Translate

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

COM A PALAVRA "O PAI DO REAL" jcn

01 de dezembro de 2013 | 2h 10

Fernando Henrique Cardoso - O Estado de S.Paulo
Finalmente se fez justiça no caso do mensalão. Escrevo sem júbilo: é tristever na cadeia gente que em outras épocas lutou com desprendimento. Elesestão presos ao lado de outros que se dedicaram a encher os bolsos ou apagar suas campanhas à custa do dinheiro público.
Mais melancólico ainda é ver pessoas que outrora se jogavam por ideais -mesmo que controversos - erguerem os punhos como se vivessem uma situaçãorevolucionária, no mesmo instante em que juram fidelidade à Constituição.
Onde está a revolução? Gesticulam como se fossem Lenines que receberamdinheiro sujo, mas o usaram para construir a "nova sociedade". Nada disso:apenas ajudaram a cimentar um bloco de forças que vive da mercantilização dapolítica e do uso do Estado para se perpetuar no poder.
De pouco serve a encenação farsesca, a não ser para confortar quem a faz eenganar seus seguidores mais crédulos.
Basta de tanto engodo. A condenação pelos crimes do mensalão deu-se em plenavigência do Estado de Direito, num momento em que o Executivo é exercidopelo Partido dos Trabalhadores (PT), cujo governo indicou a maioria dosministros do Supremo.
Não houve desrespeito às garantias legais dos réus e ao devido processolegal. Então, por que a encenação? O significado é claro: eleições à vista.É preciso mentir, autoenganar-se e repetir o mantra.
Não por acaso, a direção do PT amplifica a encenação e Lula diz que a melhorresposta à condenação dos mensaleiros é reeleger Dilma Rousseff... Tem sidosempre assim, desde a apropriação das políticas de proteção social até aidéia esdrúxula de que a estabilização da economia se deveu ao governo doPT.
Esqueceram as palavras iradas que disseram contra o que hoje gabam e asmúltiplas ações que moveram no Supremo para derrubar as medidas saneadoras.O que conta é a manutenção do poder.
Em toada semelhante, o mago do ilusionismo fez coro. Aliás, neste caso, quemsabe, um lapso verbal expressou sinceridade. "Estamos juntos", disse Lula.Assumiu meio de raspão sua fatia de responsabilidade, ao menos em relação acompanheiros a quem deve muito. E ao País, o que dizer?
Reitero, escrevo tudo isso com melancolia, não só porque não me apraz vergente na cadeia, embora reconheça a legalidade e a necessidade da decisão,mas principalmente porque tanto as ações que levaram a tão infeliz desfechocomo a cortina de mentiras que alimenta a aura de heroicidade fazem parte deamplo processo de alienação que envolve a sociedade brasileira.
São muitos os responsáveis por ela, não só os petistas. Poucos têm tido acompreensão do alcance destruidor dos procedimentos que permitem reproduziro bloco de poder hegemônico; são menos numerosos ainda os que têm tido acoragem de gritar contra essas práticas.
É enorme o arco de alianças políticas no Congresso cujos membros sebeneficiam por pertencerem à "base aliada" de apoio ao governo.
Calam-se diante do mensalão e das demais transgressões, como se o"hegemonismo petista" que os mantém fosse compatível com a democracia. Quedizer, então, da parte da elite empresarial que se ceva dos empréstimospúblicos e emudece diante dos malfeitos do petismo e de seus acólitos? Ou daoutrora combativa liderança sindical, hoje acomodada nas benesses do poder?
Nada há de novo no que escrevo. Muitos sabem que o rei está nu e poucosbradam. Daí a descrença sobre a elite política reinante na opinião públicamais esclarecida. Quando alguém dá o nome aos bois, como, no caso, oministro Joaquim Barbosa, que estruturou o processo e desnudou a corrupção,teme-se que, ao deixar a presidência do STF, a onda moralizante dê marcha àré.
É evidente, pois, a descrença nas instituições. A tal ponto que se crê maisnas pessoas, sem perceber que por esse caminho voltaremos aos salvadores daPátria. São sinais alarmantes.
Os seguidores do lulopetismo, por serem crédulos, talvez sejam menosresponsáveis pela situação a que chegamos do que os cínicos, os medrosos, osoportunistas, as elites interesseiras que fingem não ver o que está à vistade todos.
Que dizer, então, das práticas políticas? Não dá mais! Estamos a ver asmanobras preparatórias para mais uma campanha eleitoral sob o signo doembuste. A candidata oficial, pela posição que ocupa, tem cada atomultiplicado pelos meios de comunicação. Como o exercício do poder seconfundiu, na prática, com a campanha eleitoral, entramos já em período dedisputa. Disputa desigual, na qual só um lado fala e as oposições, mesmo queberrem, não encontram eco. E sejamos francos: estamos berrando pouco.
É preciso dizer com coragem, simplicidade e de modo direto, como fizeramalguns ministros do Supremo, que a democracia não se compagina com acorrupção nem com as distorções que levam ao favorecimento dos amigos.
Não estamos diante de um quadro eleitoral normal. A hegemonia de um partidoque não consegue deslindar-se de crenças salvacionistas e autoritárias, oacovardamento de outros e a impotência das oposições estão permitindo amontagem de um sistema de poder que, se duradouro, acarretará riscos deregressão irreversível.
Escudado nos cofres públicos, o governo do PT abusa do crédito fácil queagrada não só aos consumidores, mas, em volume muito maior, aos audaciososque montam suas estratégias empresariais nas facilidades dadas aos amigos dorei.
A infiltração dos órgãos de Estado pela militância ávida e por oportunistasque querem beneficiar-se do Estado distorce as práticas republicanas.

Tudo isso é arquissabido. Falta dar um basta aos desmandos, processo que,numa democracia, só tem um caminho: as urnas. É preciso desfazer naconsciência popular, com sinceridade e clareza, o manto de ilusões com que olulopetismo vendeu seu peixe. Com a palavra as oposições e quem mais tenhaconsciência dos perigos que corremos.
* Sociólogo, Ex-Presidente da República