ALÔ, TSE! QUE DIABO DE ELEIÇÃO FOI ESSA?
por Percival Puggina. Artigo publicado em 30.10.2014
Escreverei sobre fato novo, valendo-me de notícias velhas. Não faz um ano, nem dois, nem três, que os meios de comunicação e as redes sociais vêm divulgando análises técnicas independentes, estudos elaborados em universidades, opiniões de juristas, alarmantes experiências feitas por hackers e insistentes alertas de que o sistema de votação utilizado no Brasil é vulnerável e de que a transmissão de dados via internet também não proporciona segurança. É insistentemente dito que essas deficiências fazem com que o sistema usado em nosso país seja refugado por muitos outros. Salta aos olhos mais desatentos que um sistema de votação que não permite recontagem tem um gravíssimo e imperdoável pecado original.
Mais recentemente, após recusas em submeter o sistema a auditorias independentes, chegam às
redes sociais notícias de urnas não zeradas no início da votação e de disparidade entre os
resultados médios das seções com identificação digital e as seções com identificação documental
em situações análogas. E por aí vai. É possível que o clima de desconfiança se nutra, também, de
informações falsas. Mas as informações falsas só transitam graças à desconfiança propiciada, de
um lado, pela inconfiabilidade do sistema e, de outro, pelas eloquentes insinuações de Dilma e de
Lula sobre o que seriam capazes de fazer para vencer.
Não se trata de uma desprezível e deselegante inconformidade com a derrota. Eu não me prestaria
para esse papel. Trata-se de algo grave, a cobrar posicionamento dos cidadãos que se sentem
civicamente responsáveis. Instala-se, no país uma pesada suspeita sobre a higidez e a
invulnerabilidade do sistema, conduzindo à incertezas sobre a legitimidade dos mandatos saídos
das urnas dos dias 5 e 26 de outubro.
Sei que dar satisfação a torto e a direito sobre os porquês de suas escolhas e decisões, ou sanar
inquietações cívicas, não são tarefas que se contem entre as atribuições jurisdicionais mais
urgentes e relevantes do Tribunal Superior Eleitoral. Mas neste caso não é exatamente assim.
O que milhões e milhões de brasileiros, nestes dias, estão expressando como podem nas redes
sociais não se soluciona com um dar de ombros das autoridades. Não silencia ante a voz do trono.
Não some por decreto. Não cabe em nenhuma gaveta. Não se enterra nos desvãos do tempo.
Nas democracias (muitas delas proibiram o uso desse modelo), a confiabilidade do sistema eleitoral
é tema de elevadíssimo interesse público, questão altamente sensível, sobre a qual não pode haver
dúvidas. E, menos ainda, inúmeras, imensas e reiteradas dúvidas.
Muito já foi escrito sobre o quanto era politicamente impróprio confiar a presidência da Corte
que conduziria este pleito a um ex-funcionário do partido governista. Agora, surpreende o silêncio
do TSE sobre aquilo que mais se fala no país: as suspeitas sobre a eleição por ele presidida.
Já surpreendia antes, quando os cidadãos se angustiavam e não passava dia sem que alguma
informação circulasse, potencializando as incertezas. E surpreende ainda mais agora, quando
denúncias e inconformidades surgem dos pontos mais variados do território nacional.
Para bem da democracia, da respeitabilidade das instituições e da legitimidade dos mandatos, que
tudo seja auditado e investigado. E que estas sejam as últimas eleições feitas segundo esse método
de votação e transmissão de dados. Afinal, ao longo dos anos, quase uma centena de países vieram
conhecer o modelo brasileiro. Nenhum o adota.
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* Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário
e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites
no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões,
integrante do grupo Pensar+.