MARIA LUCIA VICTOR BARBOSA
20/08/2008
Em poucas palavras Jean-François Revel, no prefácio da magistral obra de Carlos Rangel, Do Bom Selvagem ao Bom Revolucionário, mostrou a trajetória de séculos da América Latina: “A história da América Latina prolonga a contradição que lhe deu origem. Oscila entre as falsas revoluções e as ditaduras anárquicas, a corrupção e a miséria, a ineficácia e o nacionalismo exacerbado”.
Sem dúvida, essa apropriada análise feita por Revel, em 1976, não se alterou em essência. E é uma realidade da qual o Brasil, com algumas nuanças e diferenças, também faz parte.
Essa história de fracassos e frustrações é confrontada com uma humilhação adicional: o êxito quase indecente para os latino-americanos, dos Estados Unidos. Acrescente-se que a incapacidade para construir Estados democráticos modernos e economias prósperas conduziu a América Latina à tendências revolucionárias, muitas de cunho esquerdista e capitaneadas por lideranças populistas, que trouxeram a seus países mais fracasso e miséria.
Para citar alguns exemplos lembremo-nos da revolução mexicana de 1911, do socialismo peruano de 1969-1974, do justicialismo peronista que arruinou a então próspera Argentina e a mais marcante de todas: a revolução cubana que destruiu a economia da Ilha e a manteve sob o totalitarismo implacável de Fidel Castro. Este, porém, se tornou o símbolo da desforra contra os Estados Unidos e, apesar das atrocidades que cometeu contra os que ousaram contestar seus métodos soviéticos, encarnou o mito do “bom revolucionário”, a figura que encanta o imaginário coletivo latino-americano, ou seja, uma espécie de D. Quixote do comunismo de terceiro-mundo, enquanto o sanguinário e psicopata Che Guevara é até hoje louvado como um Cristo laico.
Fidel foi e é a desforra contra o sucesso insuportável dos Estados Unidos. Por isso, yes, orgulhosamente somos todos de esquerda, o que inclui o glorioso governo petista. O maldito império norte-americano só serve para fazermos cursos, turismo, tratamento de saúde, compras. Milhões de brasileiros se evadem para lá viver, trabalhar, ganhar em dólar, esse excremento do diabo. Mas não sabemos o porquê disto já que o Brasil de hoje, sob o governo de Lula da Silva, se converteu num paraíso onde o trabalho é abundante, só existem classes alta e média e a Saúde e a Educação são exemplos magníficos para o mundo.
No momento a grande sensação é a Olimpíada de Pequim. Afinal, a China encarna um império de esquerda. A bem da verdade a China é capitalista na economia e comunista na política, modelo sonhado para nós pelo ex-revolucionário teórico, ex-ministro, ex-deputado e ainda todo-poderoso das sombras, José Dirceu. Quem sabe chegamos lá no terceiro mandado.
Portanto, não importa se a China viola direitos humanos com sua tradicional crueldade. Também não interessa se a China, com milhares de execuções por ano, é responsável por mais da metade das execuções que ocorrem em todo planeta, se deixa bebês do sexo feminino morrendo nas sarjetas, se tortura crianças desde bem pequenas para que se tornem os atletas perfeitos das Olimpíadas com um falso sorriso afivelado no rosto.
O trajeto da tocha olímpica pelo mundo foi marcado por protestos, especialmente com relação ao Tibete, o que para brasileiros deve ter soado como algo desconhecido ou sem interesse. Será que algum compatriota se perguntou diante da repressão chinesa aos protestos em prol do Tibete, pelo menos porque diabos aquilo estava acontecendo?
Poucos no Brasil devem saber que no Tibete o genocídio perpetrado pelos chineses foi marcado por requintes de atrocidade sinistra e as mortes violentas atingiram uma proporção mais numerosa do que em qualquer outro território do conjunto chinês. Segundo o Dalai-Lama, “os tibetanos não foram apenas fuzilados, foram espancados até a morte, crucificados, queimados vivos, afogados, mutilados, mortos por inanição, estrangulados, enforcados, cozidos em água fervente, enterrados vivos, esquartejados ou decapitados” (O Livro Negro do Comunismo). Também, centenas de milhares de tibetanos tornaram-se prisioneiros em campos de concentração e mais de 170.000 morreram no cativeiro. Além disto, houve o genocídio cultural com a destruição de templos e de seus manuscritos seculares, afrescos, estátuas, relíquias, tudo destroçados pela brutalidade chinesa.
Os protestos havidos durante a passagem da tocha, que no Brasil não veio, tentaram relembrar ao mundo esses horrores e os infelizes tibetanos que ainda vivem subjugados no seu país de neve e de deuses. Isto, porém, não nos interessa porque, yes, nós somos de esquerda. Sem medo de ser felizes fomos à Pequim e reeditamos nos jogos nossos fracassos e frustrações históricos expressos nos pífios resultados obtidos.
Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
mlucia@sercomtel.com.br