, o orçamento do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em 2012 foi de R$ 8,8 bilhões. O orçamento do MinC em 2013 foi de R$ 3,50 bilhões e de R$ 3,26 bilhões em 2014.
Enquanto o dinheiro da Lei Rouanet continua fluindo frouxo, o mesmo não acontece para a educação e para pesquisas essenciais para o país. Vejamos:
Ciência brasileira entra em crise com perda de recursos.
Desde 2013 o governo desloca recursos de pesquisa para o Ciência Sem Fronteiras -- Ao jornal Estado de S. Paulo, cientistas advertiram sobre as consequências do deslocamento de recursos. "O impacto na pesquisa será trágico", disse Helena Bonciani Nader, professora da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da SBPC, no Fórum Mundial de Ciência, no Rio de Janeiro. "Precisamos de recursos para pesquisas. De alguma forma o valor destinado ao Ciência sem Fronteiras terá de ser compensado. Caso contrário, o impacto na área científica vai ser grande", afirmou, no mesmo evento, o matemático Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências.
Em julho de 2015, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) enviou carta à presidente Dilma NPS (Nosso Pinóquio de Saia) solicitando a suspensão dos cortes em educação, ciência, tecnologia e inovação.
O governo federal cortou 30% das verbas da universidades federais em 2015.
Em julho de 2013, o então ministro da Ciência, Marco Antonio Raupp, reclamava que faltavam verbas para grandes projetos, como a participação financeira do Brasil no ESO (Observatório Europeu do Sul) e no Cern (Centro Europeu para Pesquisa Nuclear), uma novela que submeteu o Brasil a repetidos vexames ante a comunidade científica internacional (ver postagem anterior).
Enquanto isso, os poderes da República continuam gastando adoidado:
Governo federal gastou quase R$ 50 milhões com festividades e homenagens em 2015.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) gastou R$1,1 milhão com a compra de poltronas.
Judiciário gastará R$ 608,1 milhões com obras em 2016.
Obras no Legislativo custarão R$ 85,5 milhões em 2016.
Congresso custará R$ 1,1 milhão por hora em 2016.
Vou parar por aqui para não estragar mais o fim de ano de meus leitores.