PRESIDENTE DO MST DIZ QUE
DILMA ESTÁ CEGA
Em artigo publicado na Carta Capital,
João Pedro Stedile expõe problemas do meio rural e faz duros ataques ao
governo; líder diz que espera que a presidente, como leitora da revista, veja o
artigo, já que "dificilmente algum puxa-saco que a cerca o colocaria no
clipping do dia"
7 DE JANEIRO
DE 2013 ÀS 13:17
247 - Num artigo em que faz duras críticas à
atuação do governo federal diante dos problemas vivenciados no campo, o
presidente do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stedile,
chama os membros do governo, inclusive a presidente Dilma Rousseff, de
"cegos".
Segundo o líder rural, não há
motivação do governo para tratar seriamente diversos temas, como a
redistribuição de terras e o assentamento de famílias, e a chefe do Executivo
estaria cega "pelo sucesso burro das exportações do agronegócio" que,
em sua opinião, "não tem nada a ver com projeto de país".
Por fim, Stedile provoca a
presidente, afirmando que espera que ela, como leitora da revista Carta
Capital, veja esse artigo, que certamente não seria incluído por "algum
puxa-saco que a cerca" no clipping diário.
Leia abaixo a íntegra do texto:
Conflito permanente
A sociedade brasileira enfrenta no
meio rural problemas de natureza distintos que precisam de soluções
diferenciadas. Temos problemas graves e emergenciais que precisam de medidas urgentes.
Há cerca de 150 mil famílias de trabalhadores sem-terra vivendo debaixo de
lonas pretas, acampadas, lutando pelo direito que está na Constituição de ter
terra para trabalhar. Para esse problema, o governo precisa fazer um verdadeiro
mutirão entre os diversos organismos e assentar as famílias nas terras que
existem, em abundância, em todo o País. Lembre-se de que o Brasil utiliza para
a agricultura apenas 10% de sua área total.
Há no Nordeste mais de 200 mil
hectares sendo preparados em projetos de irrigação, com milhões de recursos
públicos, que o governo oferece apenas aos empresários do Sul para produzirem
para exportação. Ora, a presidenta comprometeu-se durante o Fórum Social
Mundial (FSM) de Porto alegre, em 25 de janeiro de 2012, que daria prioridade
ao assentamento dos sem-terra nesses projetos. Só aí seria possível colocar
mais de 100 mil famílias em 2 hectares irrigados por família.
Temos mais de 4 milhões de famílias
pobres do campo que estão recebendo o Bolsa Família para não passar fome. Isso
é necessário, mas é paliativo e deveria ser temporário. A única forma de
tirá-las da pobreza ó viabilizar trabalho na agricultura e adjacências, que um
amplo programa de reforma agrária poderia resolver. Pois nem as cidades, nem o
agronegócio darão emprego a essas pessoas.
Temos milhões de trabalhadores
rurais, assalariados, expostos a todo tipo de exploração, desde trabalho
semiescravo até exposição inadequada aos venenos que o patrão manda passar, que
exige intervenção do governo para criar condições adequadas de trabalho, renda
e vida. Garantindo inclusive a liberdade de organização sindical.
Há na sociedade brasileira uma
estrutura de propriedade da terra, de produção e de renda no meio rural
hegemonizada do modelo do agronegócio que está criando problemas estruturais
gravíssimos para o futuro. Vejamos: 85% de todas as melhores terras do Brasil
são utilizadas apenas para soja/ milho; pasto, e cana-de-açúcar. Apenas 10% dos
fazendeiros que possuem áreas acima de 200 hectares controlam 85% de todo o valor
da produção agropecuária, destinando-a, sem nenhum valor agregado, para a
exportação. O agronegócio reprimarizou a economia brasileira. Somos produtores
de matérias-primas, vendidas e apropriadas por apenas 50 empresas
transnacionais que controlam os preços, a taxa de lucro e o mercado mundial. Se
os fazendeiros tivessem consciência de classe, se dariam conta de que também
são marionetes das empresas transnacionais,
A matriz produtiva imposta pelo
modelo do agronegócio é socialmente injusta, pois ela desemprega cada vez mais
pessoas a cada ano, substituindo-as pelas máquinas e venenos. Ela é
economicamente inviável, pois depende da importação, anotem, todos os anos, de
23 milhões de toneladas (s/ç) de fertilizantes químicos que vêm da China,
Uzbequistão, Ucrânia etc. Está totalmente dependente do capital financeiro que
precisa todo ano repassar: 120 bilhões de reais para que possa plantar. E
subordinada aos grupos estrangeiros que controlam as sementes, os insumos
agrícolas, os preços, o mercado e ficam com a maior parte do lucro da produção
agrícola. Essa dependência gera distorções de todo tipo: em 2012 faltou milho
no Nordeste e aos avicultores, mas a Cargill, que controla o mercado, exportou
2 milhões de toneladas de milho brasileiro para os Estados Unidos. E o governo
deve ter lido nos jornais, como eu... Por outro lado, importamos feijão-preto
da China, para manter nossos hábitos alimentares.
Esse modelo é insustentável para o
meio ambiente, pois pratica a monocultura e destrói toda a biodiversidade existente
na natureza, usando agrotóxicos de forma exagerada. E isso desequilibra o
ecossistema, envenena o solo, as águas, a chuva e os alimentos. O resultado é
que o Brasil responde por apenas 5% da produção agrícola mundial, mas consome
20% de todos os venenos do mundo. C) Instituto Nacional do Câncer (Inca)
revelou que a cada ano surgem 400 mil novos casos de câncer, a maior parte
originária de alimentos contaminados pelos agrotóxicos. E 40% deles irão a
óbito. Esse é o pedágio que o agronegócio das multinacionais está cobrando de
todos os brasileiros! E atenção: o câncer pode atingir a qualquer pessoa,
independentemente de seu cargo e conta bancária.
Uma política de reforma agrária não é
apenas a simples distribuição de terras para os pobres. Isso pode ser feito de
forma emergencial para resolver problemas sociais localizados. Embora nem por
isso o governo se interesse. No atual estágio do capitalismo, reforma agrária é
a construção de um novo modelo de produção na agricultura brasileira. Que
comece pela necessária democratização da propriedade da terra e que reorganize
a produção agrícola cm outros parâmetros. Em agosto de 2012, reunimos os 33
movimentos sociais que atuam no campo, desde a Contag até o movimento dos
pescadores, quilombo-las, MST etc., e construímos uma plataforma unitária de
propostas de mudanças. E preciso que a agricultura seja reorganizada para
produzir, em primeiro lugar, alimentos sadios para o mercado interno e para
toda a população brasileira. E isso é necessário e possível, criando políticas
públicas que garantam o estímulo a uma agricultura diversificada em cada bioma,
produzindo com técnicas de agroecologia. E o governo precisa garantir a compra
dessa produção por meio da Conab.
A Conab precisa ser transformada na
grande empresa pública de abastecimento, que garante o mercado aos pequenos
agricultores e entregue no mercado interno a preços controlados. Hoje já temos
programas embrionários como o PAA (programa de compra antecipada) e a
obrigatoriedade de 30% da merenda escolar ser comprada de agricultores locais.
Mas isso atinge apenas 300 mil agricultores e está longe dos 4 milhões
existentes.
O governo precisa colocar muito mais
recursos em pesquisa agropecuária para alimentos e não apenas servir às
multinacionais, como a Embrapa está fazendo, em que apenas 10% dos recursos de
pesquisa são para alimentos da agricultura familiar. Criar um grande programa
de investimento em tecnologias alternativas, de mecanização agrícola para
pequenas unidades e de pequenas agroindústrias no Ministério de Ciência e
Tecnologia.
Criar um grande programa de
implantação de pequenas e médias agroindústrias na forma de cooperativas, para
que os pequenos agricultores, em todas as comunidades e municípios do Brasil,
possam ter suas agroindústrias, agregando valor e criando mercado aos produtos
locais. O BNDES, em vez de seguir financiando as grandes empresas com projetos
bilionários e concentradores de renda, deveria criar um grande programa de
pequenas e médias agroindústrias para todos os municípios brasileiros.
Já apresentamos também ao governo
propostas concretas para um programa efetivo de fomento à agroecologia e um
programa nacional de reflorestamento das áreas degradadas, montanhas e beira de
rios nas pequenas unidades de produção, sob controle das mulheres camponesas.
Seria um programa barato e ajudaria a resolver os problemas das famílias e da
sociedade brasileira para o reequilíbrio do meio ambiente.
Infelizmente, não há motivação no
governo para tratar seriamente esses temas. Por um lado, estão cegos pelo
sucesso burro das exportações do agronegócio, que não tem nada a ver com
projeto de país, e, por outro lado, há um contingente de técnicos bajuladores
que cercam os ministros, sem experiência da vida real, que apenas analisam sob
o viés eleitoral ou se é caro ou barato... Ultimamente, inventaram até que
seria muito caro assentar famílias, que é necessário primeiro resolver os
problemas dos que já têm terra, e os sem-terra que esperem. Esperar o quê? O
Bolsa Família, o trabalho doméstico, migrar para São Paulo?
Presidenta Dilma, como a senhora lê a Carta Capital,
espero que leia este artigo, porque dificilmente algum puxa-saco que a cerca o
colocaria no clipping do dia.