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domingo, 13 de julho de 2008

Uma consagração brasileira: a corrupção

Sônia van Dijck

É sempre assim: quando a PF investiga e prende (com base em provas colhidas na investigação - anos de investigação...), tem sempre algum magistrado que solta os chefões da quadrilha. Quando a coisa fica "no caso do sem jeito e a gente não pode fazer de conta que não houve crime", o colegiado da magistratura, quando o processo se instaura, costuma deixar tudo dormir na gaveta, até a prescrição dos crimes e a coisa cair no esquecimento...
O trato com a Lei, no Brasil, tem sempre um toque oportunista... uma espécie de "vamos deixar pra depois e, talvez, tudo se ajeite..."
Com base em um argumento que embute velada censura à imprensa, o ministro Gilmar Mendes chamou de "espetacularização" a ação da PF. O nobre magistrado não levou em conta, em seu infeliz comentário, que a PF cumpria seu papel, desde que havia chegado a um ponto de investigação possível de identificar os criminosos e tipificar os crimes, e que a imprensa cumpriu seu papel de informar a todos cidadãos que mais uma investigação da PF havia identificado uma quadrilha e que havia realizado a devida operação de busca e de prisão dos quadrilheiros.
Não.
O ministro Gilmar Mendes preferia que os figurões do crime organizado fossem CONVIDADOS a comparecer à PF, em operação discreta não coberta pela imprensa. O ilustre ministro até pareceu chocado pelo fato de algum ou alguns corruptos figurões serem algemados antes de entrar na viatura - e olhe, senhor ministro, os algemados não passam de criminosos - ainda que o senhor magistrado considere que tais criminosos são pessoas vips (ex-prefeito de Sampa, banqueiro, doleiro e mais alguns aderentes e conhecidos na roda do crime 5 estrelas), qualquer criminoso pode sempre tentar fugir a caminho da viatura policial - e olhe, senhor magistrado, estamos falando de gente esperta!... que pode tentar qualquer coisa e de tudo um pouco e muito mais...
Claro que sei que o magistrado Gilmar Mendes se considera mais sábio do que eu. Acontece que nossa diferença está entre proteger criminosos e querer vê-los na cadeia, conforme a Lei; entre indignar-se diante do crime de colarinho branco e a interpretação retórica da Lei, que protege os endinheirados; entre a impunidade para criminosos elegantes, que freqüentam os mesmos restaurantes e bares do magistrado Gilmar Mendes, e o contribuinte que paga o salário do magistrado que deve proteger a sociedade.
É sempre assim: agora foi a vez do ministro Gilmar Mendes, com sua retórica jurídica - de casuística interpretação da Lei -, soltar os bandidos.
A PF prende; algum magistrado solta.
E nós continuamos lascados: uma operação como essa que prendeu os figurões Pitta, Dantas, Nahas e seus peões do crime, custa uma fortuna aos cofres públicos. Nós, os contribuintes pagamos a conta - acredito que o ministro Gilmar Mendes não se preocupa em jogar dinheiro fora (ele tem como salário muitíssimo mais do que eu recebo como professora doutora aposentada de uma universidade federal, e, por isso, não faz questão de alguns milhares de reais de uma operação da PF que ele transforma em inútil, graças a sua retórica casuística e benemérita).
E vejam que não é a primeira vez que o dinheiro do contribuinte escapa pelo ralo: são várias as operações da PF que prende bandidos e, aí, aparece algum magistrado justiceiro de plantão que resolve libertar os corruptos.
O ministro Gilmar Mendes apenas seguiu os preceitos da impunidade institucionalizada e consagrada na interpretação casuísta da Lei. Os mensaleiros e seus gestores continuam lépidos e fagueiros, pois os ilustres magistrados têm mais ocupações e não podem perder tempo em fazer andar processo contra corruptos, que são, afinal, expressão do atual estado brasileiro.
No processo em questão (Pitta, Nahas, Dantas e peões), tem preso que tentou pagar propina a delegado da PF, tem preso envolvido em processo anterior, tem gente suspeita e investigada pela PF desde 2004 - todos figuras carimbadas na roda do crime.
Na verdade, a esta altura, ninguém está preso... - todos os corruptos estão em liberdade, para continuar atuando na roda do crime (até para pagar os advogados, a turma mafiosa precisa continuar em atuação, para gerar grana...)
E o ministro Gilmar Mendes resolve considerar esse tipo de gente como inofensiva, incapaz de destruir evidências, incompetente para pressionar testemunhas (principalmente, o magistrado considera que está libertando uma gente que não tem competência para oferecer propina a delegado...) e sem iniciativa para mais outras providências para livrar a cara e tumultuar o processo.
No Brasil em que vivemos, dá para pensar em alguns parlamentares de rabo preso nessa ação da PF... - basta lembrar a gênese do MENSALÃO... A coisa vai longe - melhor dizendo: iria longe, pois o nobre magistrado Gilmar Mendes já botou em liberdade um bando de espertos viciados em assaltar os cofres públicos - e cada um desse bando sabe muito... e sabe o que fazer fora das grades da cadeia... O crime vai longe...
E tudo continuará como dantes, e o crime tem em liberdade alguns de seus comandantes.
A PF investiga e prende; um magistrado de fala bonita e solta a quadrilha - tudo em nome da Lei interpretada pelo magistrado. A Lei só não defende o contribuinte que é sempre lesado, e que, inclusive, paga o salário do magistrado que tira os bandidos da cadeia.