17/07/2014
Por fora, o Congresso Nacional é uma das mais sedutoras criações da
grife Niemeyer. Por dentro, lembra um ajuntamento de meliantes que, em vez de
“mano” ou “brother”, usam o tratamento de Vossa Excelência. Pode-se identificar
os inquilinos pelo terno escuro que jamais se entende com a gravata, pelo
sorriso de aeromoça, pela expressão confiante de quem se acha condenado à
perpétua impunidade e pelos cabelos adubados por implantes, pintados de
preto-graúna ou descambando para o amarelo-icterícia. Dependendo da lista de
presentes, a sede do Parlamento é uma Papuda sem grades.
Em princípio, portanto, a decretação do “recesso
branco” que suspenderá até outubro as atividades da Câmara e do Senado é
notícia boa. Pelo menos por três meses, o país que só cresce à noite porque o
governo está dormindo ficará menos intranquilo durante o dia graças à
desativação temporária da fábrica de espertezas. O problema é que deputados e
senadores pretendem ampliar o prontuário enquanto desfrutam das férias
eleitoreiras. Mesmo distantes do local do emprego, resolveram continuar
embolsando os mais
de R$ 100 mil por cabeçaque tungam a cada mês.
Decidido a provar que a interrupção do trabalho não interrompe o
trabalho, Renan Calheiros reforçou a suspeita de que a expansão da cobertura
capilar piorou o resto da cabeça. “O recesso é quando você paralisa o
Legislativo”, atrapalhou-se o presidente do Senado. “Quando deixa apenas de
convocar ordem do dia não é recesso, porque o Congresso continuará funcionando,
discutindo. Pode reunir as comissões permanentes. O que não haverá é votação”.
A institucionalização da vadiagem remunerada é mais que um
monumento à insolência. É um afrontoso caso de polícia que exige castigo,
informa o Código Penal. Mais precisamente o artigo 171, que define o crime de
estelionato: ”Obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo
alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou
qualquer outro meio fraudulento”.
Se o Ministério Público enquadrasse sem medo delinquentes com imunidade
parlamentar, se o Supremo Tribunal Federal cumprisse sem demora o seu dever,
centenas de punguistas federais seriam transferidos para a Papuda com grades.