7 de abril de 2013
Desencantada, elite militar aposenta a farda
Baixa remuneração e demora de ascensão na carreira
estão entre os motivos para a fuga de oficiais formados
em escolas da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
O setor privado e até o serviço público estão mais
atraentes. A debandada de especialistas preocupa as
Forças Armadas.
Enquanto o governo brasileiro centra as
atenções da Estratégia Nacional de Defesa
no reaparelhamento do Sistema de Defesa
Nacional, as Forças Armadas se deparam com uma evasão sem precedentes em seus
quadros técnicos. A elite dos oficiais formados nas escolas da Marinha, do Exército e
da Aeronáutica está optando cada vez mais por deixar a vida militar em busca de
melhores salários e oportunidades de crescimento profissional na iniciativa privada
e no funcionalismo público civil. Só em 2012, 245 oficiais militares deixaram as
instituições. É como se um oficial deixasse o contingente militar brasileiro a cada
dia útil do ano. Foi o maior volume de pedidos de demissão registrados entre
militares do círculo de oficiais desde 2006. Só nos primeiros três meses deste ano,
o Diário Oficial da União registrou a saída de outros 54 oficiais.
"Ninguém assume isso lá dentro, mas o fato real é que, além do mérito, a questão
política é um fator fortíssimo para um coronel ascender a general."
A fuga de cérebros das Forças Armadas cresce no momento em que o país vê com
preocupação crescente a questão da defesa de fronteiras e de seus recursos
naturais, sobretudo em função da descoberta de jazidas de petróleo na camada
pré-sal. A perda de capital humano com a migração de militares para a iniciativa
privada se soma ao prejuízo financeiro para o Estado. Cálculos extraoficiais estimam
que a formação de um piloto da Aeronáutica custe em torno de R$ 1,2 milhão aos cofres públicos, incluindo não só o preço das horas-aula, mas também o internato do aluno, as horas de voo e o combustível das aeronaves utilizadas no treinamento.
Por conta disso, o oficial que pendura a farda é obrigado a pagar à União uma indenização inversamente proporcional ao seu tempo de permanência na Força. O interesse nesses especialistas é tão grande que, não raro, a empresa que contrata o ex-militar assume o valor da multa. Não repõe, contudo, a perda de um profissional intensamente treinado, com conhecimento profundo de questões estratégicas para o país.
Fontes ouvidas pelo Correio na ativa e na reserva atestam a preocupação existente no comando das três Forças, que têm investido em estudos para detectar o motivo de profissionais altamente qualificados abandonarem a estabilidade de uma carreira militar, mesmo com o clima de incerteza na economia. Falham em perceber que a defasagem dos salários em relação à iniciativa privada é o principal motivo para o abandono da farda.
Essa discrepância salarial é bem ilustrada na carreira de piloto, um dos alvos principais dos caça-talentos que miram nas turmas que se formam todos os anos em escolas militares de alto
nível, como a Academia da Força Aérea (AFA). Um coronel da Aeronáutica, topo da
hierarquia do círculo de oficiais superiores da Força, se aposenta com vencimentos
líquidos da ordem de R$ 9,3 mil, aí incluídos o soldo e os adicionais relativos à
habilitação do militar e, nos casos pertinentes, à permanência de três anos além dos
30 anos mínimos para o encerramento do ciclo de sua patente. Um piloto de
helicóptero trabalhando para empresas de voo offshore — segmento em franca
expansão por conta da exploração de bacias do pré-sal — ganha um salário médio
de R$ 25 mil, mais uma série de benefícios.
Desmotivação
A lentidão com que se galga postos na carreira militar é outro fator que tem contribuído
para desmotivar as gerações mais jovens de militares. Depois de passar pela academia
e receber a patente de segundo-tenente, um militar do Exército, por exemplo, leva em
média dois anos para chegar a primeiro-tenente. Seu vencimento líquido sobe,
em valores atuais, de R$ 5.348,28 para R$ 5.509,07. Serão mais três anos para
ascender ao posto de capitão, ganhando R$ 5.943,02 por mês. Ou seja, em cinco
anos de carreira com dedicação exclusiva, podendo ser deslocado periodicamente
de cidade com toda a família, um oficial do ciclo subalterno vê o salário aumentar
apenas R$ 594 ,74.
A dificuldade de um militar das áreas-meio — como engenheiros, pilotos e
médicos — aos postos do círculo de oficiais-generais é outro ponto citado
com frequência como um desestímulo para esses profissionais permanecerem
nos quadros das Forças Armadas. "Ninguém assume isso lá dentro, mas o fato real
é que, além do mérito, a questão política é um fator fortíssimo para um coronel
ascender a general. E essa regra não é válida só no Exército. É o mesmo na
Marinha e na Aeronáutica", diz um oficial da reserva que pediu anonimato.