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domingo, 11 de novembro de 2012


*Carlos I. S. Azambuja é historiador.
Publicado em 10 Novembro, 2012 
Caríssimo irmão de armas:
Após meses de trabalho árduo, compulsei todos os documentos que constituem os autos do processo penal do “Caso Lapoente”. Ouvi Cadetes da época, uns presentes aos acontecimentos, outros apenas ouvindo as versões dentro da AMAN. Ao fim, consegui decifrar todo seu sórdido esquema. Começamos, eu e meu irmão quase univitelino Cel. Moézia, impetrando o Mandado de Segurança, que infelizmente não prosperou.
O documento anexo é uma segunda etapa e constitui uma síntese absolutamente fiel e rigorosa dos incidentes que originaram todos esses desdobramentos. O próximo passo será analisar o indecente acordo de solução amistosa, o que será feito em outra comunicação.
Não sou incendiário irresponsável e nem quero semear ventos. Minha profissão de fé é o amor à verdade, que aprendi nos exemplos em meu lar e na formação que o Exército de Caxias me ofereceu e que assimilei plenamente. Só Deus sabe o quanto preferiria não ter que cumprir essa missão e não beber desse cálice. Por longo tempo defendi a atuação dos mais antigos na ativa julgando-a forçada pelas circunstâncias, mas com a esperança de que soubessem perceber até onde poderiam ceder. Criei até a imagem do “sapo catastrófico”, aquele que não dá para engolir. Em particular, o comandante da Força, meu colega de turma e então amigo, mereceu de mim vários trabalhos defendendo-o e depositando nele minha confiança. Um deles, a que chamei A meu querido primeiro chefe me rendeu reproches, alguns gentis, outros nem tanto. Mas perseverei em sua defesa até tomar conhecimento da historia da placa na Academia.
A partir daí mudei de posição e percebi com profunda amargura que o comandante não é mais o cadete que conheci há mais de 50 anos atrás. Deixei de lado antigas posições e às claras, sem rebuços, enérgico mas sem rancor, parti para a defesa do meu Exército. Aos amigos tudo, menos a honra.
Minha dívida com o Exército é infinita. Além da formação que me ofereceu, mostrou-se uma colmeia de companheiros, voejando uns em torno dos outros compartilhando o mel da amizade sincera, no qual me lambuzei. A ingratidão não faz parte dos muitos defeitos que ainda luto por corrigir nesta encarnação. Não, não afrontem o Exército! Seja quem for que tentar vilipendiá-lo e, por extensão, à Pátria brasileira, encontrará em mim um opositor ferrenho e pertinaz que arrostará todos os perigos em sua defesa. Qualquer que seja a solução das ações que impetrar, isso não mudará em nada minha disposição para a luta, dentro da lei e do direito.
Me sentirei completamente recompensado se vocês dedicarem um pouco de tempo para tomar conhecimento desses fatos, que são muito graves. Difundam para seus correspondentes, se acharem conveniente.
Um abraço fraterno
José Gobbo Ferreira
(Anexo)
O Caso Lapoente
“Se servistes à Pátria que vos foi ingrata,
Vós fizestes o que devíeis, ela o que costuma” –  Pe. Antonio Vieira

No dia nove de outubro de 1990, na AMAN, um grupamento de 284 cadetes,
compreendendo todo o efetivo das primeira e terceira Companhias do Curso Básico,
equipados, iniciou às 05h00 um deslocamento em passo acelerado entre o parque e a
área de instrução da Seção de Instrução Especializada (SIEsp), um percurso de quatro
quilômetros e meio a ser coberto em menos de uma hora, ou seja, um exercício de
intensidade apenas moderada.

O grupamento era conduzido por dois Tenentes e devia ter a assistência de dois
Oficiais médicos, porém contava com apenas um. A certa altura do deslocamento
um cadete sentiu-se mal e foi assistido pelo médico e por um dos Tenentes e
encaminhado ao Hospital Escolar da AMAN (HE), acompanhado dos dois Oficiais. Todo
o grupamento passou a ser conduzido por apenas um Tenente, sem médico.

Chegando ao destino por volta das 05h50, o Tenente percebeu a falta de um Cadete
em forma. Descobriu que ele estava aparentemente fisicamente desgastado, fora de
forma, na retaguarda do dispositivo, assistido por alguns colegas.

A fadiga exagerada é comum nessas atividades, e o Tenente, sempre sozinho, e sendo
um Oficial combatente, não tinha a formação adequada para diferenciar entre uma
exaustão por esforço físico e uma condição mórbida. Assim sendo, segundo suas
palavras, cutucou o Cadete com o pé direito e simultaneamente, como é de praxe em
exercícios dessa natureza, dirigiu-lhe palavras duras tentando chamá-lo aos brios, no
que foi aparentemente bem sucedido, pois o Cadete retornou ao dispositivo por seus
próprios meios.

Uma vez a tropa em forma, compareceram ao local do exercício o Tenente-Coronel
comandante da SIEsp acompanhado de seus Oficiais (um Major e quatro Capitães) e
dos Oficiais das Companhias participantes do exercício, dois Capitães e Oito tenentes.

Foi iniciada então a atividade chamada “Cerimonial”. Os Oficiais, começando pelo
comandante, apresentam-se à tropa e efetuam uma pequena série de flexões, de
braços e pernas, no que são acompanhados pelos Cadetes. Durante esses
procedimentos Lapoente voltou a sentir-se mal, saiu de forma e assentou-se sobre seu
equipamento. O médico passou a assisti-lo e, por volta das 07h00 o Tenente,
juntamente com o Capitão S/3 do SIEsp, retiraram seu equipamento e o deixaram aos
cuidados médicos. Ele foi levado para a Barraca de saúde e em seguida evacuado para
o Hospital Escolar da AMAN (HE).

Em nenhum momento, antes do segundo colapso, ocorreu a qualquer um dos Oficiais
presentes a hipótese de que algo mais grave pudesse estar acontecendo com
Lapoente.

O Cadete recebeu toda a assistência médica disponível, embora a equipe médica do HE
tenha sido de abissal incompetência ao diagnosticar meningite em um quadro clínico
de choque térmico. Ficou decidido evacuá-lo para o Hospital Central do Exército

(HCEx), por ambulância, pois na opinião do Diretor do HE o caso era de emergência
mas não de urgência.

O Cadete foi removido e enquanto a ambulância se deslocava pela Baixada Fluminense
rumo ao Rio de Janeiro ele deixou de manifestar sinais vitais sendo iniciadas manobras
de ressuscitamento. Cerca de 14h00 deu entrada no HCEx onde foi constatado o óbito.

Corroborando as observações feitas no HE, o auto da necropsia efetuada no HCEx não
relata qualquer tipo de marca que possa se constituir em indício de pancadas ou
golpes estranhos de qualquer natureza. A fls 2 consta que o cadáver apresentava
livores violáceos de hipóstase (que seus familiares confundiram com marcas de
violência), e que o tórax, o abdome e os membros inferiores não apresentavam
nenhum tipo de lesão. A fls 09 a equipe discorre sobre o fato de que certos indivíduos,
mesmo atletas profissionais, são mais propensos que outros ao choque térmico em
condições de esforço equivalentes àquelas do exercício daquele dia. Como o Cadete
era do primeiro ano, e pela primeira vez realizava exercícios dessa natureza, bem pode
esse ter sido o caso. A causa mortis declarada foi choque térmico seguido de infarto
agudo do miocárdio na vigência de realização de exercícios físicos.

Vários médicos testemunharam perante o Superior Tribunal Militar (STM) que, se a
terapêutica adequada para aquele distúrbio tivesse sido aplicada imediatamente, o
jovem Lapoente poderia ter sido salvo, e que não havia absolutamente qualquer nexo
de causalidade possível entre as atitudes do Tenente e o óbito.

O Comando da AMAN determinou a abertura de uma sindicância que desembocou em
um Inquérito Policial Militar, que foi aberto e encaminhado ao Conselho Especial de
Justiça da 2ª Auditoria de Exército da 1ª CJM (CEJ/2ª), no Rio de Janeiro, onde se
transformou em processo, percorrendo daí em diante todas as instâncias.

Fruto da sindicância, o Tenente foi punido disciplinarmente na AMAN.

Canalhas esquerdopatas infiltrados na imprensa desencadearam uma insistente e
sórdida campanha contra ele, acusando-o de torturador (e eventualmente assassino).
Na Auditoria, sua oitiva foi um espetáculo circense. Membros do “tortura nunca mais”
(doravante chamados abutres) encheram o recinto, portando faixas e cartazes e a
sessão durou mais de quatro horas. Alguns Cadetes o acusaram de ter aplicado três
chutes em Lapoente. Outros tantos, presentes ao mesmo fato, olhando a mesma cena
disseram que ele não tinha feito nada disso. A Juíza aceitou o depoimento dos
primeiros e disse aos últimos que o máximo que poderiam dizer é que não tinham
visto o Tenente chutar o cadete, e não que ele não havia chutado ….

Mesmo assim os membros do Conselho não se deixaram intimidar e o Oficial foi
julgado e absolvido de crime pelo Conselho, por 3 x 2. Votaram contra a Juíza e o
Presidente.

Eu votaria pela absolvição, por dois motivos. Primeiro: Jamais poderia passar por
minha cabeça que um Oficial, na AMAN, pudesse agredir um Cadete a pontapés,
quaisquer que fossem as circunstâncias. Segundo: Já fui Cadete e já fui Tenente. Como
Cadete conheci muitos colegas que consideravam os instrutores como inimigos e se
regozijariam com o seu infortúnio. (Atenção: não estou afirmando que isso aconteceu,
mas…) Como Tenente sempre me empenhei para que os objetivos da instrução fossem
alcançados e o limite entre o empenho e o exagero é muito tênue e até acredito que o

tenha ultrapassado alguma vez. A terapêutica adequada para o exagero é a punição
disciplinar e não uma pena criminal.

O Procurador Militar recorreu da sentença e o Tenente foi condenado no STM à pena
mínima (três meses), com sursis pelo crime de violência contra subordinado, ficando
vastamente corroboradas naquela Corte que seu comportamento nada teve a ver com
o desenlace fatal, o que aliás foi textualmente registrado pelo próprio Procurador
Militar no corpo da apelação.

O desempenho da Justiça Militar foi exemplar. Tanto em primeira instância quanto no
STM a busca pela verdade dos fatos foi minuciosa, e por felicidade isso ficou
textualmente registrado tanto no voto vencido da Juíza da Auditoria quanto no
acórdão do STM.

Inocente das acusações, atormentado pelos inimigos, desprezado (sim, esse é o
termo!) pelos que deveriam ser amigos, há 22 anos o então Tenente vem enfrentando
os abutres. A família do Cadete entrou com um processo na Justiça Comum exigindo
reparações por danos morais. Foram derrotados e ele foi declarado isento de qualquer
responsabilidade cível (nem era cogitado que houvesse alguma criminal).

Os abutres recorreram e o relator, por coincidência, foi o corrupto desembargador
Ricardo Regueira, logo depois expulso da Magistratura por venda de sentenças. No
recurso, esse bandido de toga teve a ousadia de declarar ipsis verbis “Como se vê das
peças trazidas aos autos, (o Tenente) foi considerado o culpado, por sentença
transitada em julgado, dos fatos que culminaram na morte do Cadete Márcio Lapoente
da Silveira”, quando a enorme copia de provas, e a própria sentença do STM
mostravam exatamente o contrário.

Desde o óbito o Cadete fora promovido a 2º Tenente e a família passara a receber os
vencimentos correspondentes. Não satisfeitos, os abutres pleitearam como reparação
mais um vencimento por parte da União e mais um vencimento por parte do Tenente,
desde o óbito até a data em que o cadete completaria 71 anos!!!!!

Além disso, enviaram petição à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos
Estados Americanos fazendo, sem nenhuma comprovação, escabrosas acusações
contra o Estado brasileiro, que vão desde a tortura até o assassinato.(Isso será
discutido em um próximo documento).

Se a ação de danos prosperar tal como está, além de todas as despesas com
advogados, custas judiciais etc. durante todo esse tempo, o Tenente já estará devendo
hoje 22 x 12 = 264 vencimentos de 2º Tenente e passará a desembolsar um
vencimento por mês até 2043 ou sejam, mais 31 anos ou 372 contribuições. Sem
entrar no mérito das questões subjetivas, pelo infarto de Márcio Lapoente em
consequência de instrução, a família receberá 636 x 3 = 1908 soldos de 2º Tenente.
Não sei informar qual será a parcela dos abutres nesse butim.

José Gobbo Ferreira