Translate

domingo, 24 de dezembro de 2006

Res loquentur nobis tacentibus

Por Maria Helena Rubinato de Souza
Res loquentur nobis tacentibus (Sêneca, De Beneficiis 2.11.6). (Os fatos falarão, mesmo que fiquemos calados)
Desde o dia em que o deputado Inocêncio de Oliveira deitou latim para comemorar o agrado que a Mesa da Câmara fazia aos seus, bradando “Habemus aumento!”, não me sai da cabeça o presente que recebi do Antonio Romane, amigo virtual que devo ao Blog do Noblat. O Romane, que sabe tudo sobre palavras, me forneceu o endereço de uma verdadeira Caverna do Ali Babá em matéria de provérbios e citações em várias línguas. Inclusive latim. Daí tirei o título que uso hoje, para comemorar com vocês a volta do parafuso: a prova inconteste que, ao contrário do que certas autoridades andaram comemorando, a opinião pública é forte e não desapareceu sob os escombros políticos dos últimos anos. As notícias correm, se espalham, permeiam a sociedade, naquilo que os americanos chamam de ‘grapevine’, gíria para comunicação boca a boca, rumores que se propagam com o vento. O maior formador de opinião é o próprio povo e disso se esqueceram nossas autoridades. Quem gosta de História há de se lembrar de uma época gloriosa da História de Portugal: o período da Ínclita Geração, como ficou conhecida a geração dos filhos do rei dom João I e da rainha Felipa de Lencastre, fundadores da Dinastia de Avis. Seis filhos, todos Príncipes Perfeitos, entre os quais o extraordinário Henrique, o Navegador. Pois bem, por um desses acasos do destino, quiseram os céus que em Brasília houvesse, neste momento, um Príncipe da Igreja por nome Dom João Braz de Avis que, na Missa de Natal rezada dentro do Congresso Nacional, disse em seu sermão: “Como aceitar que um parlamentar brasileiro receba mais de R$ 800 por dia, quando boa parte das pessoas que representa é obrigada a viver com R$ 12 por dia? Como aceitar que o poder Judiciário legisle em alguns casos a seu favor sem demonstrar sensibilidade para o povo para o qual as leis são feitas e interpretadas? Atitudes como as que temos visto nestes dias matam o espírito de Natal”. Os brasileiros, mais uma vez, agradecem à Casa de Avis. Não creio que haja muito mais a dizer a respeito dessa imoral tentativa de aumento escorchante que o Congresso quis se conceder. Fica aquela sensação amarga: só o PSOL foi imediatamente contra, essa é que é a verdade! Contudo, ainda bem que outros acordaram a tempo e se rebelaram contra esse ato indigno. Agora, é esperar que eles, ao adiarem a decisão, obrigados pelo clamor da opinião pública, não estejam contando com nossa pouca memória. Não vamos nos esquecer. Ainda um lembrete: comparar os subsídios – elegante eufemismo para salários – dos juízes do STF com os do Congresso, só pode ser mais uma tentativa de fazer do cargo de deputado e senador, uma carreira. Não é. São ocupações transitórias, que dependem do voto do eleitor e independem, infelizmente, de qualquer graduação ou conhecimentos. Já os juízes trazem consigo anos de estudo, investem muito em suas carreiras e, além de serem em número reduzido, não podem servir 8 anos e se aposentar com pensões baseadas em encantadores subsídios que receberam por tão pouco tempo. A opinião pública, que nada mais é do que a opinião que a sociedade forma a respeito dos mais variados assuntos, está começando a sair da letargia em que ficou. Um de nossos maiores formadores de opinião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, gigante dos palanques e dos microfones, se esqueceu de um dado vital: qualquer descuido pode ser fatal, quando se está lidando com multidões. O Congresso Nacional, ao absolver seus mensaleiros e sanguessugas, também desprezou a tal da opinião pública. Pior, deu-a por morta! Pois sim! Ledo engano. Nossa sociedade vem agüentando poucas e boas em nome da opinião formada justamente ao ouvir o operário, o sindicalista, o candidato e presidente Lula. Descobrir que se enganou, é doloroso. Continua preferindo achar que outros erraram, menos ela. Mas, tomem cuidado, ela começa a acordar. Volto à atitude feia do deputado Inocêncio, aliás nome papal. Quem mandou ele misturar a eleição de um papa com aquele ato obsceno da Mesa da Câmara? Pois saiba o deputado que Nuntio vobis gaudium maximum: habemus vox populi! E ele que corra atrás da tradução.

Fonte: Blog do Noblat e DiegoCasagrandeRecomenda

Recomendamos a leitura diária de ambos Colunistas
JCNascimento