Carta manuscrita por minha mulher, como introdução de um álbum organizado por ela para nossas filhas Patrícia e Renata.
Patrícia e Renata
Este álbum é de caráter particular, exclusivamente para vocês, nossas queridas filhas. Nele pretendo, através de pesquisas, procurar saber o nome das organizações subversivo-terroristas que atuaram na época, de outubro de 1970 a dezembro de 1973, período em que o pai de vocês comandou o DOI/CODI de São Paulo. Os atos de terror destas organizações, como assassinatos de pessoas inocentes, atentados a bombas, assaltos a bancos, a quartéis, seqüestros, depredações e todo tipo de terror daquela época. Pretendo mostrar-lhes, se conseguir, com pesquisas em jornais, o caos que se tentava implantar no Brasil. Tentarei saber o que cada organização terrorista fez, os atos que praticou e a guerrilha urbana e rural que se implantou no país.
Estes terroristas obrigaram as Forças Armadas a se lançarem às ruas e aos campos, contra o inimigo desconhecido que se escondia na clandestinidade.
Os militares, para evitar danos maiores a inocentes, lutavam contra o tempo e o desconhecido. Eles, terroristas, lutavam contra o claro, o conhecido.
Deste combate participou o pai de vocês e lutou com honradez, honestidade e dentro dos princípios de um homem bom, puro e honesto, assim como muitos outros. Só quem passou pelo martírio de ter entes queridos envolvidos em uma luta que não iniciaram, nem procuraram mas que apenas cumpriram com seu dever, manter a ordem no país, pode saber, como eu, os momentos de medo, incerteza, terror que uma família passa. Só estas podem compreender a dor e o desespero de uma mãe e de uma esposa. Telefonemas anônimos, perseguições, ameaças, morte de amigos em combate, a dor dos entes queridos que, como nós, não tiveram a sorte de conservar com vida aqueles que amavam.
Sei e lamento que outras pessoas também passaram pelos mesmos sofrimentos de perder entes queridos, mas estes entes queridos, fanatizados, terroristas, começaram a guerrilha e os atos de terror. Houve a guerra, e em uma guerra há mortos e feridos de ambos os lados, mas os militares não a queriam nem a iniciaram. Eles foram e são preparados para defender o Território Nacional. Foram chamados a agir e acabaram com o terrorismo no Brasil.
O terror era tanto que quando tu, Patrícia, foste para o Jardim de lnfância, eu passei todo o ano, no horário escolar, dentro do carro, na porta do colégio, pois não tinha condições psicológicas de ir para casa. Recebíamos ameacas de morte, de seqüestro e todo tipo de guerra de nervos. Tive amigos mortos e feridos em combate!
Assim mesmo, nos "porões da tortura", como eles chamam, onde "se ouviam gritos e se mostravam presos mortos à pauladas" como eles dizem, participei e tu também, Patrícia, ainda que pequenina (3 anos) de uma pequena "obra assistencial" a algumas presas, mais ou menos seis, uma inclusive grávida. Íamos quase todos os dias. Tu brincavas com algumas enquanto eu, com outras, ensinava trabalhos manuais como tricô, crochê e tapeçaria. Passeávamos ao sol, conversávamos (jamais sobre política), levava tortas para o lanche feitas pela minha empregada. Enfim, as acompanhávamos.
Fizemos sapatinhos, casaquinhos, mantinhas para o bebê e com uma lista feita no DOI pelo "torturador" Ustra compramos um presente para o bebê. Ele nasceu no Hospital das Clínicas, se não me engano em outubro de 1973 ou 1972 (verificarei depois), tendo o "centro de torturas" mandado flores à mãe, e eu e tu, Patrícia, fomos vistá-los. Era um homenzinho lindo e forte.
Minhas filhas, os aniversários delas eram sempre comemorados com bolos e festinhas. Os Natais e Anos Novos jamais passamos em casa, durante os quatro anos que o pai de vocês comandou o DOI, sempre foram passados lá (o pai, eu e tu, Patrícia, Renata não era nascida). Tu, Patrícia, às vezes a pedido das presas, ficavas sozinha com elas. Daí o artigo que pode ser encontrado neste álbum "Brinquedo Macrabro" do jornalista Moacyr O. Filho, que diz que teu pai te deixava com as presas que acabavam de ser torturadas. Se fossem torturadas, como ele diz, como podiam ter bom relacionamento com os integrantes do órgão e como podiam aceitar, e não só aceitar, mas reclamar a nossa presença, quando por algum motivo, falhávamos um dia?
Pena que não tivessem os integrantes do órgão, a malícia dos terroristas!... Porque, se tivessem, fotografariam ou filmariam tudo, e casos como Bete Mendes (que não tive o desprazer de conhecer, enquanto presa) seriam comprovados como mentirosos.
Sinto o nome de uma família inteira: pais, mães, sogros, irmãos, mulher e filhas, enxovalhados, e como o militar não pode e não deve, por regulamento disciplinar do Exército, se defender, tomo eu, exclusivamente eu, a iniciativa de deixar para vocês, nossas filhas, este álbum, de caráter particular, com tudo que puder vir a reunir, além do Livro de Alteracões do pai de vocês, condecorações por arriscar a vida, elogios, para que, como eu, se orgulhem, acima de tudo, de se chamarem BRILHANTE USTRA. Um nome, cujo único erro cometido, foi cumprir com seu dever e, principalmente, cumprir bem: com honra, com dignidade e humanidade, lutando sempre para evitar males maiores do que os que se passavam no momento.
Compartilho a dor dos pais, mães, parentes, enfim, dos que por infelicidade perderam seus entes queridos, fanatizados por ideais que não me compete julgar, e que não deviam ter usado a violência para tentar consegui-los, mas não posso deixar de me revoltar contra as calúnias jogadas sobre um homem bom, como o pai de vocês.
Beijos
Maria Joseíta S. Brilhante Ustra-
Este álbum, com recortes de jornais e pesquisas, deu origem ao primeiro livro do coronel Ustra, Rompendo o Silêncio, editado em 1987.
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