“Restaure-se a moralidade, ou locupletemo-nos todos”.
Depois da condenação da maioria
dos envolvidos no escândalo do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, eu e a
grande maioria da população brasileira acreditávamos que se o resultado do
julgamento não restaurasse a moralidade no país de uma vez por todas, pelo
menos tornaria a administração pública menos vulnerável à corrupção e à ação de
quadrilhas formadas por agentes públicos para cometer falcatruas valendo-se dos
seus cargos.
Mas, para surpresa geral, o STF ainda nem havia terminado de
fixar as penas dos mensaleiros quando a República foi surpreendida por um novo
escândalo, com a prisão pela Polícia Federal de altos funcionários do governo
federal, como o advogado da União – nº 2 na hierarquia da AGU –, a chefe de
gabinete da Presidência da República em São Paulo e diretores de agências
reguladoras, apontados como participantes de um esquema de venda de pareceres
para a iniciativa privada.
O caso é um dos mais escabrosos já vistos no país, depois do já
mencionado mensalão. Seus desdobramentos são ainda imprevisíveis, dadas as
altas posições e as íntimas relações de alguns implicados com outros membros ou
ex-membros do governo federal. E tudo isso me leva a pensar, mais uma vez, que
a contaminação do serviço público por casos dessa natureza é uma consequência
direta do loteamento da administração federal por meio de indicações políticas
para os chamados cargos em comissão, em detrimento dos quadros de carreira
existentes em todas as áreas e que deveriam ser ocupados por servidores
concursados, como manda a Constituição.
Essa situação leva a outro problema, também de graves
consequências no âmbito do serviço público: é a excessiva terceirização, cujo
prazo para acabar seria na última sexta-feira, conforme exigências do Tribunal
de Contas da União, mas dificilmente será cumprido. Claro que o simples fato de
se eliminar cargos comissionados e terceirizados e promover a ocupação das
vagas existentes por concursados não será suficiente para eliminar a corrupção,
uma questão que tem raízes muito profundas na administração do país. Mas, não
tenho dúvida, seria um grande passo para criar barreiras muito mais fortes aos
corruptos e aumentar o nível da moralidade nos negócios públicos.
O funcionário de carreira é alguém muito
mais qualificado e comprometido com a função pública, com valores pessoais e
profissionais que comissionados e terceirizados, dada a eventualidade de seus
cargos, jamais poderão ter. Tal condição é obtida pelo ingresso nos quadros do
governo por meio do concurso público, que garante uma carreira em geral bem
remunerada, estável e segura pelo resto da vida. Corromper um servidor nessa
situação e com as qualificações de um concursado, que obteve seu cargo em uma
concorrência honesta e acirrada com milhares de outros candidatos, é, sem
dúvida, muito mais difícil do que alguém que ocupa um cargo por apadrinhamento
político ou mero QI – o célebre Quem Indica.
Os últimos acontecimentos mostram que o governo federal está
mergulhado num mar de lama, que a presidente Dilma Rousseff não consegue
remover. A última e espetacular ação da Polícia Federal – a Operação Porto
Seguro – atinge o próprio Advogado-Geral da União, que, segundo as informações
já divulgadas, bancou a nomeação do seu adjunto, agora preso, e o próprio
ministro da Justiça, este já com sua imagem seriamente prejudicada depois de
ter criticado as prisões brasileiras para repudiar a condenação dos réus do
mensalão.
Até então, o ministro jamais se preocupara com o tema, mas
quando seus colegas de partido foram sentenciados a cumprir penas na cadeia, aí
ele se revoltou. Isso também não causa espanto, diante da ação do próprio
governo no Congresso para barrar qualquer tentativa de ouvir nas comissões os
implicados em mais esse escândalo federal, repetindo postura já assumida em
escândalos anteriores, como o próprio mensalão. A ordem, claramente, tal como
no passado é, se possível, varrer a sujeira para baixo do tapete.
Isso, como diz o conhecido
jornalista Boris Casoy, é uma vergonha!
Ainda bem que no meio dessa enxurrada de lama nos negócios
públicos, alguma coisa de positivo pode ser encontrada no noticiário. E ela vem
do Rio Grande do Norte, onde a justiça mandou demitir um ocupante de emprego
terceirizado para substituí-lo por uma funcionária concursada no cargo
correspondente. Essa é uma nova vitória da moralidade e confirma o entendimento
dos tribunais e a jurisprudência já firmada sobre o assunto. É mais uma medida
para apressar o fim da famigerada terceirização e dar vez no serviço público
àqueles que realmente têm o direito de ocupar os cargos existentes: os
concursados, que não podem continuar a ser preteridos por comissionados e
terceirizados.
Décadas atrás, corria de boca em boca uma frase jocosa sobre a
corrupção no país:
“Restaure-se a moralidade, ou
locupletemo-nos todos”.
Depois da Constituição de 1988, essa brincadeira parecia ter
perdido o sentido. Mas escândalos como o mensalão e a Operação Porto Seguro
parecem trazê-la de volta. Nós não podemos deixar que isso aconteça. E para
isso é preciso defender com unhas e dentes o concurso público como única e
exclusiva forma de preencher os quadros da administração, seja no governo
federal, no Poder Legislativo ou no Judiciário. Vamos continuar lutando por
isso, na certeza de que, se você é um dos aprovados que aguardam sua nomeação
ou se prepara para uma das próximas seleções, está no caminho certo para
conquistar o seu
FELIZ CARGO NOVO!