O Estado de S.Paulo

12 Novembro 2014 | 02h 04 A coisa está pior do que parece para Dilma Rousseff, agora que o PT se garantiu por mais quatro anos no poder. Os graves problemas políticos que ela terá pela frente no segundo mandato que conquistou com escassa margem de votos não moram apenas do outro lado da Praça dos Três Poderes, no Congresso Nacional, mas também a poucos metros de seu próprio gabinete no Palácio do Planalto, onde está instalada, pelo menos até o fim do ano, uma ardilosa quinta coluna comandada pelo ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Em longa entrevista à BBC Brasil, Gilbertinho - como Lula o chama - detonou o desempenho de Dilma, a partir de uma perspectiva petista, mais particularmente a do próprio ex-presidente.
Os petardos de Gilberto Carvalho: "O governo praticou o diálogo nesses anos, mas, para o padrão da sociedade brasileira hoje, há muito que fazer. Sobretudo no diálogo com os principais atores na economia e na política, o governo da presidenta Dilma deixou de fazer de maneira tão intensa como era feito no tempo do Lula esse diálogo de chamar os atores antes de tomar decisões". Quer dizer: a chefe do governo não ouve ninguém para tomar decisões.
Não seria exatamente o ministro encarregado de coordenar os contatos do governo com os movimentos sociais que admitiria a falta de diálogo com eles. Mas a versão de Carvalho sobre o comportamento da presidente é pior do que a da simples falta de diálogo: "Não faltou diálogo, o que faltou no caso dos movimentos sociais foi o atendimento das demandas. A reforma agrária e a questão indígena avançaram pouco. A reforma urbana - as estruturas de funcionamento das cidades, a mobilidade urbana - também não foi o que os movimentos esperavam". Quer dizer: ele, o ministro, cumpre sua parte, mas contrariando o discurso de Lula e do PT, a presidente não prioriza o "atendimento das demandas" populares.
Tratando em particular da questão indígena e da queixa de movimentos ligados à área de que algumas alianças feitas pelo governo comprometeram os avanços, Carvalho foi categórico: "Em nenhum momento foi por conta da Kátia Abreu (senadora do PSD, porta-voz do agronegócio) que deixamos de avançar. Não avançamos porque faltou competência e clareza". Quer dizer: na questão indígena, tão cara ao PT, o governo Dilma foi incompetente e confuso.
É claro que as declarações de Gilberto Carvalho foram extraídas do contexto mais amplo de uma longa entrevista em que, no geral, ele apresenta um balanço positivo do primeiro mandato de Dilma. Mas, ao contrário do que seria de esperar quando se trata de um ministro pelo menos fisicamente próximo à chefe do governo, as declarações selecionadas de Gilberto Carvalho encaixam-se perfeitamente no contexto mais amplo em que foram feitas, são absolutamente categóricas, falam por si. E o que revelam?
Revelam que, obcecado por seu projeto de poder e já de olho em 2018, o lulopetismo está articulado em torno de um duplo objetivo político-eleitoral. O primeiro: partindo do princípio sensato de que uma administração desastrada de Dilma Rousseff nos próximos quatro anos pode botar a perder as possibilidades de Lula se tornar seu sucessor, a facção lulista, inquestionavelmente majoritária, faz pressão sobre a presidente para que corrija os rumos do governo, especialmente o daquele em que se situa a raiz de todos os males - a política econômica. Não é por outra razão que Lula defende a nomeação de um ministro da Fazenda com maior autonomia do que Dilma concedeu a Guido Mantega, para restabelecer a confiança do mercado no governo e o crescimento da economia.
Em segundo lugar, a tarefa de desconstruir Dilma Rousseff - que é exatamente a que Gilberto Carvalho cumpre, agora sem nenhum constrangimento - tem a intenção de estabelecer claramente entre Lula e sua criatura uma comparação favorável ao Grande Chefe, o herói de origem humilde, o único e verdadeiro defensor dos fracos e oprimidos, sempre disposto a abrir os braços e os ouvidos para as reivindicações da massa popular oprimida pela elite perversa. Se Dilma tivesse barba, como seu criador, estaria mais do que na hora de colocá-la de molho.