Qualquer semelhança com a Comissão da Verdade...
No dia 8 de agosto de 1945, as potências militares vencedoras da Segunda Guerra Mundial, concluíram um acordo para a criação de um Tribunal Internacional para o julgamento dos grandes criminosos de guerra das nações do Eixo Europeu, derrotadas no conflito.
O artigo primeiro desse acordo dispôs: “Será criado, após entendimento com o Conselho de Controle para a Alemanha, um Tribunal Militar Internacional encarregado de julgar os criminosos de guerra, cujos delitos não se situam geograficamente de maneira precisa, sejam os acusados a título individual, sejam a título de membros de organismos ou de grupos, ou ainda neste duplo título”.
A constituição do tribunal não foi imediatamente resultado de um entendimento entre as potências aliadas. Winston Churchill tinha clara e repetida opção pelo fuzilamento dos nazistas e seus coadjuvantes, submetidos a um julgamento sumário e implacável. Os delegados soviéticos e norte-americanos lograram convencer os aliados de que o Tribunal atenderia mais adequadamente ao propósito de nortear a aplicação das penas.
O tribunal julgaria somente os vencidos, a despeito de os vencedores também terem cometidos crimes de guerra, a exemplo do massacre de Katin pelos soviéticos e dos bombardeios destruidores de uma cidade alemã indefesa, Dresden, com bombas de fósforo quando a guerra já estava vencida. Hiroshima e Nagasaki não excederam todos os crimes perpetrados durante a Guerra.
A inexistência de lei internacional obrigou os vencedores a estabelecer uma tipologia de crimes com efeito retroativo no artigo 6º da Constituição do Tribunal Militar Internacional, no Capítulo l. sobre Jurisdição e Princípios Gerais. Este artigo previa a punição das pessoas que, agindo no interesse dos países do Eixo europeu, seja a título individual, ou a título de membros de organizações, cometeram um dos crimes seguintes, segue-se a seguinte relação, dispensados os alusivos acréscimos que circunstanciam os tipos penais enumerados:
a) Crimes contra a Paz;
b) Crimes de Guerra;
c) crimes contra a Humanidade.
d) Categoria amplas e suscetíveis de uma apreciação bem abrangente.
e) O artigo 8º desta Constituição do Tribunal inova quando estabelece que o fato de o acusado ter agido sob ordem de seu governo ou de um superior não o isenta de sua responsabilidade, embora possa beneficiá-lo com circunstâncias atenuantes. A lei alemã da época anterior à guerra adotava o princípio do chefe, o Führerprinzip, exacerbado durante o regime nazista.
f) No artigo 9º, a referência fundamental é a da existência de Organizações Criminosas, ou seja, a acusação pode indiciar alguém que tenha pertencido a uma dessas instituições que os acusadores reputaram delituosas, dentre elas seis organizações nazistas, as SA (tropas de assalto), as SS (a princípio um corpo de defesa pessoal de Hitler), a Gestapo. Ainda mais criativa foi a inclusão de altos chefes militares, num precedente pela primeira vez visto na história. Inculpava-se o Estado Maior das Forças Armadas, envolvendo os militares que tinham ocupado posições de co mando no planejamento e na parte executiva nos períodos que precederam e se seguiram à guerra.
g) Afirma Bradley Smith que também se tornaram passíveis de julgamentos os membros do Gabinete do Reich, desde 1933 (quando os nazistas, numa expressão dúbia, “tomaram o poder”). Trata-se de uma penalização ex post factum, ou seja, lei criada para atingir situações anteriores à sua promulgação.
Como vemos, os grandes princípios do Direito Penal clássico, vigente na Europa, foram, em pouco tempo, abandonados, dentre eles o de que não há pena sem prévia lei que a defina. Por sua, vez a acusação podia escolher os delinquentes de guerra pelo simples fatos de pertenceram a uma “organização criminosa”.
Como vemos, os grandes princípios do Direito Penal clássico, vigente na Europa, foram, em pouco tempo, abandonados, dentre eles o de que não há pena sem prévia lei que a defina. Por sua, vez a acusação podia escolher os delinquentes de guerra pelo simples fatos de pertenceram a uma “organização criminosa”.
No artigo 19 da Constituição do Tribunal deparamos uma norma que torna a produção das provas, pelos juízes do Tribunal, independente da existência inquestionável dos fatos delineados por um tipo penal . Vejamos: “O Tribunal não será compelido a seguir regras fixas em matéria de provas. Adotará e aplicará, em toda medida do possível (dans toute la mesure du possible) um procedimento expeditivo sem caráter técnico e admitirá toda prova que estimará probante (qu’il estimera probante)”. O documento foi redigido em quatro línguas.
h) O caráter excepcional do julgamento de Nuremberg suscitou amplas controvérsias na ocasião, tendo em vista a natureza heterodoxa das cominações e da natureza informal das provas coligidas.
i) Bradley Smith,a propósito do Julgamento, assim se pronuncia:”O que principalmente permanece no espírito do público acerca de Nuremberg e do regime nazista não são as conclusões cautelosas e cercadas de considerandos da Decisão Final, mas as arrasadoras e, muitas vezes, inexatas acusações formuladas pela promotoria. As velhas palavras e expressões ‘conluio’, ’guerra de agressão’ e ‘crimes contra a humanidade’ conservam tanta atração que os historiadores têm de recorrer a toda fibra de que dispõem para evitar que elas os limitem, como espartilhos, na interpretação do que se passa, mesmo em dias atuais”.
A diferença básica é que os alvos da Comissão da “Verdade” não são vencidos nem criminosos de guerra e muito menos inermes e indefesos, como esavam os prisioneiros alemães.
Gelio Fregapani