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Militante de esquerda, simpatizante do PC do B, o escritor angolano Nelson Pestana foi preso político em Angola. Ele conta que a tortura era feita pelo Exército cubano. Segundo ele, Fidel dilapidou o patrimônio de Angola, roubando até fábricas que eram levadas para Cuba. O exército cubano chegou a estuprar mulheres.
O artigo foi extraído do site Centro de Mídia Independente e é uma versão condensada do artigo A sangrenta tirania cubana em Angola, segundo discípulo angolano do PC do B, publicado no blog Palavra Acesa.
DEPOIMENTO DE NELSON PESTANA, ESCRITOR ANGOLANO DE ESQUERDA
O papel de Cuba em Angola, do meu ponto de vista foi um papel de potência de segundo grau e de colonização. Os cubanos representaram um mercenarismo de Estado. Da mesma maneira que houve a intervenção de outros exércitos, como o sul-africano e o zairense, por parte dos outros movimentos de libertação, Cuba interveio para apoiar o MPLA. E interveio como força expedicionária que se apropriou da riqueza nacional, inclusive porque os cubanos, a uma determinada altura, mandavam no país. Os angolanos eram marionetes nas mãos dos cubanos. O poder angolano de Agostinho Neto dependia da força expedicionária cubana. Tanto é assim que, quando houve uma cisão dentro do MPLA e há um golpe de Estado em 27 de maio de 1977, esse golpe é controlado pelos cubanos, que estão do lado de Neto. São os cubanos que reprimem a tentativa de golpe de estado dessa corrente do MPLA, que era comandada por Nito Alves e que tinha o apoio da União Soviética. Os cubanos tinham interesses próprios, como potência regional de segunda ordem, e, nesse caso, ficaram em lado oposto aos soviéticos.
A intervenção em Angola trazia um desafogo para a própria economia cubana. O internacionalismo é discurso de propaganda. Os cubanos eram pagos e bem pagos, inclusive os soldados, não era só o pessoal civil que era pago. Lembro-me que, numa determinada altura, cada soldado cubano custava mil dólares para Angola, por mês. Era uma factura muito elevada. O internacionalismo era apenas um discurso de legitimação. Essas quantias em dólares pagas aos cubanos deram um desafogo à economia de Cuba, que estava extremamente estrangulada na altura em que eles fizeram a intervenção em Angola. Daí os interesses diferentes de cubanos e soviéticos. Cuba apoiou Neto porque ele dava maior garantia aos cubanos de permanência no país. Cuba chegou a ter 60 mil pessoas em Angola, entre soldados e civis. Não eram os angolanos que diziam: “Agora, precisamos de 20 médicos”. Cuba que mandava 30 médicos. Angola tinha que os aceitar e lhes pagar os salários, além de comprar todo o material que era operado pelos cubanos. Inclusive, antes de Angola estruturar sua própria força repressiva, os cubanos é que torturavam diretamente os angolanos.
Os cubanos são idolatrados como internacionalistas, sei que na América Latina eles têm essa imagem, mas, pelo lado da população angolana, eles são vistos como força de intervenção. Eles tiveram as práticas de todas as forças de intervenção, como violação de mulheres, apropriação de fábricas completas. Os cubanos, normalmente, eram os primeiros que chegavam às cidades desertadas pelas forças sul-africanas e de outros movimentos de libertação. Então, os cubanos se apropriavam de tudo aquilo que lhes interessava. Conta-se, inclusive, uma anedota, que acho que tem a ver com a realidade, que, numa primeira viagem de Estado que Agostinho Neto fez a Cuba, ele levou vários ministros, entre eles o ministro da Justiça, que teve a surpresa de ver, em Havana, o carro que lhe tinha sido roubado em Havana. Muitos carros circulavam em Havana com a matrícula “MP”, que significava “matrícula pedida”. Eram carros roubados em Angola, levados para Cuba e, depois, matriculados com uma nova chapa cubana. Mas não foram só carros. Foram roubadas até fábricas. Eram desmontadas as fábricas, postas em barcos e levadas para Cuba, assim como clínicas e hospitais.
Os cubanos fizeram uma depredação histórica em Angola, não só porque arrancavam coisas para levar para Cuba, mas também porque quebraram monumentos, alegando que eram alusivos ao colono. E a depredação dos cubanos não foi só na retirada deles, mas assim que chegaram. Era uma depredação organizada. Por exemplo, em Cabinda, que é uma região de floresta, que tem madeiras preciosas, eles cortavam a madeira, punham nos barcos e levavam, simplesmente não pagavam impostos, não pagavam a madeira, não pagavam nada. Faziam uma exploração da madeira, por conta própria, sem qualquer autorização ou acordo entre Cuba e Angola. Os cubanos destruíram a produção de cana-de-açúcar em Angola. Os cubanos comandaram, durante muito tempo, a marinha mercante angolana, e fretavam barcos para servirem à sua própria marinha mercante. E nós pagávamos frete de barcos cubanos que serviam à sua marinha mercante.
Eles fizeram imensas coisas. Há coisas que já estão sendo mais ou menos relatadas por cubanos dissidentes. De qualquer maneira, os cubanos não saíram totalmente de Angola. Saíram as tropas. Muitos deles converteram-se em negociantes e continuam em Angola, com lojas de comércio externo, clínicas, entre outros negócios. Alguns deles são uma força de reserva do próprio regime, porque um general que vira comerciante é sempre general. Há bem pouco tempo, o presidente angolano José Eduardo dos Santos visitou Cuba para um novo incremento da colaboração militar com Cuba. Apesar dos pesares, não temos uma atitude revanchista em relação aos cubanos. Naquilo que eles forem interessantes para Angola, conversamos muito bem, pode haver colaboração com Cuba.
Deixe me dizer que conheci Cuba, em 1981, e o que mais me chocou em Cuba foi o racismo contra os negros, pior do que no Brasil, mas como é uma revolução socialista, fala-se muito de Guevara, esconde-se muito isso. A guerra em África, tanto em Angola como na Etiópia, serviu, também, um bocado à comunidade negra cubana para a sua afirmação, para a sua promoção social, porque não se viam generais negros no Exército cubano. Passou a haver numa determinada altura, porque a intervenção em África fez com que o discurso de Fidel incidisse sobre a recuperação das raízes africanas cubanas e isso motivou certa promoção da comunidade negra cubana. Há muito tempo que não vou a Cuba, mas, em 1981, quando estive lá, havia um racismo declarado em Cuba, a ponto de um branco não dançar com uma negra. E de eu me interessar por uma mulher que, nas circunstâncias, era negra e ela perguntar-me se eu efetivamente gostava dela, porque achava que um indivíduo com a minha pigmentação não poderia se interessar, de maneira nenhuma, por uma mulher de pele escura. Porque em Cuba havia essa separação, a separação das raças. Eu tinha companheiros cubanos desportistas que não dançavam num baile com brancas, porque se fossem pedir para dançar, elas não aceitavam porque eles eram negros. É um racismo que se pode encontrar mesmo nos textos do José Martí, quando ele fala no nosso “irmão mais novo”, o negro, numa atitude paternalista, que é, também, uma forma de racismo.
Costumo dizer aos meus amigos brasileiros, alguns com militância no PT, que Fidel Castro, moralmente, está uns pontos abaixo de Pinochet. Porque Pinochet era um ditador, mas, hoje, pôs a sua cadeira à disposição de um referendo. Fidel Castro, apesar de ter sido aconselhado a fazer o mesmo, até para renovar a sua legitimidade, nunca o fez e continua a manter uma ditadura das mais retrógradas. Mas eu costumo dizer aos meus amigos brasileiros que o nosso ditador é sempre mais simpático que o ditador do outro. O Pinochet era o ditador da direita e, por isso, é aquela besta que reprimiu a república, que matou Allende. Sabemos disso e tenho muito respeito por essa resistência, mas eu vi um resistente do Chile a ir buscar o Pinochet em Londres, para que ele não fosse julgado por Baltazar Garzón. E ele explicava que a democracia tinha sido negociada com esse ditador, que decidiu renunciar ao poder porque perdeu um referendo.
Não tenho simpatia nenhuma por nenhum tipo de ditador, mas, como homem de esquerda, embora de uma esquerda democrática, que não aceita nenhuma forma de coação sobre as liberdades individuais e coletivas, não posso me identificar com um ditador como Fidel Castro. Eu me identifico mais com aqueles a quem ele chama de vendilhões da pátria, que são esses movimentos da sociedade civil que apenas têm a fragilidade de seus corpos para opor ao regime brutal de Fidel Castro. E é um regime verdadeiramente brutal. Não é por acaso que alguns intelectuais de esquerda que até há pouco tempo o apoiavam cortaram relações com ele. O último caso foi o do escritor José Saramago, que escreveu aquela célebre carta aberta.
Conheci Cuba e não vi as grandes conquistas do socialismo que eles vendem. Mas, mesmo que houvesse essas grandes conquistas do socialismo, nada justifica a opressão sobre as pessoas. Não é por um prato de arroz que um ditador qualquer tem direito a impor uma ditadura como a de Fidel Castro. Por isso, acho que o PT teria muito a ganhar demarcando-se desse tipo de ditadura, a não ser que ele concorde com uma política de dois pesos e duas medidas: por um lado, o PT que fez um percurso de 20 anos de luta e chegou ao poder pela legitimidade do voto popular; por outro, o PT que apoia Fidel Castro, um dinossauro que não tem legitimidade nenhuma.
Fidel não aceita pôr o seu poder ao referendo da população cubana, porque acha que isso é invenção do ianque. Mas não é. Ele pode organizar as manifestações que quiser, com a população que quiser, para dizer que aqueles ativistas cívicos cubanos que lutam pela liberdade do país não representam ninguém. Mas Ceaucescu, na Romênia, também tinha eleições com 90 por cento de aprovação, mas, de um dia para o outro, caiu e nós depois vimos o que era efetivamente esse poder. No Iraque, Saddam ganhou as últimas eleições que fez com 100 por cento dos votos, mas hoje vemos que as manifestações no Iraque contra a potência ocupante mostram uma pluralidade de movimentos e não 100 por cento em favor do ditador que foi derrubado pela intervenção americana. Fidel não tem, com certeza, 100 por cento da população do seu lado. Mas bastava que houvesse um cubano que pensasse diferente do Fidel para que ele tivesse o direito de pensar diferente.
Voltando ao PT, eu acho que há uma corrente no partido que, efetivamente, não aceita a democracia como modelo a seguir, que se submeteu a ela, nas circunstâncias do Brasil, e que, por isso, poderá ser sempre um risco para a própria democracia brasileira. E eu, não sendo brasileiro, sendo angolano, digo isso com preocupação, porque é normalmente nesses modelos ditatoriais que os nossos ditadores se inspiram. E, por isso, o exemplo brasileiro, nesse capítulo, pode ser um mau exemplo para Angola. E, como tal, eu tenho que me bater para que a própria democracia brasileira se fortaleça e se desenvolva naquele caminho que todos nós desejamos.