O que assusta o senador valentão?
Por Luiz Cláudio Cunha em 30/05/2011 na edição 644
O senador Fernando Collor é desbocado, imortal e fanfarrão. Em agosto de 2009 teve a coragem de assumir um papel nada higiênico sobre o veludo azul do Senado, confessando em discurso excretado nos anais que estava “obrando, obrando e obrando” na cabeça do colunista Roberto Pompeu de Toledo, da revista Veja. Um mês depois teve a audácia de transpor os umbrais da imortalidade arrebatando uma cadeira na Academia Alagoana de Letras − sem ter escrito até hoje um único livro − graças à camaradagem de 22 dos 30 intelectuais da terra. Os restantes oito imortais das Alagoas votaram corajosamente em branco. Em junho de 2010 invadiu destemido – pelo telefone − a sucursal da revistaIstoÉ em Brasília para ameaçar o repórter Hugo Marques: “Se eu lhe (sic) encontrar, vai ser para enfiar a mão na sua cara, seu filho da puta!”, arrotou o senador, com sua proverbial fineza.
Agora, Collor acaba de enfiar a mão na cara da presidente Dilma Rousseff, que ele diz apoiar. O Planalto sonhava com a aprovação pelo Senado, em 3 de maio passado, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, do projeto que libera o acesso a documentos sigilosos após 25 anos. Durante 16 anos, FHC e Lula se omitiram vergonhosamente do dever ético de fulminar o sigilo eterno que protege documentos que podem iluminar as trevas do passado. Com a hombridade que seus antecessores não tiveram, Dilma quer abrir os arquivos públicos que contam parte relevante da história brasileira.
Causa própria
Como presidente da Comissão de Relações Exteriores, Collor avocou o projeto e travou a discussão. Alegou “constrangimentos diplomáticos”, citando quatro episódios históricos como fundamento para este absurdo. O primeiro, claro, é a ditadura militar (1964-1985), onde o senador se perfila agora com nostálgicos do golpe e com a impunidade a torturadores, o que anistia nenhuma deveria agasalhar.
O segundo é o Estado Novo (1937-1945), período de arbítrio de Getúlio Vargas. O terceiro é a “Questão do Acre”(1899-1903), conflito que começou com a invasão do território boliviano por seringalistas brasileiros e terminou com a anexação pacífica de um novo estado ao Brasil, em troca de uma indenização à Bolívia e a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, onde morreram 6 mil trabalhadores.
O quarto episódio que assombra Collor é – acreditem – a Guerra do Paraguai (1864-1870), o maior conflito armado da América Latina, que produziu 370 mil mortos, dos quais 50 mil brasileiros. Tudo isso, que aconteceu há quase 150 anos, ainda é um “constrangimento diplomático”, segundo o sensível Collor.
Que constrangimento, cara-pálida? O Itamaraty, que apoia o projeto que abre os arquivos, não pode ser contrário a uma iniciativa do próprio governo Dilma. Certamente, o ex-presidente Collor não deve estar conspirando em causa própria. É sempre útil lembrar que seu tesoureiro de campanha, PC Farias, foi acusado pelo irmão, Pedro Collor, de ser o “testa-de-ferro” do então presidente em uma extensa rede de corrupção e tráfico de influência no setor público.
Mais que um livro
Se a lei de Dilma passar, eventuais documentos ultrassecretos do “Esquema PC” estariam liberados a partir de 2017. Mas é a singular condição de único presidente demitido por justa causa do poder, no processo de impeachment de 1992, que lhe dá o merecido título de imortal.
Para isso, Collor nem precisa escrever um livro. Basta o que obrou em seu fugaz governo.