O Globo -
Marco Antonio Villa – 09/09/14
O
silêncio de Lula
Ao escolher candidatos sem consulta à direção partidária, ele
transformou o PT em instrumento de vontade pessoal
Na
história republicana brasileira, não houve político mais influente do que Luiz
Inácio Lula da Silva. Sua exitosa carreira percorreu o regime militar, passando
da distensão à abertura. Esteve presente na Campanha das Diretas. Negou apoio a
Tancredo Neves, que sepultou o regime militar, e participou, desde 1989, de
todas as campanhas presidenciais.
Quando, no
futuro, um pesquisador se debruçar sobre a história política do Brasil dos
últimos 40 anos, lá encontrará como participante mais ativo o ex-presidente
Lula. E poderá ter a difícil tarefa de explicar as razões desta presença,
seu significado histórico e de como o país perdeu lideranças políticas sem
conseguir renová-las.
Lula,
com seu estilo peculiar de fazer política, por onde passou deixou um rastro de
destruição. No sindicalismo acabou sufocando a emergência de autênticas
lideranças. Ou elas se submetiam ao seu comando ou seriam destruídas. E este
método foi utilizado contra adversários no mundo sindical e também aos que se
submeteram ao seu jugo na Central Única dos Trabalhadores. O objetivo era
impedir que florescessem lideranças independentes da sua vontade pessoal. Todos
os líderes da CUT acabaram tendo de aceitar seu comando para sobreviver no
mundo sindical, receberam prebendas e caminharam para o ocaso. Hoje não há na
CUT — e em nenhuma outra central sindical — sindicalista algum com vida
própria.
No Partido
dos Trabalhadores — e que para os padrões partidários brasileiros já tem uma
longa existência —, após três decênios, não há nenhum quadro que possa se
transformar em referência para os petistas. Todos aqueles que se opuseram ao
domínio lulista acabaram tendo de sair do partido ou se sujeitaram a meros
estafetas.
Lula
humilhou diversas lideranças históricas do PT. Quando iniciou o processo de
escolher candidatos sem nenhuma consulta à direção partidária, os chamados
“postes”, transformou o partido em instrumento da sua vontade pessoal,
imperial, absolutista. Não era um meio de renovar lideranças. Não. Era uma
estratégia de impedir que outras lideranças pudessem ter vida própria, o que,
para ele, era inadmissível.
Os “postes”
foram um fracasso administrativo. Como não lembrar Fernando Haddad, o
“prefeito suvinil”, aquele que descobriu uma nova forma de solucionar os
graves problemas de mobilidade urbana: basta pintar o asfalto que tudo estará
magicamente resolvido. Sem talento, disposição para o trabalho e conhecimento
da função, o prefeito já é um dos piores da história da cidade, rivalizando em
impopularidade com o finado Celso Pitta.
Mas o
símbolo maior do fracasso dos “postes” é a presidente Dilma Rousseff. Seu
quadriênio presidencial está entre os piores da nossa história. Não deixou
marca positiva em nenhum setor. Paralisou o país. Desmoralizou ainda mais a
gestão pública com ministros indicados por partidos da base congressual — e
aceitos por ela —, muitos deles acusados de graves irregularidades. Não
conseguiu dar viabilidade a nenhum programa governamental e desacelerou o
crescimento econômico por absoluta incompetência gerencial.
Lula
poderia ter reconhecido o erro da indicação de Dilma e lançado à sucessão um
novo quadro petista. Mas quem? Qual líder partidário de destacou nos últimos 12
anos? Qual ministro fez uma administração que pudesse servir de referência? Sem
Dilma só havia uma opção: ele próprio. Contudo, impedir a presidente de ser
novamente candidata seria admitir que a “sua” escolha tinha sido equivocada. E
o oráculo de São Bernardo do Campo não erra.
A
pobreza política brasileira deu um protagonismo a Lula que ele nunca mereceu.
Importantes líderes políticos optaram pela subserviência ou discreta
colaboração com ele, sem ter a coragem de enfrentá-lo. Seus aliados receberam
generosas compensações. Seus opositores, a maioria deles, buscaram algum tipo
de composição, evitando a todo custo o enfrentamento. Desta forma, foram
diluindo as contradições e destruindo o mundo da política.
Na campanha
presidencial de 2010, com todos os seus equívocos, 44% dos eleitores
sufragaram, no segundo turno, o candidato oposicionista. Havia possibilidade de
vencer mas a opção foi pela zona de conforto, trocando o Palácio do Planalto
pelo controle de alguns governos estaduais.
Se em 2010
Lula teve um papel central na eleição de Dilma, agora o que assistimos é uma
discreta participação, silenciosa, evitando exposição pública, contato com os
jornalistas e — principalmente — associar sua figura à da presidente.
Espertamente identificou a possibilidade de uma derrota e não deseja ser
responsabilizado. Mais ainda: em caso de fracasso, a culpa deve ser atribuída a
Dilma e, especialmente, à sua equipe econômica.
Lula já
começa a preparar o novo figurino: o do criador que, apesar de todos os
esforços, não conseguiu orientar devidamente a criatura, resistente aos seus
conselhos. A derrota de Lula será atribuída a Dilma, que, obedientemente,
aceitará a fúria do seu criador. Afinal, se não fosse ele, que papel ela teria
na política brasileira?
O PT
caminha para a derrota. Mais ainda: caminha para o ocaso. Não conseguirá
sobreviver sem estar no aparelho de Estado. Foram 12 anos se locupletando. A
derrota petista — e, mais ainda, a derrota de Lula — poderá permitir que o país
retome seu rumo. E no futuro os historiadores vão ter muito trabalho para
explicar um fato sem paralelo na nossa história: como o Brasil se submeteu
durante tantos anos à vontade pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva.
Marco
Antonio Villa é historiador