Pelo andar da carruagem, o cavalo que não trotar na cadência determinada nas cocheiras palacianas corre o risco de dormir ao relento, sem direito a baia e muito menos a ração. Na ótica truncada do atual governo, aqueles que porventura não comungarem plenamente com a visão reinante nas hostes oficiais incorrem em falta grave e devem se recolher para um retiro destinado a “auto-reflexão”.
É com perplexidade e indignação que assistimos as recentes demonstrações de intolerância protagonizadas por militantes do Partido dos Trabalhadores no retorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à capital federal, logo após ser declarado vitorioso no segundo turno das eleições presidenciais. Representantes da imprensa foram achincalhados e constrangidos em pleno exercício de sua profissão ao cobrirem um acontecimento de ostensivo cunho jornalístico, afinal era o presidente da República que, reeleito, regressava a Brasília.
Na seqüência de posturas inadmissíveis, jornalistas de uma importante revista semanal foram intimados a prestar depoimento na Polícia Federal, cujo mote abrigava desde a produção de matérias regulares produzidas por esses profissionais assim como suas possíveis ligações e contatos com integrantes da instituição.
Nesse contexto, os que deveriam urgentemente iniciar uma exaustiva reflexão são os membros do governo federal, afinal a liberdade de imprensa é um dos pilares da democracia e não pode sofrer limitação de qualquer natureza.
A legitimidade conferida pelas urnas não autoriza ou chancela o arbítrio, nem tampouco pode ser utilizada como sentença absolutória. A eleição e a investidura de mandato popular não transformam, num passe de mágica – como desejam alguns –, em improcedente a pretensão punitiva. O julgamento é tarefa do Poder Judiciário, portanto os delitos que estão sendo apurados correm pelas varas e tribunais competentes.
O Brasil acaba de ratificar o seu compromisso irrevogável com a democracia e a vigência do Estado democrático de Direito. Esses lamentáveis episódios merecem ser passados a limpo com todo rigor, sob pena de estarmos permitindo que um período sombrio da história do País seja revivido.
A propósito, o governo do presidente Lula não pode se queixar dos meios de comunicação. Ele próprio reconheceu e atribuiu à imprensa papel relevante na sua trajetória política.
No que se refere à postura da oposição ao longo da gestão do presidente Lula, é importante destacar que, em nenhum momento, foi reproduzido o comportamento dos parlamentares petistas no trato das questões de interesse nacional. Apenas para citar dois momentos emblemáticos: o PT votou contra o Plano Real – leia-se o fator de estabilização verdadeiramente responsável pelo fim da inflação no Brasil – e ainda direcionou suas baterias contra a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Foi essa, via de regra, a posição adotada pela referida legenda durante as votações no Congresso Nacional ao longo do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. O compromisso com a nação e a governabilidade sempre estiveram a reboque do oportunismo de ocasião.
Prosseguiremos, em consonância com as regras do regime democrático, exercendo o legítimo direito de praticar uma oposição rigorosamente responsável e, acima de tudo, propositiva.
O que se evidencia na cristalização de atitudes seriadas tanto da parte do Partido dos Trabalhadores como de alguns setores do governo é a quimera que possibilitaria implantar a unanimidade através de decreto. É um cenário idealizado no qual a platéia só pode se manifestar em ruidosos aplausos. Qualquer gesto contrário às decisões emanadas dos detentores do poder é qualificado como impertinência. Na verdade, o que não estiver situado entre os vetores da glorificação e da submissão soa como dissonante para eles. Definitivamente a intolerância não pode grassar sob o patrocínio governamental.
Senador Alvaro Dias, líder da Oposição e vice-presidente nacional do PSDB
sexta-feira, 03 de novembro de 2006