O presente artigo mostra o estreito relacionamento entre a ação da mídia (ou midiotice) e a reação da presidente Dilma em três casos distintos de acusação de corrupção envolvendo tráfico de influência em órgãos governamentais. As conclusões sobre os casos relatados (Ministério dos Transportes, Erenice Guerra e Gemini) serão deixadas a cargo dos leitores.
Assim, baseado nos incontestáveis fatos a seguir descritos, o leitor é quem julgará se a presidente Dilma merece, ou não, o elogioso tratamento de “faxineira” – que tem recebido por ter demitido sumariamente dezenas de servidores públicos acusados de corrupção.
Ministério dos Transportes
É completamente absurdo imaginar que só agora, por meio da mídia, Dilma Rousseff veio a saber de desmandos na área dos transportes.
Obviamente, Dilma – a responsável maior pela distribuição dos recursos do PAC – não poderia desconhecer o que sempre ocorreu no relacionamento das empreiteiras com os administradores públicos que cuidam das estradas do país. Afinal, todos sabem que não foi superfaturando produtos para a merenda escolar ou para hospitais públicos que nossas empreiteiras se tornaram as mais famigeradas assaltantes do tesouro nacional.
Porém, reconhecer que isso sempre aconteceu – antes do governo Lula, durante o governo Lula e após o governo Lula – não era conveniente para a imagem de quem tinha, durante o governo Lula, o dever de controlar a aplicação de recursos do PAC em infra-estrutura.
Um fato: Dilma não tomou as devidas providências na época em que era responsável por distribuir os recursos do PAC.
Outro fato: só depois dos recentes escândalos veiculados na mídia, Dilma resolveu apresentar serviço, jogando às feras seus (até então) aliados do Ministério dos Transportes.
Mais outro fato: num golpe de publicidade muito oportuno – com a demissão sumária da cúpula do Ministério dos Transportes – Dilma está faturando grandes dividendos políticos, e sendo colocada como alguém que, de fato, apura e pune as denúncias de corrupção na área sob seu comando.
Ontem, deu mais lance de efeito especial: Nomeou o General Jorge Ernesto Pinto Fraxe, Engenheiro e da turma da AMAN de 1975, para o espinhoso cargo de novo Diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT). Para o segundo posto mais importante do DNIT foi nomeado um auditor da Controladoria Geral da União (CGU), Tarcísio Gomes de Freitas, que será Diretor-executivo.
Erenice Guerra
Desde o início de 2003, Erenice era o braço-direito de Dilma. Naquela época, Dilma era a Ministra de Minas e Energia, e Erenice ocupava a assessoria jurídica do ministério. O papel desempenhado por Erenice era tão relevante que, ao assumir a Casa Civil da Presidência da República em junho de 2005, Dilma fez de Erenice a Secretária-Executiva da Casa Civil.
E, ao se desincompatibilizar para fazer campanha, em março de 2010, Dilma escalou Erenice para ser sua sucessora como Ministra-Chefe da Casa Civil.
Acontece que a mídia denunciou coisas de Erenice e seu filho.
Diante da pressão da mídia, Dilma não titubeou, lançou Erenice às feras e, revoltada, chegou a declarar em seu blog: “não vou aceitar que se julgue a minha pessoa baseado no que aconteceu com o filho de uma ex-assessora minha”.
No Jornal Nacional, Dilma foi ainda mais enfática, afirmando que jamais abrigou práticas ilegais nas suas proximidades, e ressaltando: “Todas as denúncias têm que ser rigorosamente apuradas e investigadas. Acredito que as pessoas culpadas tenham de ser drasticamente punidas”.
Gemini
Com a Gemini – espúria sociedade da Petrobras com uma empresa privada para produzir e comercializar gás natural liquefeito – tudo está sendo diferente.
Apesar das denúncias segundo as quais a Gemini é o maior crime de lesa-pátria praticado contra o setor petróleo-gás do país, a grande mídia ainda não se interessou pelo caso. E, diante da falta de interesse da grande mídia, Dilma não se manifesta sobre o assunto.
Atualmente, as notícias sobre a Gemini têm ficado circunscritas ao combativo mundo da internet, estando facilmente ao alcance de qualquer interessado.
Porém – antes de ter levado um cala-boca de alguma importante autoridade – o sindicato dos trabalhadores na indústria de petróleo (Sindipetro) publicou em seu jornal gravíssimas matérias, acusando explicitamente a ocorrência de corrupção na Gemini.
Numa das matérias no jornal do Sindipetro-RJ, datada de 23/03/06, pode-se ver uma charge bastante sugestiva: um homem com uma mala recheada de dinheiro na qual se encontra gravado o nome da sócia da Petrobras na Gemini. Em outra matéria, publicada em 03/08/07, sob o título “Petrobrás entrega mercado de GNL aos EUA”, uma charge mostra a mão do Tio Sam acionando um cilindro de gás de onde jorra dinheiro. Numa terceira matéria, de página inteira, publicada em 29/05/08, além de uma charge bastante sugestiva, depara-se com um título esclarecedor: “Soberania Nacional Ameaçada – Mercado de GNL brasileiro está nas mãos de multinacional”.
Acontece que a Gemini foi arquitetada no período em que Dilma acumulava as funções de Ministra de Minas e Energia e Presidente do Conselho de Administração da Petrobras, cargo que só veio a deixar em março de 2010.
Apesar de ser acusada de ser a “Mãe da Gemini”, e de ter sido formalmente por mim informada do risco que corria o dinheiro público com a espúria sociedade, aquela que hoje posa de “faxineira” sequer se manifestou. Faxina na cozinha dos outros é refresco.
Reportando-me às palavras pronunciadas por Dilma no Jornal Nacional (“Todas as denúncias têm que ser rigorosamente apuradas e investigadas. Acredito que as pessoas culpadas tenham de ser drasticamente punidas”.), deixo no ar a pergunta: Isso vale também para a Gemini, Senhora Presidenta?
João Vinhosa é engenheiro - joaovinhosa@hotmail.com