Ao contrário do que se pensa geralmente, o surgimento dos movimentos ambientalista e indigenista no cenário mundial, como influentes forças políticas, nas últimas décadas, não decorreu de um processo espontâneo de conscientização de amplos setores das sociedades de todo o planeta sobre as necessidades reais de cuidados com o meio ambiente e de atenção com as comunidades indígenas. Em vez disto, ambos foram artificialmente criados por altos círculos oligárquicos anglo-americanos, desde as décadas de 1950-1960, com o propósito bem definido de empregá-los como instrumentos políticos contra o impulso de progresso que se espalhava pelos países em desenvolvimento, baseado em vigorosos programas de industrialização e expansão da infraestrutura física.
Como define Lorenzo Carrasco, no livro Máfia Verde: o ambientalismo a serviço do Governo Mundial(2001), tal estratégia visava, basicamente: 1) transferir o controle dos processos de desenvolvimento, dos Estados nacionais para entidades supranacionais e não-governamentais, consolidando estruturas de "governo mundial" (ou "governança global"); 2) erradicar o "vírus do progresso" entre os estratos educados das sociedades de todo o mundo, com a difusão do irracionalismo e da descrença nas conquistas científico-tecnológicas como motores do desenvolvimento; 3) reduzir o crescimento da população mundial; e 4) controlar uma grande proporção dos recursos naturais do planeta.
Da mesma forma, o Dr. Donald Gibson, professor de Sociologia da Universidade de Pittsburgh, escreve, em Environmentalism: Ideology and Power (Ambientalismo: ideologia e poder - 2002): "De uma maneira geral, o ambientalismo e seus antecessores [referência à eugenia e aos movimentos de controle de população - n.e.] expressam um receio da classe superior, de que a ascensão de outros grupos diminua ou ameace o seu poder e status. O ambientalismo é uma expressão política dos receios da classe superior sobre o progresso. O neocolonialismo e o darwinismo social são outras expressões desse medo. Quando uma classe superior age motivada por esses medos, ela se torna uma ameaça ao progresso."
Desde o início, o propósito principal do ambientalismo tem sido o de impor a falaciosa ideia da impossibilidade física de que todos os países do mundo possam desfrutar de elevados níveis de desenvolvimento e justiça social, como os experimentados pelos países industrializados, sob o pretexto da "escassez" de recursos naturais e dos impactos ambientais alegadamente inaceitáveis. Como esta ideia aberrante é contrária ao senso comum da grande maioria das pessoas, para que estas passassem a aceitá-la e integrá-la na sua visão do mundo, seria preciso apresentá-la sob uma forma disfarçada e mais "palatável". Daí surgiu o conceito de que as expectativas de desenvolvimento dos países que ainda não modernizaram as suas economias teriam que ser cuidadosamente restringidas, para não prejudicar o meio ambiente e as possibilidades das futuras gerações. Temos, assim, um colonialismo de um novo tipo, que, reconheça-se, é bem mais eficiente que a modalidade direta tradicional, pois força os indivíduos subjugados a organizarem-se contra os interesses da sua própria sociedade, acreditando que estão contribuindo para uma causa nobre e universal.
No currículo desse radicalismo, alinham-se, entre outras "façanhas": o banimento do DDT, ainda hoje o mais eficiente inseticida já produzido, responsável pela preservação de literalmente centenas de milhões de vidas em todo o mundo, evitando que fossem vitimadas por doenças transmitidas por insetos; o banimento dos clorofluorcarbonos (CFCs), versáteis produtos químicos que possibilitaram a popularização da refrigeração e seus incontáveis benefícios; um atraso de décadas nos usos pacíficos da energia nuclear; a obstaculização de incontáveis projetos de infraestrutura; a campanha de "descarbonização" da matriz energética da economia mundial, sem que haja alternativas tecnológica e economicamente viáveis aos combustíveis fósseis, baseada na promoção de uma inexistente influência humana no clima em escala global. Enfim, quase invariavelmente, os alvos principais das suas ruidosas campanhas têm sido elementos que são sinônimos de bem-estar e progresso, dos quais pretendem afastar os países em desenvolvimento.
O Brasil entrou na alça de mira desse aparato intervencionista a partir da década de 1980, tendo como alvos principais os projetos de desenvolvimento na Amazônia, como o Polonoroeste, um programa de assentamento de populações rurais em Rondônia, e os projetos de infraestrutura planejados para a região, como usinas hidrelétricas, rodovias e outros. As pontas-de-lança da investida foram as ONGs estadunidenses Natural Resources Defense Council (NRDC), Environmental Defense Fund (EDF) e National Wildlife Federation (NWF), das mais influentes do país, apoiadas pela britânica Oxfam e as "brasileiras" Centro Econômico de Documentação e Informação (CEDI) e Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (INESC). Em paralelo, a Gaia Foundation britânica se aproximou do agrônomo gaúcho José Lutzenberger, que viria a tornar-se um dos ícones do ambientalismo brasileiro.
Por sua vez, o CEDI era vinculado diretamente ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI), entidade criada em 1948, por um seleto grupo de oligarcas do Establishment anglo-americano, com o propósito de utilizar a causa do "ecumenismo" religioso para diversas operações de desestabilização em países como o Brasil, onde os seus representantes operam desde a década de 1950 (sobre o CMI, ver Quem manipula os povos indígenas contra o desenvolvimento do Brasil: um olhar nos porões do Conselho Mundial de Igrejas, de Lorenzo Carrasco e Silvia Palacios, 2013).
Como resultado direto das ações desses grupos, o Banco Mundial começou a suspender os empréstimos ao Brasil para vários projetos, alegando os impactos ambientais dos mesmos, começando, em 1985, pela pavimentação da já existente rodovia BR-364 (que, diga-se de passagem, até hoje não foi concluída). Igualmente, em lugar de financiar obras de infraestrutura, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) proveu recursos para a implantação de reservas extrativistas, para promover uma das atividades econômicas mais primitivas conhecidas pelo homem, que se converteu no paradigma do "desenvolvimento sustentado" para a Amazônia.
Uma parte importante dessas operações foi a conversão do líder seringueiro acreano Chico Mendes em um campeão internacional da defesa da Floresta Amazônica. Para tanto, a NWF, EDF e NRDC patrocinaram uma série de visitas de Mendes a Washington, para fazer lobby junto ao Congresso dos EUA, ao Banco Mundial e ao BID, além de assegurar-lhe visibilidade internacional, com a concessão de dois importantes prêmios ambientais, o Global 500 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Medalha de Proteção do Meio Ambiente da Better World Society, do magnata das telecomunicações Ted Turner. Em 1988, Lutzenberger também seria agraciado com o Right Livelihood Award, considerado o "Prêmio Nobel Alternativo do Meio Ambiente" (em 1990, por indicação direta do príncipe Charles, herdeiro do trono britânico, ele seria nomeado secretário de Meio Ambiente do governo de Fernando Collor de Mello).
Os mentores do "projeto Chico Mendes" foram quatro personagens que viriam a desempenhar papeis cruciais na "decolagem" do ambientalismo brasileiro: os estadunidenses Stephan Schwartzman (EDF) e Barbara Bramble (NWF); o inglês Tony Gross (Oxfam); e a brasileira Mary Allegretti (Instituto de Estudos Amazônicos). Marina Silva, então professora secundária, fazia parte do grupo político de Mendes, com quem fundou a filial acriana da Central Única dos Trabalhadores (CUT), antes de conquistar o seu primeiro cargo eletivo, como vereadora em Rio Branco, em 1988.
O assassinato de Mendes, em dezembro de 1988, em Xapuri (AC), motivado por uma antiga rixa com um fazendeiro local, serviu como pretexto para uma impressionante campanha de ataques ao Brasil, que passou a ser apontado como "vilão ambiental número um" do planeta. Embora ele fosse virtualmente desconhecido fora do estado, a sua morte gerou manchetes na imprensa de três continentes, apresentando-o como um campeão da causa ambiental planetária. O New York Times o considerou um "mártir do holocausto amazônico". O Libération de Paris afirmou que "os europeus e os estadunidenses não podem assistir impassivelmente à destruição da Amazônia, achando que não têm nada com o assunto". O Asahi Shimbum, maior jornal japonês, publicou um editorial afirmando que o crime preocupava "a todos os que desejam um ar limpo".
Além disso, missas em sua memória foram celebradas em Londres e Washington. Na capital estadunidense, foi celebrado um culto ecumênico, com a presença de vários membros do Congresso. Na oportunidade, o presidente da NWF, Jay Hare, chegou a comparar Mendes a Martin Luther King.
A construção do mito Chico Mendes foi reforçada pela publicação de numerosas biografias, inclusive, de autores estrangeiros, e pelo filme cinematográfico Amazônia em chamas (The Burning Season), de 1994, em que Mendes foi interpretado pelo ator portorriquenho Raul Julia, então, uma das estrelas de Hollywood.
É interessante observar que o próprio Mendes não se considerava um ambientalista, como admitiu um dos seus biógrafos, o correspondente ambiental do New York Times, Andrew Revkin, autor de Tempo de queimada, tempo de morte: o assassinato de Chico Mendes e a luta em prol da Floresta Amazônica (1990). No livro, ele registra um comentário de Mendes, depois de ser retratado na televisão como um lutador em favor dos "pulmões do mundo" (um dos mitos recorrentes sobre a Floresta Amazônica): "Não estou protegendo a floresta por estar preocupado com o fato de que o mundo será afetado dentro de 20 anos. Estou preocupado com ela porque há milhares de pessoas vivendo aqui, gente que depende da floresta, e suas vidas estão correndo risco diariamente."
Em fevereiro de 1989, o CEDI, a NWF e o NRDC, com recursos de órgãos oficiais do governo do Canadá, organizaram o chamado Encontro de Altamira, na cidade paraense, para contestar os projetos de desenvolvimento previstos para a Amazônia brasileira. O alvo principal era o complexo de usinas hidrelétricas previsto para o rio Xingu. O evento, que reuniu cerca de 3 mil pessoas, entre representantes de ONGs de vários países, indígenas, jornalistas e autoridades convidadas, contribuiu decisivamente para dar visibilidade internacional às campanhas mobilizadas em torno dos indígenas brasileiros. O grande destaque propagandístico do encontro foi a fotografia da índia caiapó Tuíra esfregando um facão no rosto do então diretor da Eletronorte, Antônio Muniz Lopes, reproduzida em todo o mundo.
Em 1994, a partir de uma subdivisão do CEDI, foi fundado o Instituto Socioambiental (ISA), que viria a tornar-se uma das principais integrantes do aparato ambientalista-indigenista no Brasil. Entre os seus fundadores, estavam Schwartzman, Bramble e Gross (que ainda integra o conselho diretor da ONG). Entre as suas campanhas, destaca-se a movida contra a construção da usina de Belo Monte, a única que acabou sendo construída no rio Xingu, embora com o projeto bastante modificado, por conta das pressões ambientalistas e indigenistas.
Outros fundadores do ISA foram Carlos Frederico Marés, Márcio Santilli e João Paulo Capobianco. Os dois primeiros viriam a ser nomeados presidentes da Fundação Nacional do Índio (Funai); Capobianco, o braço direito de Marina Silva, tendo acompanhado-a ao Ministério do Meio Ambiente e em suas campanhas presidenciais, em 2010 e 2014.
Após a morte de Chico Mendes, Allegretti e Schwartzman se encarregaram de transferir para Marina o bastão de campeã das causas dos seringueiros e da defesa da Floresta Amazônica. A partir daí, seria construída a sua imagem de paladina do meio ambiente e, assim como já havia ocorrido com Mendes, ela foi agraciada com vários prêmios internacionais. Entre eles: Prêmio Ambiental Goldman, do Fundo Richard & Rhoda Goldman (1996); Prêmio Campeões da Terra, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (2007) (entre os outros seis premiados, estavam o ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, e o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge); Medalha Duque de Edimburgo, do WWF (2008); Prêmio Sophie, da Fundação Sophie da Noruega (2009); Prêmio de Mudanças Climáticas da Fundação Príncipe Albert II de Mônaco (2009). Além disto, em 2008, o jornal inglês The Guardian a listou entre as "50 pessoas que poderiam salvar o planeta", juntamente com Al Gore, o ator Leonardo DiCaprio, o então presidente do Greenpeace International, Gerd Leipold, e outros luminares das causas "verdes".
No entanto, apesar de a imagem de Marina como paladina ambiental estar invariavelmente vinculada à de Mendes, como ela própria sempre se empenhou em ressaltar, os seringueiros acreanos parecem ter uma visão discordante. Em 27 de agosto último, após o debate dos candidatos presidenciais promovido pela Rede Bandeirantes, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri divulgou uma nota, refutando um comentário feito por Marina sobre Mendes, considerando-o como parte da "elite" nacional. Igualmente, a nota, assinada pelo presidente do sindicato, José Alves, e o assessor jurídico Waldemir Soares, aponta os patrocinadores ocultos da trajetória política de Marina:
"Primeiramente, o companheiro Chico foi um sindicalista e não ambientalista... Essa visão distorcida do Chico Mendes ambientalista foi levada para o Brasil e a outros países como forma de desqualificar e descaracterizar a classe trabalhadora do campo e fortalecer a temática capitalista ambiental que surgia.
"Em segundo, os trabalhadores rurais da base territorial do Sindicato de Xapuri (Acre), não concordam com a atual política ambiental em curso no Brasil idealizada pela candidata Marina Silva enquanto Ministra do Meio Ambiente, refém de um modelo santuarista e de grandes ONGs internacionais [grifos nossos]. (...)"
Como se percebe, há uma defasagem entre a imagem que têm de Marina os seus antigos companheiros de lutas no Acre e a do grande público do Centro-Sul do País.
Em 2012, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), uma das ONGs que integra o "Estado-Maior" do aparato ambientalista internacional, junto com o WWF, nomeou Marina como membro honorário, por sua "contribuição inspiradora para a conservação da natureza".
O ministro Aldo Rebelo não exagerava, quando se referiu às simpatias da aristocracia internacional com Marina.
Curiosamente, as duas biografias publicadas de Marina (Marina: a vida por uma causa, de Marília de Camargo César, 2010; e Marina Silva: Defending Rainforest Communities in Brazil, de Ziporah Hildebrandt, 2001, inédita no Brasil) não fazem qualquer menção a tais contatos entre a "sucessora" de Chico Mendes e as redes ambientalistas internacionais.
Em 2002, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República, o ISA articulou uma carta aberta de centenas de ONGs, sugerindo a indicação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente.
Msia