“É importante que a presidente volte a fazer política. E isso não significa apenas conversar com aliados e ampliar as concessões, mas retomar os contatos com a opinião pública, limpar os canais”
O fato de Dilma ter reconduzido Antonio Palocci ao centro do governo, para mim, foi um mau sinal. Desde o anúncio da vitória nas eleições presidenciais, o mesmo Palocci exonerado por Lula, o mesmo Palocci dogmático, de rígidas posições neoliberais, o mesmo Palocci envolvido em questões ilícitas, tanto no passado como agora no presente. É verdade, como diz Nassif, que o governo Dilma está apenas começando, contudo seria importante relatar alguns fatos recentes que, na melhor das hipóteses, nos levam à perplexidade.
Para o cientista político Paulo Kliass, na Carta Maior, para quem estivesse ausente do país há duas semanas, algumas hipotéticas manchetes sobre a Previdência Social, o Código Florestal, o ministro da Casa Civil e a privatização de aeroportos seriam um sinal de grave alteração na cena política brasileira. Tipo: “Governo anuncia desoneração da folha de pagamento para Previdência Social, antiga reivindicação do patronato”, ou “Base parlamentar do governo aprova alterações no Código Florestal que favorecem o agronegócio e comprometem o futuro do meio-ambiente”, ou “Ministro da Casa Civil declara que a multiplicação de seu patrimônio por vinte vezes é lícita, pois ocorreu quando estava fora do governo”, ou ainda, “Presidente anuncia privatização dos principais aeroportos do Brasil”.
Previdência: o governo pressiona as centrais sindicais da base parlamentar para apoiar politicamente a medida, apenas com a promessa de que não haveria perdas para as futuras gerações de aposentados e pensionistas, mencionando vagamente estudos que garantem que uma eventual alíquota de 2% sobre um hipotético procedimento de cálculo do faturamento das empresas dará conta de tais necessidades. E isso significa que um modelo concebido há mais de 80 anos e operando com algumas alterações ao longo de todo esse período, vai sofrer uma mudança estrutural, como se fosse apenas uma pequena reforma no fundo do quintal. Uma mudança feita em ritmo de urgência, sem nenhum debate e apenas para agradar aos empresários que adoram reclamar dos seus altos custos, mas que não se dispõem a discutir mecanismos de distribuição dos lucros.
Código Florestal: os partidos da base do governo – incluindo uma parcela expressiva de deputados do PT – resolvem se aliar aos representantes dos setores mais conservadores do empresariado e do núcleo dirigente do agronegócio para aprovar uma das alterações mais retrógradas para a política de meio-ambiente em nosso país. Tudo isso como o resultado de um processo que começou há um bom tempo, com uma iniciativa que todos imaginavam individual, isolada, de um deputado do PCdoB, Aldo Rebelo. Há alguns meses, o ex-presidente da UNE resolveu assumir a relatoria do Projeto de Lei de alteração do Código Florestal. Com o desenrolar das negociações, ele surpreende a todos os observadores ao iniciar uma colaboração orgânica e altamente sintonizada com a senadora Katia Abreu. O projeto de lei que foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 24 de maio passado.
Caso Palocci: vem a público a informação de que o patrimônio do ministro chefe da Casa Civil foi multiplicado por vinte durante um período de quatro anos, justamente quando estava afastado do Executivo, apenas exercendo seu mandato de deputado federal. Aos poucos, novas informações não desmentidas davam conta de que aquele que deveria atuar como representante dos trabalhadores e assalariados na Câmara dos Deputados havia recebido por meio de sua empresa de consultoria quase R$ 10 milhões apenas nos dois meses entre as eleições de outubro passado e sua nomeação como ministro no início do ano. E o mais paradoxal é que as argumentações baseiam-se no histórico de personagens que ocuparam cargos semelhantes anteriormente, a grande maioria composta de empresários, poderosos lobistas e banqueiro tucanos (sic...).
Privatização dos Aeroportos: a presidente anuncia sua intenção de promover a privatização de aeroportos como Guarulhos (SP), Viracopos (SP) e Brasília (DF), alegando a urgência para cumprir o cronograma previsto para a Copa do Mundo de 2014, com a suposição implícita de que o setor privado teria condições de atender melhor a tais prazos. A Infraero, empresa pública federal, ficaria associada ao capital privado em até 49% das ações das chamadas Sociedades de Propósito Específico (SPEs) que seriam criadas para a gestão dos empreendimentos. Com isso, repete-se a velha fórmula de nosso sub-capitalismo selvagem: todo o poder de decisão e os lucros ficam com o setor privado, mas a ser eternamente socorrido pelo Estado em caso de necessidade, of course.
Tentando explicar o inexplicável, Nassif observa que “Collor e Jânio caíram não por malfeitos, bebedeiras ou quetais, mas porque enfrentaram o Congresso. Lula sobreviveu não apenas por sua liderança carismática, mas porque soube recompor a maioria parlamentar. Aliás, causa espanto que intelectuais sofisticados, como Marcos Nobre, considerem que concessões a aliados signifiquem o fim "do grande projeto político" de Dilma. Este mundo maravilhoso, em que presidentes podem governar como executivos, sem concessões, costuma habitar o imaginário de não-políticos – não de cientistas sociais.”
O fato de, no início do governo, Dilma agir no sentido de “baixar a fervura política” – sua ida ao aniversário da Folha, sua discrição ao falar pouco, sua ênfase na questão dos direitos humanos – rendeu alguns resultados positivos, mas, ainda segundo Nassif, “esvaziou o discurso político.
Mais ainda, mesmo não se iludindo quanto aos propósitos da velha mídia, caiu na armadilha de vestir a roupa de Margareth Thatcher brasileira, a dama-de-ferro que resolve todas as pendências políticas endurecendo o jogo, que coloca o objetivo técnico acima das demandas políticas. Não há veneno maior na vida de um governante do que a ilusão dos plenos poderes, de onipotência. Envenena o ambiente político. Sendo uma ficção – porque não existem plenos poderes em ambiente democrático – é uma imagem facilmente desconstruída no mundo não-político. Basta a primeira crise para trazer uma decepção diretamente proporcional à admiração gerada pela falsa idéia da onipotência.”
Para Nassif, “a vulnerabilidade de Dilma não reside em eventuais concessões ao PMDB – ainda que doa na alma de qualquer cidadão. Reside em seu isolamento político e do seu governo, algo que poderá ser corrigido daqui para frente. Ela se isolou não apenas dos aliados – a arrogância de Antônio Palocci com um vice-presidente foi sintomática -, mas também impôs uma lei do silêncio ao primeiro e segundo escalão, que acabou comprometendo o fluxo de informações e análises, inclusive os contatos em off. A grande batalha do governo Dilma ocorre na frente econômica. Se não sustentar o crescimento, dança; se deixar a inflação aumentar, dança.
Montou-se uma estratégia complexa de desarmar gradativamente a armadilha dos juros altos, em um mundo fundamentalmente instável. Mas não se comunica.” Eis a questão.
É importante que a presidente volte a fazer política. E isso não significa apenas conversar com aliados e ampliar as concessões – tudo isto ela já está fazendo até demais, conforme retro e supra citado – mas retomar os contatos com a opinião pública, limpar os canais. Naturalmente ninguém espera que Dilma vá repetir o estilo Lula – falante e grande negociador . Basta descer da torre de marfim. E explicar-se aos seus milhões de eleitores.
Não é pedir muito.
Para o cientista político Paulo Kliass, na Carta Maior, para quem estivesse ausente do país há duas semanas, algumas hipotéticas manchetes sobre a Previdência Social, o Código Florestal, o ministro da Casa Civil e a privatização de aeroportos seriam um sinal de grave alteração na cena política brasileira. Tipo: “Governo anuncia desoneração da folha de pagamento para Previdência Social, antiga reivindicação do patronato”, ou “Base parlamentar do governo aprova alterações no Código Florestal que favorecem o agronegócio e comprometem o futuro do meio-ambiente”, ou “Ministro da Casa Civil declara que a multiplicação de seu patrimônio por vinte vezes é lícita, pois ocorreu quando estava fora do governo”, ou ainda, “Presidente anuncia privatização dos principais aeroportos do Brasil”.
Previdência: o governo pressiona as centrais sindicais da base parlamentar para apoiar politicamente a medida, apenas com a promessa de que não haveria perdas para as futuras gerações de aposentados e pensionistas, mencionando vagamente estudos que garantem que uma eventual alíquota de 2% sobre um hipotético procedimento de cálculo do faturamento das empresas dará conta de tais necessidades. E isso significa que um modelo concebido há mais de 80 anos e operando com algumas alterações ao longo de todo esse período, vai sofrer uma mudança estrutural, como se fosse apenas uma pequena reforma no fundo do quintal. Uma mudança feita em ritmo de urgência, sem nenhum debate e apenas para agradar aos empresários que adoram reclamar dos seus altos custos, mas que não se dispõem a discutir mecanismos de distribuição dos lucros.
Código Florestal: os partidos da base do governo – incluindo uma parcela expressiva de deputados do PT – resolvem se aliar aos representantes dos setores mais conservadores do empresariado e do núcleo dirigente do agronegócio para aprovar uma das alterações mais retrógradas para a política de meio-ambiente em nosso país. Tudo isso como o resultado de um processo que começou há um bom tempo, com uma iniciativa que todos imaginavam individual, isolada, de um deputado do PCdoB, Aldo Rebelo. Há alguns meses, o ex-presidente da UNE resolveu assumir a relatoria do Projeto de Lei de alteração do Código Florestal. Com o desenrolar das negociações, ele surpreende a todos os observadores ao iniciar uma colaboração orgânica e altamente sintonizada com a senadora Katia Abreu. O projeto de lei que foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 24 de maio passado.
Caso Palocci: vem a público a informação de que o patrimônio do ministro chefe da Casa Civil foi multiplicado por vinte durante um período de quatro anos, justamente quando estava afastado do Executivo, apenas exercendo seu mandato de deputado federal. Aos poucos, novas informações não desmentidas davam conta de que aquele que deveria atuar como representante dos trabalhadores e assalariados na Câmara dos Deputados havia recebido por meio de sua empresa de consultoria quase R$ 10 milhões apenas nos dois meses entre as eleições de outubro passado e sua nomeação como ministro no início do ano. E o mais paradoxal é que as argumentações baseiam-se no histórico de personagens que ocuparam cargos semelhantes anteriormente, a grande maioria composta de empresários, poderosos lobistas e banqueiro tucanos (sic...).
Privatização dos Aeroportos: a presidente anuncia sua intenção de promover a privatização de aeroportos como Guarulhos (SP), Viracopos (SP) e Brasília (DF), alegando a urgência para cumprir o cronograma previsto para a Copa do Mundo de 2014, com a suposição implícita de que o setor privado teria condições de atender melhor a tais prazos. A Infraero, empresa pública federal, ficaria associada ao capital privado em até 49% das ações das chamadas Sociedades de Propósito Específico (SPEs) que seriam criadas para a gestão dos empreendimentos. Com isso, repete-se a velha fórmula de nosso sub-capitalismo selvagem: todo o poder de decisão e os lucros ficam com o setor privado, mas a ser eternamente socorrido pelo Estado em caso de necessidade, of course.
Tentando explicar o inexplicável, Nassif observa que “Collor e Jânio caíram não por malfeitos, bebedeiras ou quetais, mas porque enfrentaram o Congresso. Lula sobreviveu não apenas por sua liderança carismática, mas porque soube recompor a maioria parlamentar. Aliás, causa espanto que intelectuais sofisticados, como Marcos Nobre, considerem que concessões a aliados signifiquem o fim "do grande projeto político" de Dilma. Este mundo maravilhoso, em que presidentes podem governar como executivos, sem concessões, costuma habitar o imaginário de não-políticos – não de cientistas sociais.”
O fato de, no início do governo, Dilma agir no sentido de “baixar a fervura política” – sua ida ao aniversário da Folha, sua discrição ao falar pouco, sua ênfase na questão dos direitos humanos – rendeu alguns resultados positivos, mas, ainda segundo Nassif, “esvaziou o discurso político.
Mais ainda, mesmo não se iludindo quanto aos propósitos da velha mídia, caiu na armadilha de vestir a roupa de Margareth Thatcher brasileira, a dama-de-ferro que resolve todas as pendências políticas endurecendo o jogo, que coloca o objetivo técnico acima das demandas políticas. Não há veneno maior na vida de um governante do que a ilusão dos plenos poderes, de onipotência. Envenena o ambiente político. Sendo uma ficção – porque não existem plenos poderes em ambiente democrático – é uma imagem facilmente desconstruída no mundo não-político. Basta a primeira crise para trazer uma decepção diretamente proporcional à admiração gerada pela falsa idéia da onipotência.”
Para Nassif, “a vulnerabilidade de Dilma não reside em eventuais concessões ao PMDB – ainda que doa na alma de qualquer cidadão. Reside em seu isolamento político e do seu governo, algo que poderá ser corrigido daqui para frente. Ela se isolou não apenas dos aliados – a arrogância de Antônio Palocci com um vice-presidente foi sintomática -, mas também impôs uma lei do silêncio ao primeiro e segundo escalão, que acabou comprometendo o fluxo de informações e análises, inclusive os contatos em off. A grande batalha do governo Dilma ocorre na frente econômica. Se não sustentar o crescimento, dança; se deixar a inflação aumentar, dança.
Montou-se uma estratégia complexa de desarmar gradativamente a armadilha dos juros altos, em um mundo fundamentalmente instável. Mas não se comunica.” Eis a questão.
É importante que a presidente volte a fazer política. E isso não significa apenas conversar com aliados e ampliar as concessões – tudo isto ela já está fazendo até demais, conforme retro e supra citado – mas retomar os contatos com a opinião pública, limpar os canais. Naturalmente ninguém espera que Dilma vá repetir o estilo Lula – falante e grande negociador . Basta descer da torre de marfim. E explicar-se aos seus milhões de eleitores.
Não é pedir muito.
*A escritora paulistana Márcia Denser publicou, entre outros, Tango fantasma (1977), O animal dos motéis (1981), Exercícios para o pecado (1984), Diana caçadora (1986), A ponte das estrelas (1990), Toda prosa (2002 - Esgotado), Caim (Record, 2006), Toda prosa II - obra escolhida (Record, 2008). É traduzida na Holanda, Bulgária, Hungria, Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Argentina e Espanha (catalão e galaico-português). Dois de seus contos - "O vampiro da Alameda Casabranca" e "Hell's Angel" - foram incluídos nos Cem melhores contos brasileiros do século, organizado por Ítalo Moriconi, sendo que "Hell's Angel" está também entre os Cem melhores contos eróticos universais. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, é pesquisadora de literatura e jornalista. Foi curadora de literatura, até outubro de 2010, da Biblioteca Sérgio Milliet em São Paulo.