COMBATE DECISIVO NO ARAGUAIA – início da derrota do PCdoB
Publicado em 16 Agosto, 2012 no blog do Lício http://liciomaciel.wordpress.com/
Uma vez soldado sempre soldado |
Capítulo 4 – COMBATE COM O GRUPO MILITAR DA GUERRILHA
“A paz queremos com fervor. A guerra só nos causa dor.
Porém, se a Pátria amada. For um dia ultrajada
Lutaremos sem temor”.
Num de seus livros FAJUTOS , Elio Gaspari escreveu que o
caso ”Sônia” (a seguir, no próximo capítulo) foi o episódio mais notável da
guerrilha, distorcendo propositalmente os fatos e enaltecendo o fanatismo da
terrorista ensandecida e espumando de raiva, ódio doentio.
Mais um
erro grosseiro causado por muita má fé.
É, talvez,
o mais inusitado, por se tratar de mulher e de fanatismo fora do comum,
extremado. Mas o combate com o grupo militar da guerrilha foi muito mais
importante, muito mais sangrento, tendo desmoralizado o movimento do PC do B:
eles perderam em um único combate, quatro elementos dos mais importantes (um
deles entrincheirou-se atrás de uma árvore e conseguiu fugir em desabalada
carreira depois de cessado o tiroteio, pois estava sem arma na mão e ninguém
atirou nele), todos com cursos na China e em Cuba. O que fugiu, soubemos
depois, era o João Araguaia, desapareceu na mata. O “Velho Mário” revelou, na
ocasião em que recebeu a notícia da morte dos guerrilheiros, que um deles, o Zé
Carlos (“Zequinha”), era seu filho, André Grabois, fato que era desconhecido de
quase todos.
O combate
do dia 25 de dezembro de 1973, o chafurdo de Natal, também foi muito mais
importante que um simples combate não terminado, em que uma guerrilheira
fanática acerta dois militares.
Com o
combate contra o grupo militar da guerrilha, os bandidos ficaram desmoralizados
e, na realidade, foi o começo do fim, passando pelo chafurdo (inegavelmente o
mais importante de toda a luta) até a morte de Osvaldão.
O grupo
militar, comandado por André Grabois, filho de Maurício Grabois, era o mais
selecionado, o melhor, nas palavras do próprio Velho Mário em seu diário. Por
este motivo, fazem pouco alarde do ocorrido, dizendo que foram emboscados, que
estavam famintos, embora saibam realmente o que aconteceu, uma vez que o que
conseguiu escapar deve ter relatado o fato. Uma emboscada fica demonstrado impossível
no caso, pois numa perseguição na mata não se sabe onde eles vão passar.
Tudo se
originou no assalto ao quartel da PM de São Domingos, ao alvorecer de um
determinado dia no final de setembro ou início de outubro de 1973, pegando a
guarnição de surpresa.
A Operação
Sucuri estava terminada e as ações na mata iam ser iniciadas no dia 3 de
outubro. Aproveitando a “calmaria” na mata o grupo militar da guerrilha,
comandado por André Grabois, o “Zequinha”, destruiu uma ponte na Transamazônica
e ao alvorecer pegaram todos ainda dormindo no quartel. Incendiaram todas as
instalações, casa principal, refeitório, almoxarifado, corpo da guarda, casa da
estação de rádio, gerador, paiol, levando todo o armamento (fuzis, revólveres),
toda a munição e todo o fardamento, todo o dinheiro e material individual,
agredindo com coronhadas, torturando e humilhando os militares, inclusive
deixando todos de cueca. Uma ação audaciosa e reveladora da grande confiança
que possuíam até então. Para eles, reinava inteira calmaria na mata; para os
militares o movimento era febril: ia ter início, finalmente, a ação contra os
terroristas.
O Zé
Carlos, ou Zequinha, ou André Grabois, deixou um recado com o Tenente
comandante do destacamento: “Que ninguém ouse nos seguir, pois agora estamos
bem armados e o pau vai quebrar…”. E quebrou mesmo, mas para o lado deles,
principalmente. Deixou também um comunicado à população, assinado por “Zé
Carlos – Comandante do Destacamento A”.
O assalto
ao Quartel teve grande repercussão entre a população local, mas foi
contraproducente para os bandidos porque os moradores temiam as consequências
naturais que adviriam. Nas cidades adjacentes, também houve muita perplexidade,
receios e histórias mal contadas.
A notícia
chegou a Marabá imediatamente; era o que chamávamos “telégrafo cipó”, ninguém
sabia como e quem a trouxe. Recebi ordem para ir até lá com minha equipe,
“verificar” o que realmente houve e tomar as providências necessárias. Fomos de
viatura até a ponte destruída (incendiada), atravessamos o rio à vau pois ainda
era época seca, embora as chuvaradas repentinas já começassem.
Chegamos a
São Domingos por volta de meio-dia, sob forte calor. Pedi que os homens do
povoado viessem falar comigo, para relatarem o que aconteceu, quantos eram no
grupo de terroristas e quem o chefiava. Vieram uns vinte moradores. Informado
de tudo, expliquei a gravidade da situação e ressaltei que não podíamos deixar
de ir atrás do bando. Pedi dois mateiros voluntários para auxiliar seguir os
bandidos na mata. As mulheres ficaram de longe, só escutando e observando, mas
se aproximaram, vendo que a conversa tinha terminado. Depois de alguns minutos,
eles conversando com as mulheres, o João Pedro me trás a decisão: ninguém se apresentou
para ir, com medo das mulheres ou dos bandidos (não sei qual o maior).
Vi-me obrigado, então, a ameaçar levar todos. Não tinha
alternativa, a não ser que “escalasse dois voluntários” pelas aparências, com
risco de opção por meros agricultores de gerimum ou macaxeira. Um bom mateiro
teria que se dispor a ir e, como eu não teria garantia de sua competência na
mata, deveriam ir dois. A designação tinha de ser deles próprios, lógico.
Como é que
eles se negavam, quando os maiores interessados eram eles próprios, que tiveram
o posto policial atacado e destruído? Sem polícia para assegurar a ordem, a
área seria de ninguém. Depois de muita conversa, apresentaram-se dois mateiros
dispostos a irem conosco.
Quando nos
embrenhamos na mata fechada já pude vislumbrar toda a dificuldade que seria
aquela missão. Após duas horas de marcha, aproximadamente, paramos na beira de
um riacho.
Meu
problema era grande, pois viemos sem a equipe de apoio e só poderíamos aguentar
na mata uns dez dias, no máximo, devido ao pouco sal disponível. Com a batida
nítida na trilha, pois além de muito carregados eles iam quebrando muito
graveto, completamente confiantes, relaxados, eu sabia que só iríamos voltar
quando os encontrássemos, de qualquer maneira. Teríamos que caçar de esbarro
para sobrevivência, pois não poderíamos perder tempo procurando caça. Numa
segunda parada para descanso, a última do dia, na beira de uma nascente, chamei
os guias e expus o problema, no que eles concordaram, informando que a região
era de muita caça; marchando silenciosamente poderíamos abater muitas aves e
pequenos animais com a 22.
Os
bandidos, com a carga pesada que levavam, marchavam devagar, parando muito.
Vários
dias seguindo-lhes as pegadas, a despeito das fortes pancadas de chuva que
mascaravam as pegadas, obrigava-nos a diminuir a marcha, sabíamos que
avançávamos seguramente a cada dia, o que mais ainda aumentava a disposição de
encontrá-los, fossem quais fossem as dificuldades. No final de alguns dias, já
estávamos com muita fome, pois a ração de combate estava no fim e como tínhamos
trazido pouco sal, o churrasco de caça, geralmente mutum insosso ou jaboti
completamente sem sal, não ficava apreciável, ou melhor, já estava ficando
intragável, principalmente de manhã, como primeira refeição.
Foi quando
no alvorecer de um certo dia, antes do café, escutamos três tiros fortes de
fuzil, tão nosso familiar e a bulha feita por porcos atingidos, guinchando.
Eram eles, a menos de 500 metros, na mata. O confronto só foi acontecer cerca
das 15h00min horas. Nesse dia não comemos nada e a sede era grande, pois não
atravessamos nenhum córrego. Mas, diante do vislumbre do inevitável, nos
esquecemos de tudo.
Eles deram
os três tiros às 06h00min horas, caçando porcos monteiros, fazendo uma grande
algazarra. Enquanto progredíamos sobre eles, houve três mudanças de posição: a
inicial dos tiros nos porcos, a de preparação da caça (esfola e limpeza, quando
fizeram fogo para queimar os pelos) e a que fizeram em seguida para feitura de
dois caçuás para o transporte da carne, pois ficaram muito carregados.
Inicialmente, partimos para o local dos tiros, claro. Eles mudaram de posição e
pegaram outro rumo, sempre conversando em voz alta; mudamos o rumo também. Eles
pararam e fizeram fogo. Recomeçaram a marcha e em seguida pararam por algum
problema, sempre conversando alto. Aí, nós demos a volta e os atacamos pela
frente, na direção em que estavam marchando, pegando-os de surpresa.
Equipe em
formação de combate em linha, eu sem poder mais rastejar devido à proximidade
de um guerrilheiro, levantei-me e gritei a ordem de prisão, obtendo como
resposta um tiro dado por um deles que estava de vigia mais atrás e que não
tinha sido visto. O revide foi inevitável, imediato. Mero suicídio.
O tiroteio
foi intenso e prolongado; quem se mexia tomava bala.
Terminado
o tiroteio, silêncio na mata, estavam mortos: “Zé Carlos” (André Grabois),
“Alfredo” (Antônio Alfredo Lima), e “Zebão” (João Gualberto Calatroni), todos
identificados pelo único sobrevivente, o “Nunes” (Divino Ferreira de Souza),
que estava muito ferido, com um projétil que lhe atravessou o corpo
transversalmente, entrando no quadril de um lado e saindo na axila do outro
lado, quase lhe arrancando o braço. Mas foi ele quem deu os nomes dos mortos e
a importância do grupo, embora falando com muita dificuldade. À noite, mal
podia falar. O que conseguiu fugir era o “João Araguaia” (Demerval da Silva
Pereira).
Do nosso
lado, um soldado com ferimento na perna, julgado a princípio que tinha sido
atingida a femoral e outro soldado com distúrbio psicológico (vomitando
seguidamente e aparvalhado, parecendo estar sonâmbulo).
Conforme
combinado via rádio, os mortos e feridos e todo o material deveriam ser
transportados para o sítio da Oneide e entregues ao pessoal do PIC (Pelotão de
Investigações Criminais) para a devida identificação.
O local do
combate não era identificado nas cartas e as árvores eram muito altas de modo
que o helicóptero não podia baixar.
No dia
seguinte, bem cedo, iniciamos a marcha. Foram 6 horas através mata,
extremamente difícil, com os cadáveres, feridos e carga sendo transportados em
muares que estavam abandonados pelos moradores, e que foram trazidos pelos
guias. A munição de fuzil foi destruída, jogada num buraco na mata. Os
cadáveres, expelindo sangue e soro, ao passarem na folhagem faziam o retorno
dos galhos na nossa cara, de modo que chegamos ao sítio da Oneida completamente
impregnados, emporcalhados. Além disso, havia um ferido gravemente (o Nunes); o
soldado ferido podia andar, mancando, apoiado numa muleta improvisada de pau
com forquilha. Foi, realmente, uma dura missão. Começamos a marcha ao raiar do
dia e chegamos ao sítio da Oneida com os helicópteros já pousando, ao meio-dia,
como fora combinado via rádio. Tinham que ser identificados todos eles, claro.
O pessoal do PIC ficou com um helicóptero e voltamos no outro, levando o Nunes,
para os primeiros socorros em Marabá. Devido à gravidade dos ferimentos,
ninguém acreditava que ele se recuperasse. Dias depois, soube que ele morreu.
Dizem os
comunas, que o mataram na Casa Azul. Quando Pedro Albuquerque tentou o suicídio
na prisão em Fortaleza, se tivesse morrido, estariam dizendo a mesma coisa.
Caso o Nunes não tivesse morrido, teria ficado aleijado, pois o projétil
destruiu a articulação do braço com o ombro.
Dessa
maneira, estava destruído o grupo militar da guerrilha, o mais importante
deles.
Numa
reportagem na imprensa, um mateiro afirmou que a tropa do Exército já chegava atirando.
Primeiro,
os mateiros iam ficando para a retaguarda na iminência do confronto. Ficavam
quietinhos lá atrás até o cessar fogo.
Segundo,
como os bandidos estavam fardados, tendo o Zé Carlos o gorro de 2º Ten da PM do
Pará na cabeça (caqui com estrela vermelha), teria obrigatoriamente de ser dada
a voz de prisão para certeza de quem se tratava, invariavelmente.
Terceiro,
na área agiam vários grupos de combate, principalmente em reconhecimento, o que
tornava imperiosa a identificação para não haver acidente entre tropas amigas.
Jamais poderia haver precipitação no encontro na mata. E nunca houve, que eu
saiba.
Se a
intenção fosse realmente acabar com eles, de qualquer maneira, o João Araguaia
não teria sido poupado; estava sem arma na mão e ninguém atirou nele.
O mais
gritante de tudo, que anula a versão de já chegarmos atirando, é que seria
muito mais fácil levar prisioneiros marchando algemados pela mata do que
transportar cadáveres em lombo de muares, exsudando continuamente na nossa
cara, pois íamos tocando os muares.
Dificilmente o local dos combates, em mata fechada, permitia o pouso de
helicóptero. Inclusive, eles continuariam carregando as próprias cargas que
roubaram. As informações que poderiam fornecer também eram de suma importância
e foram perdidas, uma vez que o sobrevivente, o “Nunes”, muito ferido, não
estava em condições de falar na manhã seguinte. Ele apenas deu, logo cessado o
tiroteio, o nome de cada um componente e da importância do grupo, ainda com
sangue quente, logo terminado o combate. Sofreu muito durante a noite e no
caminho tendo chegado muito mal no sítio da Oneide, onde foi medicado
sumariamente.
Tanto no
caso da descoberta do local da guerrilha, como em todos os demais, era dada a
voz de prisão. Os três elementos avistados (dois homens sem camisa e uma velha)
no final da trilha de Pará da Lama, e que escaparam fugindo para a mata, podiam
ter sido alvejados facilmente, tal a proximidade a que chegamos, uns 80 metros.
De FAL, era tiro e queda.
O mesmo
poderia ter sido feito com o “Geraldo”, que inclusive tentou fugir e poderia
ter sido atingido facilmente.
O Pedro
Albuquerque está vivo, em Fortaleza, CE, turisticando constantemente ao Canadá
(como é bom ser comunista…).
O caso da
”Sônia” (a seguir), demonstra de maneira insofismável este procedimento das
patrulhas, uma vez que ela poderia ter sido alvejada mortalmente ao tentar
puxar a arma, mas foi preferido deixá-la ferida, após três ordens seguidas de três
advertências sucessivas.
No meu
entender, esta era a hora do “Velho Mário” desencadear a retirada, a única ação
lógica que lhe restava. Principalmente em respeito aos seus comandados. Depois,
repetiu o erro quando a “Sônia” caiu. Aquela decantada “vitória” no caso
”Sônia”, na qual “vibrou” e elogiou o fanatismo da pobre e infeliz companheira,
na realidade selou a sua derrota e morte; ele não o teve a capacidade de
reconhecer o grande erro de avaliação, isto é, cantou uma vitória totalmente impossível
antes de tempo. Esqueceu uma regra básica: nunca entrar numa guerra sem um
plano de retirada; jamais entrar numa guerra sem saber como sair dela.
O
jornalista Luiz Maklouf Carvalho, durante entrevista comigo, mostrou uma
reportagem publicada em um jornal antigo, em que um morador, conhecido como
“Vanú” (Manoel Leal Lima), de São Domingos, Transamazônica, declarou que foi
guia do Exército no combate em que morreu o “Zé Carlos” (André Grabois). Não o
reconheci na foto nem me lembrei dele como mateiro. Nas declarações de “Vanú”,
dentre as feitas evidentemente como objetivo de agradar o interlocutor tendencioso,
além de muita imaginação, ele acertou alguns detalhes que, julguei, ele tivesse
ouvido de Luiz Garimpeiro e Antônio Pavão, seus vizinhos em São Domingos e que
foram os mateiros que mais serviram à minha equipe. Mas, assim mesmo, resolvi
consultar o Cid por e-mail. Eis a resposta:
“… Mas, vamos ao que interessa: no caso do “Vanú”, era
baixinho, uns 35 a 40 anos, não sei bem, acho que na mata as pessoas aparentam
maioridade. Mas lembro de que atuou em uma de nossas últimas missões, me ficou
na lembrança devido ao fato de que atuou muitos dias reclamando de um problema
no joelho, e que o atrapalhava no andar. Não sei por que ele foi escolhido,
estando naquela situação para andar. Quanto ao “Vanú” dizer que eu mandei
enterrar corpos, é uma grande mentira, mesmo porque uma coisa que jamais passou
peladinha cabeça foi a de despreocupar com os corpos do inimigo. Sempre achei
que era problema deles, tanto que já escrevi diversas vezes sobre isso e
declarei que se fosse para enterrar o inimigo o Exército teria levado um Pelotão
de Sapa, o que não fez. Nossos mortos estão bem enterrados e lembrados com
respeito e carinho, o deles era problema deles, se não os recuperaram, com
certeza alguma onça o fez”.
Jamais eu
levaria para a mata alguém estropiado, nem militar nem civil, mormente o
mateiro, pois andávamos o dia inteiro, dia após dia, como cantiga de grilo… Ainda
mais numa missão prolongada, em que teríamos de andar muitos dias na mata, e
reconhecidamente perigosa pelo número de guerrilheiros que informaram compor o
grupo, agora já bem armados de fuzil e com muita munição.
“Vanú”
pode ter sido mateiro daquela missão, o que não foi confirmado pelo Cid, por
sinal uma das mais difíceis missões dentre todas, mas, pelas mentiras que
disse, perdeu a credibilidade. De tudo que declarou, só acertou Cid e Adulpro
(que muito bem pode ser Asdrúbal); muito pouco proporcionalmente ao que errou.
No meu entendimento, acho que ele deve ter ouvido as conversas dos dois guias,
que, aliás, eram da mesma vila de São Domingos.
Mentiu muito. Só poderei confirmar que um dos guias era o Vanu depois de
conversar com ele. Fica tranqüilo, Vanu, que da próxima o Adulpro se lembrará
de você.
Nenhum comentário:
Postar um comentário