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quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O BRASIL E AS PERIPÉCIAS DE CHÁVEZ

24.09, 17h10

por Denis Rosenfield
O problema do ingresso da Venezuela no Mercosul não deixa de causar rusgas entre Chávez e o presidente Lula. Apesar do tom histriônico do ditador, que mais o aparenta a um Cantinflas populista, seu projeto não tem nada de cômico, sendo de nítido contorno socialista, procurando fazer daquele país um regime autoritário. Ele avança célere na destruição democracia, apesar de utilizar instrumentos "democráticos", como eleições para suprimí-la. A clareza sobre este ponto é central, pois qualquer confusão conceitual pode impedir uma correta compreensão dos destinos daquele país e, indiretamente, do nosso.Não se trata, como alguns pretendem fazer crer, de um mero problema diplomático entre esses dois países, que estaria pendente de uma aprovação do Senado brasileiro – e do paraguaio. Os impropérios proferidos pelo ditador contra essa instituição republicana são mais uma revelação do seu pouco apreço pela democracia em geral. Se o mesmo ele faz em relação ao Poder Legislativo – e Judiciário – da Venezuela, não espanta que tenha igual comportamento em relação ao nosso país. Hábil, parece, agora, querer aproveitar o momento de desprestígio do Senado brasileiro, produto da absolvição do senador Renan Calheiros, ao investir mais uma vez contra essa instituição republicana. Para ele, a "coisa pública" é nada mais do que a sua "coisa privada", utilizada para submeter aquele país à servidão. O socialismo do século XXI é um triste e anacrônico projeto de retorno ao socialismo do século XX, com todo o seu desfile de misérias e horrores.O Tratado do Mercosul contempla uma cláusula democrática, segundo a qual os seus membros devem compartilhar desse regime de liberdades. Se algum país não o fizer, ele, por assim dizer, estaria imediatamente excluído. Logo, qualquer deliberação significaria aqui decidir por aquilo mesmo que se entende por democracia. Argumentar, como já o fizeram alguns senadores, que o ingresso é o da Venezuela e não o de Chávez, desconsidera precisamente essa questão central, abrindo as portas para que um regime semelhante ocorra em nosso país. O governo, por sua vez, tergiversa, pois o nosso presidente declarou várias vezes que considera Chávez uma pessoa que preza a democracia. Ora, como se pode considerar democrático um regime que coloca de joelhos os Poderes Legislativo e Judiciário? Como se pode considerar como democrático um regime que passa a controlar severamente os meios de comunicação, fechando a mais importante rede de televisão do país? Como se pode considerar como democrático um regime que elimina os seus opositores por intermédio de quadrilhas chamadas "círculos bolivarianos"? Como se pode considerar democrático um regime que institui o culto da personalidade do presidente/ditador, numa réplica do que acontece com Fidel Castro em Cuba e aconteceu com Stálin na ex-União Soviética? Como se pode considerar democrático um regime cujo "presidente" pretende se perpetuar no Poder?Tais interrogações deveriam fazer parte do pensamento de qualquer pessoa realmente preocupada com os destinos das liberdades. Na verdade, deveria ser uma mera questão de sensatez política. No entanto, a sensatez não parece fazer parte deste mundo político, apesar do próprio Vice-Presidente do Senado, Tião Viana, do PT, ter dito que as últimas declarações do ditador são coisas de um "louco". O problema, porém, reside em que esse louco é idolatrado por boa parte do seu partido. A loucura se encontra nesse projeto socialista, presente na Venezuela e almejado por alguns no Brasil.Neste contexto, a discussão sobre o ingresso ou não da Venezuela no Mercosul tem uma outra significação, na medida em que ela se torna uma questão propriamente interna. Se o ingresso for aprovado, uma carta branca será dada a tal perversão da democracia. Sempre poderá ser aduzido que as instituições brasileiras deram o seu aval àquele país como democrático e ao seu ditador como um defensor da liberdade. Não faltarão, certamente, aqueles que se aproveitarão de tal situação para procurar fazer com que uma experiência deste tipo possa também se repetir em nosso país. Afinal, dirão eles, todos nós estamos de acordo sobre o que significa democracia, mesmo se essa perder o seu sentido. Neste caso, o sem-sentido terá tomado conta do Brasil.