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sábado, 6 de maio de 2006

Chantagem política

Brasília, 29/04/2006 -

O artigo "Chantagem política" é de autoria do ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Reginaldo Oscar de Castro e foi publicado hoje (29) no jornal Correio Braziliense:

"A crise institucional coloca em cena mais um ingrediente antidemocrático, desta vez por meio do presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Felício: a chantagem política. Informado de que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) examinará, dia 8 de maio, em Brasília, a viabilidade de pedido de impeachment do presidente da República, saiu-se com uma ameaça: se a OAB optar pelo encaminhamento, haverá retaliação, envolvendo outras entidades ligadas a movimentos sociais.Citou especificamente o Movimento dos Sem Terra (MST), a União Nacional dos Estudantes (UNE), além de partidos de esquerda — PT, PC do B e PSB. E fez questão de mencionar o poderio das entidades que citou: “Só a CUT tem 3.300 sindicatos filiados. Temos uma base de associados de 7,2 milhões de trabalhadores”, disse ele.O recado é simples: “Se algum tresloucado do neoliberalismo avançar nessa direção (do impeachment), nós vamos reagir”. A reação consiste em repetir aqui o procedimento do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, há dois anos: colocar milhares de sindicalistas, estudantes e desempregados nas ruas, em atitude hostil às classes média e alta, pondo em risco a paz pública.Em suma, a mobilização dividiria ao meio a sociedade brasileira, abrindo uma porta para o imponderável. Na Venezuela, país socialmente bem menos complexo que o nosso, o resultado desse tipo de ação é conhecido: a sociedade dividiu-se, o ambiente político radicalizou-se e a economia do país, mesmo tendo o petróleo como poderoso lastro, fragilizou-se enormemente.Ninguém quer tal quadro transposto para cá. Já temos problemas demais. O inaceitável, no entanto, é que se faça dos movimentos sociais instrumento de chantagem política. É simplesmente imoral. Mais ainda quando se tenta impingir a uma entidade como a OAB, com densa folha de serviços ao país — e em especial aos movimentos sociais —, a pecha de “tresloucada” e “elitista”. Para ficar apenas na gestão em que presidi a OAB, entre 1999 e 2001, recordo que em diversas oportunidades cerramos fileiras ao lado da CUT e do MST, em defesa de direitos sociais, em confronto direto com o poder público, que resistia a reivindicações legítimas — entre as quais, a reforma agrária.O próprio João Felício, autor das declarações infelizes, há de recordar de nossos contatos e conversações em momentos tensos do governo FHC. Se há uma coisa de que a Ordem não pode ser acusada é a de estar ou ter ficado na contramão de reivindicações sociais, mesmo em momentos, como na ditadura militar, em que a simples enunciação desse termo gerava represálias duríssimas do poder público. Nossa história, que se confunde com a da República, está aí para quem quiser conhecê-la. É história de luta, de afirmações, de resistência ao arbítrio e à truculência, de defesa de ampliação de direitos sociais. A OAB preza — e muito — sua biografia e seus heróis.A crise política que aí está não foi criada pela Ordem, nem lhe cabe resolvê-la. Nossa instituição, por dever estatutário, decorrente da Lei Federal 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), está comprometida, entre outras coisas, com a defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito e do aperfeiçoamento das instituições jurídicas. Daí sua inserção eventual na cena política, sem, no entanto, qualquer contágio político-partidário ou ideológico.É a sociedade civil que nos convoca. E tanto agora como no passado agiremos com boa-fé, determinação e transparência. Não admitiremos chantagem política, intimidação ou qualquer outro recurso que iniba a livre manifestação democrática. Lamento mais uma vez que tal declaração tenha sido proferida por uma liderança como João Felício. Penso que o fez com emoção partidária.O Conselho Federal da OAB, composto por 81 membros — três representantes por estado da Federação —, é entidade plural. Expressa a diversidade da sociedade brasileira. E é essa diversidade que dirá, soberanamente, se cabe ou não propor o impedimento do presidente da República. O exame é mais que um direito: é dever cívico. E nada inibirá a livre manifestação do Conselho: nem a pressão dos que querem, nem a dos que não querem. É legítimo que cada lado se manifeste e procure convencer a sociedade de seu ponto de vista. Mas é ilegítimo — repugnante e antidemocrático — que se queira fazê-lo à base de intimidação e chantagem política. O tiro pode sair pela culatra.

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