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domingo, 20 de maio de 2012

"Comissão antolhada do lado direito. puxa para esquerda


A Comissão dos comunistas inconformados com a quarta derrota  em 64


Por dentro da ovelha "democrática" tem a espreita um lobo comunista" JN



Folha de São Paulo - 19/05/2012
Corretor teve a perna amputada em atentado contra consulado americano
Sonho de trabalhar como piloto de aviões teve que ser abortado; ele já ganha R$ 700 por mês como indenização
DA ENVIADA A SANTOS
Em 19 de março de 1968, a ALN (Ação Libertadora Nacional), dissidência armada do Partido Comunista Brasileiro, que lutava contra o regime militar, colocou uma bomba na entrada do estacionamento do Conjunto Nacional, em plena avenida Paulista (centro de São Paulo).
Texto completo
Orlando Lovecchio Filho, então com 22 anos, que não era nem americano, nem um gorila da repressão, mas um cara "apolítico, que curtia iê-iê-iê, carros e aviões", como se define, perdeu parte da perna esquerda.
"Meu consolo foi pensar no Roberto Carlos", ele revela.
Criado em Santos, Lovecchio tinha acabado de aterrissar em São Paulo. O pai o mandara para a capital a fim de cuidar dos negócios da família, que lidava com navegação marítima.
Ele arrumou um apartamento perto da Paulista. Como o prédio não tinha estacionamento para o possante automóvel DKW -"todo preparado no departamento de competição da fábrica"-, Lovecchio alugou uma vaga no Conjunto Nacional, então endereço do Consulado Americano em São Paulo.
Era 1h30 do dia 19, avenida vazia, lojas fechadas, consulado idem, quando o DKW desceu a rampa do estacionamento. Lovecchio estava com um primo e um amigo de Santos, que o visitavam.
Um cano tampado com papel kraft. Saída do prédio. Fumacinha. Acabam aí as lembranças. Lovecchio não ouviu nada, não viu clarão.
Quando acordou, estava deitado no chão, cercado por pessoas perguntando-lhe isso e aquilo. Achou estranho que a sola do sapato estivesse "olhando" para ele.
Os jovens foram os primeiros suspeitos do atentado. Nos jornais dos dias seguintes, a polícia avisava: a explosão podia ser um"acidente de trabalho". Os três do DKW entraram na mira da Polícia do Exército e do Dops.
Internado no Hospital das Clínicas, Lovecchio lutou para controlar a infecção na perna dilacerada. Os pais dele recusavam-se a aceitar a hipótese de amputação. "Mas já estava gangrenando."
Lovecchio lembra-se: "Eu frequentava quase todo domingo o programa da Jovem Guarda. E o cara mais importante da Jovem Guarda, o Roberto Carlos, era amputado. Ele era uma pessoa querida, amada mesmo. E sofreu o mesmo tipo de amputação que eu teria de fazer."
Segundo Lovecchio, foi dele a autorização: "Amputa essa perna e acabou."
Lovecchio tinha brevê para pilotar pequenos aviões, mas estudava para comandar aeronaves maiores.
"Quando eu perdi a perna, perdi o sonho junto. Porque a pilotagem de um avião de grande porte exige movimentos das pernas e dos pés. Na ponta dos pés, controla-se o leme. Nos calcanhares, controlam-se os freios", diz.
Foi só em 1992 que, enfim, Lovecchio descobriu quem tinha colocado a bomba que roubou sua perna. Em uma entrevista à Folha, o artista plástico, arquiteto e professor de história da arte Sergio Ferro admitiu ter sido um dos três autores do atentado ao consulado. "A bomba era contra o horror no Vietnã", disse na época o artista.
Lovecchio jura que não tem ódio dos que colocaram a bomba no Consulado. Na hipótese de se encontrar com Ferro, abordaria o artista da seguinte forma: "Oi, Sergio, tudo bem? Você se lembra do que você me fez? Eu continuo aqui, correndo atrás."
O corretor casou-se, teve um filho, separou-se e hoje vive com a mãe em um confortável apartamento defronte ao mar, em Santos. Namora uma executiva.
Considera-se exceção entre as vítimas conhecidas do período. "Sou o único que foi atingido sem ter nada a ver com aquela guerra." Ele exige reparação pelo que passou. Atualmente, Lovecchio recebe cerca de R$ 700 por mês, a título de indenização. Mas quer ser reparado pela carreira que perdeu (a de piloto). "Como já acontece com os anistiados", lembra.
Sobre o fato de o Brasil ter hoje uma presidente como Dilma Rousseff, que integrou organizações de esquerda armada, diz que "esta é a prova de que no Brasil hoje em dia todo mundo pode alcançar o poder sem violência."
Da Comissão da Verdade, espera que ajude a contar também a história das pessoas comuns como ele, que foram atingidas pela violência.
(LAURA CAPRIGLIONE)