Marli Gonçalves
Solteira, sem filhos, e que não gosta que se metam com nossas vidas
Foi apenas um desabafo pessoal, um bilhete para alguns amigos. Mas “Solteira, sem filhos. E daí?” – o texto que escrevi a semana passada foi girando, girando pela internet, pelos blogs, pelos sites, de e-mail a e-mail, em correntes, em todo o Brasil e até no exterior, e acabou atingindo uma proporção realmente memorável. Recebi centenas de mensagens, telefonemas, vieram histórias deliciosas, informações, segredos, parabéns, agradecimentos. E, claro, uma dezeninha de xingamentos “deles”, petistas ou assemelhados, mas de um nível tão baixo, tão baixo, que muitos nem mereceram resposta. Não há argumentação razoável com essa turma que precisamos varrer, o mais rápido possível, esses novos carrapatos do poder. Essa gente que só quer xingar, mandar, e sobre as quais nosso olhar deve estar sempre muito atento: são perigosos, perniciosos, gostaram do Poder, de suas benesses, esqueceram de seus próprios ideais.
Repito que precisamos ficar atentos. Os próximos dias, os próximos meses, os próximos anos. Eles nos cobram caro em impostos e não entregam, eles manipulam nosso povo pobre e desinformado, ao qual humilham por esmolas, sem lhes dar um Futuro. Eles, essa gente a que me referi, se aliam ao que há de pior e posam de vestais, muitas vezes abrigados em templos, mas quando lhes interessa. Eles são antigos, reacionários, não aceitam o que é diferente; querem gritar em cima de palanques, tentando liderar massas que se movam e se enfrentem nas ruas, desde que eles saiam incólumes. Batem no peito. E entregam seu pensamento verdadeiro apenas em deslizes que cometem ou quando bebem um pouco mais, ou quando querem vencer de qualquer maneira, como estamos vendo acontecer em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde hoje um moleque joga todo seu lado escroque contra quem realmente fez História, aliado ao que há de mais horripilante na política brasileira. Eduardo Paes, quem vai te respeitar a partir dessa campanha? Nunca antes neste país se viu foi um perigo tão grande, disfarçado de gatinho, e pronto a nos embotar.
Antes de mais nada, obrigada. Foi uma surpresa maravilhosa. Perceber que a indignação que senti era do mesmo tamanho e dimensão que outros cidadãos de bom senso. Pessoas interessantes, trabalhadoras, reconhecidas ou não, e grande maioria, inclusive, “adequados” à sociedade, heterossexuais, casados, com filhos, muitos com netos e bisnetos. Fiquei muito feliz em ter ajudado a resgatar em muitos a auto-estima perdida. Também recebi muitas correspondências de homossexuais, de ambos os sexos, com filhos.
Imaginem, que orgulho: o texto foi citado até na Tribuna do Senado. Agora estamos nos anais, com nosso clamor registrado nos arquivos históricos. Nesse meio tempo reencontrei no mundo amigos perdidos; fiz vários novos amigos e confidentes. Eu queria poder abraçar e agradecer um a um. Gente incrível que entendeu e fez como se fosse sua minha mensagem. Era mesmo para ser assim. O que contei, de preconceitos e do que passo desde que, aos 18 anos, resolvi que não teria filhos e não casaria (repito, no papel), é a mais pura verdade. Quem vive, sabe.
Surpresa foi descobrir que muitas pessoas como eu, solteiras, sem filhos, ainda tratavam deste tema com vergonha, sujeitando-se silenciosos aos comentários e preconceitos até de suas próprias famílias, se escondendo, sofrendo. Ou mentindo. Nós também precisávamos sair do armário, gritando para Marta e sua gente, e para quem mais queira ouvir, que sejam menos hipócritas. Que se ativessem à campanha, falando em política, em administração, que é o que queremos saber. Até, porque, cá entre nós, logo quem foi tentar jogar pedra!
Que revolução! Que orgulho! Apenas expressando sinceramente e sem censura o que sentia, a repulsa ao que Marta Suplicy e sua gente consideraram como arma de campanha. Sim, com o belo e caro revólver que usaram, deram um tiro no próprio pé.
Falei por mim, e falei também, preciso dizer, em homenagem a muitos amigos mortos, muitos deles mortos por causa dessa hipocrisia que os obrigou ao submundo onde encontraram a doença e a violência que os levou daqui, onde estão fazendo muita falta.
Falei por amigas que ainda mentem quando questionadas sobre seu estado civil, para não serem obrigadas a enfrentar aquele sorrisinho sórdido e disfarçado que muitas vezes surge do rosto de quem pergunta. Falei por amigos que vejo perdidos, acuados.
Falei e fui aplaudida por muitos eleitores também, até de Marta e sua gente (muitos viram que Marta definitivamente havia se mostrado, mais do que em trio elétrico de Parada Gay, onde espero que pense duas vezes antes de pisar de novo), e que chateados com os rumos da estrela, estavam definitivamente decididos pelo prefeito Kassab, solteiro, sem filhos.
Falei – e meu grito ecoou – chegando a lugares muito distantes da eleição paulistana, cantinho onde estavam pessoas solteiras, sem filhos, que despertaram da letargia, da qual muitas delas não haviam se dado conta até então.
Queria poder manter essa capacidade de reunir, de questionar, sacudir esse dia-a-dia que estamos vivendo, como robôs, acordando e indo dormir, como se nada estivesse acontecendo, como se tudo apenas passasse na tela da tevê. Amanhã é outro dia. Mas tudo se repete. Queria poder acabar com o sonambulismo dessa nação, que não pode se render, não pode aceitar que governantes e seus amigos se julguem capazes de fazer-nos de otários. Poder preparar uma resistência, porque tempos difíceis se aproximam. Já viram bem Dona Dilma Rousseff e sua gente, com seus compadres? Já pensaram o que se passa naquela cabeça? Naquele ar de missionária de terninho? Que Deus nos proteja deles!
Enfim, ainda preciso dizer que quando a gente já viveu um pouquinho mais, parece que já viu de tudo, a intuição fica mais aguçada. Até pela minha própria prática profissional de 30 anos de jornalismo, “adivinhamos”, vamos combinar assim, quando coisas vão acontecer. Como a morte anunciada de Eloá, desde o primeiro dia, e a de um sem-número de outras mulheres que preferirão morrer a serem subjugadas.
Mas o que nunca podemos perder é a capacidade de nos surpreender, de mudar o rumo. Eu, por exemplo, me surpreendi vendo a amizade incondicional de Nayara, uma menina, uma mulher, uma amiga, disposta a tudo, até a morrer para salvar. Há quanto tempo não se via um exemplo assim?
E mais do que isso, eu me surpreendi com vocês. Vocês mudaram o rumo da minha história.
Marli Gonçalves - é jornalista, 50 anos muito bem vividos, cheia de esperança nos próximos 50.
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