“As burocracias centralizadas, corruptas e inchadas do Estado-babá,
intervencionista e poderoso, cuidam das necessidades de todos com muita
solicitude” (Roberto
de Oliveira Campos)
A partir do momento em que, na ex-União
Soviética, os arquivos da3ª Internacional começaram
a ser abertos aos pesquisadores após o desmonte do socialismo real, vários
mitos e lendas não mais se sustentam. Alguns livros, editados com base
nesses arquivos, foram publicados, dando conta de detalhes inéditos do
Movimento Comunista Internacional.
A 3ª Internacional ou Komintern, do alemão “Komunistiche Internationale“,
foi uma entidade com sede em Moscou, criada por Lenin, que funcionou de
1919 a 1943, sob a direção de uma Comissão Executiva que dispunha de uma “Uskaia Komissia” (Pequena Comissão), responsável por
todas as decisões relativas aos aspectos políticos, de inteligência e de
ligação do Komintern com o Partido
Comunista da União Soviética.
Luiz Carlos Prestes, que passara a viver na
URSS, foi admitido como membro do Komintern em
8 de junho de 1934, passando a integrar a sua Comissão Executiva. Antes,
portanto, de sua filiação ao PCB, pois só viria a ser admitido no chamado
Partidão em setembro desse ano, o que constituiu um fato inédito no
comunismo internacional.
É importante assinalar que desde a década de
20, o Kominternfinanciava
e controlava os partidos comunistas de todo o mundo, com verbas fornecidas
pelo Estado soviético. Essa prática permaneceu inalterada por mais de 70
anos. Em 1943, quando o Komintern foi
desativado por Stalin, o Departamento de Relações Internacionais do PCUS
assumiu suas tarefas.
Ao final do ano de 1991, após o fim da União
Soviética, foram encontrados na sede do Comitê Central do PCUS documentos
relativos à ajuda financeira fraternal aos
demais partidos comunistas de todo o mundo. Esses documentos, como é
evidente, faziam menção ao Partido Comunista Brasileiro e comprovam que já
em 1935 oCavaleiro da Esperança, Luiz Carlos Prestes, era um
assalariado doKomintern. No período de abril
a setembro de 1935, US$ 1.714,00 foi a quantia destinada a Prestes.
Um parêntesis para assinalar que o Partido
Comunista Brasileiro jamais se libertou de sua subserviência a Moscou. O
PCUS, até ser posto na ilegalidade por Boris Yeltsin, em 1991, sempre
manteve sob estreito controle a direção política do PCB, a forma como eram
escolhidas suas lideranças, seus processos de formação ideológica, bem como
aquilo que sempre foi o mais importante para o partido: oauxílio fraternal. Em 1990, último ano de ativo
funcionamento do PCUS, essa ajuda
fraternal ao Partido Comunista Brasileiro foi de 400 mil dólares,
conforme divulgado pelo Tribunal Constitucional Russo que, em 1992, julgou
os crimes do PCUS (jornalKonsomolskaya Pravda,
Moscou, 8 de abril de 1992).
Em 15 de setembro de 1935, às vésperas,
portanto, da deflagração daIntentona, o BSA-Bureau Sul-American do Komintern, que
funcionava em Buenos Aires, recebeu da Executiva do Komintern a determinação de passar a dirigir
as atividades do PCB conjuntamente com Luiz Carlos Prestes e “Miranda“- Antonio Maciel Bonfim, então Secretário-Geral
do partido. Isso significou, na prática, que o BSA, organismo do Komintern para a América Latina, passou acomandar (esse é o verbo correto) as
atividades do Partido Comunista Brasileiro.
A ordem para que a insurreição fosse deflagrada
partiu de Moscou, em telegrama do Secretariado Político da Executiva do Komintern, dirigido a Arthur Ernst Ewert, alemão,
agente do Komintern no Brasil, (que
também usava os nomes de “Harry Berger”, “Albert”, “Castro” e “Negro”) e a
Prestes, nos seguintes termos: “A questão da ação (o
levante) decidam vocês mesmos, quando acharem necessário.
Assegurem apoio à ação do Exército pelo movimento operário e camponês.
Tomem todas as medidas contra a prisão de Prestes. Enviamos 25.000 por
telegrama. Mantenham-nos informados do rumo dos acontecimentos“.
Esse telegrama, escrito em francês, foi encontrado nos arquivos do Komintern e na página 128 do livro Camaradas (William Waak, editora Biblioteca do
Exército, 1993) está uma cópia xerografada do mesmo.
Em suma: o livro Camaradas fez desabar o mito de que a
Intentona Comunista tenha sido uma ação genuinamente brasileira, imaginada
e levada a cabo pelo PCB. Não foi.
Mas
há mais. Muito mais!
No período pré e pós-Intentona o partido da classe operária cometeu diversos assassinatos
de seus próprios correligionários, a título dejustiçamentos,
por suspeita de colaboração com o inimigo de classe.
Um deles foi o da jovem de 16 anos “Elza Fernandes” ou “Garota“, como
era conhecida no partido Elvira Cupelo Colônio, amante de “Miranda“, Secretário-Geral do PCB – e que, devido a
isso, conhecia todos os demais membros do Comitê Central e outros, com
atuação relevante na Intentona Comunista -,
por suspeita de colaboração com a repressão.
A decisão de eliminar “Garota” foi
tomada por Luiz Carlos Prestes, conforme documentos posteriormente
conhecidos que integram o processo referente ao assunto. Nos autos desse
processo está uma carta, de próprio punho de Prestes, com data de 16 de
fevereiro de 1936, remetida a “Meu Caro Amigo”
(não identificado), dizendo: “(…) Não podemos vacilar
nessa questão (…) Tudo precisa ser preparado com o mais meticuloso cuidado,
bem como estudado com atenção todo um plano de ação que nos permita dar ao
adversário a culpabilidade(…) Ela já desapareceu há alguns dias e até agora
não se diz nada(…)”.
Em outra carta, dirigida ao Secretariado Nacional do PCB, datada de 19 de
fevereiro de 1936 (apenas três dias depois), Prestes escreveu: “(…) Fui dolorosamente surpreendido pela falta de resolução
e vacilações de vocês (…). Companheiros, assim não se pode dirigir o
partido do proletariado, da classe revolucionária conseqüente (…). Já em
minha carta de ontem formulei minha opinião a respeito do que precisávamos
fazer (…) Não é possível dirigir sem assumir responsabilidades. Por outro
lado, uma direção não tem o direito de vacilar em questões que dizem
respeito à defesa da própria organização (…)”.
Cópia do original da carta acima, também
manuscrita por Prestes, está entre as páginas 33 e 34 do livreto Os Crimes do Partido Comunista, de Pedro Lafayette,
Editora Moderna, 1946, Rio de Janeiro.
Na casa 41-A da rua Maria Bastos, em Deodoro,
subúrbio do Rio, em 20 de fevereiro de 1936 – um dia após a segunda carta
de Prestes -, “Elza Fernandes” foi assassinada
por enforcamento, pelos militantes Adelino Deycola dos Santos (“Tampinha”),
Manoel Severiano Cavalcanti (“Gaguinho”) e Francisco Natividade Lyra
(“Cabeção”), e sepultada no quintal da casa. Após terem sido presos,
confessaram o assassinato dando-o como um justiçamento,
sendo o corpo de “Elza Fernandes” exumado pela
polícia em 14 de abril de 1936.
Prestes, o mandante, e a alemã Olga Benário
(agente do IV Departamento do Estado-Maior do Exército Vermelho, instância
clássica da espionagem militar, hoje conhecido pela sigla GRU. Olga, que
também utilizava os nomes de “Frida Leuschner“,
“Ana Baum de Revidor“, “Olga Sinek“, “Olga Bergner Vilar” e “Zarkovich que nunca foi casada com Prestes pois já era casada,
em Moscou, com B. P. Nikitin, aluno da Escola Militar Frunze, havia sido
designada para cumprir a tarefa de acompanhar Luiz Carlos Prestes em sua
volta ao Brasil, em 1935, missão que lhe fora atribuída pelo IV
Departamento, já citado) foram presos em 5 de março de 1936. Em 17 de abril
de 1945, 9 anos depois, Prestes, que havia sido condenado, foi anistiado e
em outubro desse mesmo ano eleito Senador da República. Em maio de 1947 o
PCB foi julgado ilegal por decisão do Tribunal Superior Eleitoral e o
partido foi fechado, pois em uma diligência policial havia sido encontrada
uma cópia do projeto de reforma dos estatutos, fazendo com que a acusação
afirmasse que o PCB tinha dois estatutos: um registrado no cartório e outro
ilegal que, de fato, regeria a vida dos militantes.
A
partir de 1971 Prestes voltou a viver em Moscou, sendo novamente anistiado
em 1979 e, por força da Constituição de 1988, reincluído no Exército,
promovido ao posto de coronel e reformado.
Quando
de seu falecimento, em 7 de março de 1990, Leonel Brizola (do PDT),
governador do Rio de Janeiro, concedeu à sua viúva, Maria do Carmo Ribeiro,
uma pensão vitalícia no valor de 10 mil reais. Recorde-se que Prestes era o
presidente de honra do Partido Democrático Trabalhista…
Não é
interessante recordar um pouco de História?
Mas
ainda há mais. Muito mais!
Com base na Lei 10.559/02, Maria do Carmo
Ribeiro requereu à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça revisão do
valor da pensão – como viúva de um coronel – que lhe havia sido concedida,
sendo que a decisão da Comissão, que contou com a
presença do ministro interino da Justiça – o que é inusitado! – foi assim
anunciada em 19 de maio de 2005 pela Agência MJ de Notícias(http://www.mj.gov.br/noticias/2005/Maio/rls190505anistia.htm):
“Brasília 19/05/05(MJ) – A Comissão de Anistia
do Ministério da Justiça julgou procedente o pedido de indenização
econômica para Maria do Carmo Ribeiro, viúva de Luiz Carlos Prestes, que teve a carreira militar tolhida durante o regime militar
(1). O processo foi julgado na manhã desta quinta-feira (19) e,
conforme a legislação, Maria do Carmo terá direito
à revisão do valor da atual pensão militar que recebe, quando o benefício
passará a corresponder aos proventos de general-de-brigada do Exército.
O pedido foi analisado durante sessão em que
participaram o ministro interino da Justiça, Luiz Paulo Barreto, e quatro
conselheiros daComissão de Anistia(2). De acordo com o parecer do
relator do processo, Marcello Lavenère (presidente da Comissão), a
companheira de Prestes e as filhas dependentes (Rosa Ribeiro Prestes,
Ermelinda Ribeiro Prestes, Mariana Ribeiro Prestes e Zoia Ribeiro Prestes)
têm o direito à indenização em prestação mensal e continuada (vitalícia),
correspondente aos proventos de general-de-brigada do Exército, com todas
as vantagens da patente a que Prestes teria chegado se não tivesse sido prejudicado por
motivação política (3), conforme prevê a Lei 10.559.
No pedido encaminhado à Comissão de Anistia,
Maria do Carmo pleiteava indenização correspondente ao posto de general do
Exército, com base na carreira militar de Luiz Carlos Prestes. Nascido em
31 de janeiro de 1898, o conhecido líder do Partido Comunista do Brasil e
do movimento batizado “Coluna Prestes”
foi incorporado ao Exército Brasileiro em fevereiro de 1916. Alcançou os
postos de aspirante-a-oficial em 1918, segundo-tenente em 1919,
primeiro-tenente em 1921 e capitão em 1922, tendo
a patente cassada em 1936 (4). Apesar da comprovada progressão
na carreira, a Comissão julgou-se impedida de conceder indenização
corresponde à patente militar de oficial-general considerando que o
referido posto só pode ser conferido por ato do presidente da República.
Ao término do julgamento do processo, Maria do
Carmo Ribeiro fez um relato sobre os anos em que passou ao lado de Luiz
Carlos Prestes durante o regime militar e a trajetória da família após a
morte de Prestes, em 7 de março de 1990. “Ao receber essa homenagem,
quero que ela, como venho fazendo no cotidiano de minha vida, contribua
para a construção da memória de Luiz Carlos Prestes”, disse. “Nunca usei ou ganhei benefícios ou rendimentos com isso.
Venho somente dando a minha contribuição, fortalecendo a memória de Prestes
como parte da história de nosso País, pois o povo brasileiro deve
conhecer seus heróis”, completou a viúva.
Ao homenagear a família de Luiz Carlos Prestes
pela popularização da sua trajetória, o secretário Luiz Paulo Barreto
parabenizou o Estado brasileiro pelo reconhecimento da anistia ao ex-líder
político. O presidente da Comissão de Anistia,
Marcello Lavenère, elogiou Prestes pelas conquistas militares e políticas
(sic):“Uma verdadeira nação se constrói assim,
com pessoas como Luiz Carlos Prestes, que colocou seu país como
prioridade de vida e causa maior (5) deixando de lado sua própria
felicidade e o convívio com a família por um bem social”.
O
valor da indenização concedida a Maria do Carmo Ribeiro será calculado pela
Comissão de Anistia e constará de portaria a ser assinada pelo ministro da
Justiça, Márcio Thomaz Bastos. A portaria será publicada no Diário Oficial
da União e encaminhada para o Ministério da Defesa, responsável pelo
pagamento das indenizações aos anistiados militares”.
Em 1980, menos de seis meses depois de haver
retornado ao Brasil em decorrência da anistia, Prestes – em sérias
desavenças políticas com os demais membros do CC do PCB – deu divulgação a
um documento de sua autoria, intitulado Carta aos Comunistas,
propondo a rebelião das bases do partido, que ele dirigia, contra o Comitê
Central, que o elegera Secretário-Geral, e retomando a antiga tese de construção de um novo partido, sugeriu o que, em
termos partidários, pode ser considerada uma aberração: a convocação de um
Congresso partidário do qual participariam todos os comunistas.
Após a publicação dessa carta pela imprensa, Prestes, por decisão do Comitê
Central, foi removido do cargo de Secretário-Geral que desempenhara por 37
anos, sendo substituído por Giocondo Dias, conhecido no partido como “Cabo
Dias” (por haver participado da Intentona Comunista, em Natal/RN, quando
era Cabo do Exército). Após a morte de Giocondo Dias o partido passou a ser
dirigido por Salomão Malina (um ex-capitão do Exército). Ou seja, quatro ex-militares
dirigiram o PCB desde 1935 até 1992, quando foi criado o Partido Popular
Socialista: Miranda, Prestes, Giocondo Dias e Salomão Malina. Ou melhor:
dirigiram, não! Comandaram o PCB por 57 anos.
Finalmente,
a razão deste artigo: um texto referente a uma Portaria ambígua que deverá
ser assinada não se sabe por quem (Portaria nº 7/ANISTIA) que passou a
circular na Internet.
PORTARIA No- 7/ANISTIA, DE 16 DE AGOSTO DE
2006
COMANDO DO EXÉRCITO
DEPARTAMENTO-GERAL
DO PESSOAL
PORTARIA No- 7/DCIP/ANISTIA, DE 16 DE
AGOSTO DE 2006
O
CHEFE DO DEPARTAMENTO-GERAL DO PESSOAL,
no uso da competência que lhe foi delegada pela
Portaria no- 479, de 11 de agosto de 2004, do Comandante
do Exército, em cumprimento à Portaria Normativa no- 657/MD, de 25 de junho de 2004, do Ministro
de Estado da Defesa, e nas condições impostas pela Portaria no- 1339, de 1o- de julho
de 2005, do Ministro de Estado da Justiça, que decidiu: “declarar LUIZ CARLOS PRESTES anistiado político “post
mortem”, reconhecendo o direito às promoções ao posto de Coronel com os proventos do posto
de General-de-Brigada e as respectivas vantagens, e
conceder em favor das requerentes MARIA DO CARMO RIBEIRO, ERMELINDA RIBEIRO
PRESTES, MARIANA RIBEIRO PRESTES, ROSA RIBEIRO PRESTES, ZOIA RIBEIRO
PRESTES, e demais dependentes econômicos, se houver, a reparação econômica
em prestação mensal, permanente e continuada no valor de R$ 9.204,48 (nove
mil, duzentos e quatro reais e quarenta e oito centavos), cabendo a cada
uma das requerentes, respectivamente, os percentuais equivalentes a 50%,
12,5%, 12,5%, 12,5%, 12,5%, de cada prestação acima concedida, nos termos
do artigo 1o- , incisos I e II da Lei
no- 10.559, de 14 de novembro de 2002″,
resolve: CONSIDERAR, transferido para o Regime do Anistiado Político de que
trata a Lei no- 10.559, de 13 de
novembro de 2002, o anistiado político “post mortem” LUIZ CARLOS PRESTES,
por imposição do disposto na Portaria no- 1339, de
1o- de julho de 2005, do Ministro de Estado da
Justiça.
Gen.
Ex. SÉRGIO PEREIRA MARIANO CORDEIRO
(D.O.U.
nº 159, de 18/08/2006, Seção 2, Pág. 7)
(1) Não é verdade. Sua carreira
militar jamais foi tolhida. Ele, Prestes, foi quem desertou e optou pela
formação daColuna Prestes que percorreu o Brasil de 1924 a 1927
e depois de anos de exílio na Bolívia, Argentina e União Soviética,
retornou clandestinamente ao Brasil em março de 1935 e foi o responsável
pelo desencadeamento daIntentona Comunista,
em novembro de 1935, que matou 32 brasileiros!
(2) Apenas 4 dos 17 conselheiros!
(3) Desertar do Exército, constituir um
bando de outros desertores, com ele percorrer o Brasil e, ao final
exilar-se sucessivamente na Bolívia, Argentina e União Soviética, não
significa prejuízo por motivação política!
(4) A viúva mente! Sua patente foi cassada
muito antes, no início da década de 20, quando desertou do Exército!
(5) É evidente que esse “seu país”, aí
referido pelo presidente da Comissão de Anistia, não é o Brasil e sim a
União Soviética. Recorde-se a resposta dada pelo então senador Prestes a
uma pergunta feita por um jornalista diante da questão: “Qual seria a
posição dos comunistas caso o Brasil entrasse em guerra contra URSS?”.
Prestes afirmou: “Faríamos como o povo da resistência francesa, o
povo italiano, que se ergueram contra Petain e Mussolini. Combateríamos uma
guerra imperialista contra a URSS e empunharíamos armas para fazer
resistência em nossa Pátria”. E ratificou essa sua opinião no
parlamento.
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