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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Publicada em 22/02/2011  OGLOBO
Altos orçamentos e baixa eficiência dos serviços de inteligência
 Artigo do leitor Frederico Junqueira
 
US$ 80 bilhões. US$ 3,24 bilhões. R$ 350 milhões. As 3 cifras acima são, respectivamente, os orçamentos dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, da Inglaterra e do Brasil. Se juntar o que o resto do mundo gasta, o total aumenta consideravelmente. Mesmo com todo esse dinheiro, analistas, relatórios, papers e, sem dúvida nenhuma, infindáveis reuniões, nenhum serviço de inteligência conseguiu prever o evento mais significativo no mundo nos últimos anos (talvez na última década? Mais alguns meses e o 11 de Setembro sairia do corte): as revoluções em sequência no Norte da África e Oriente Médio. Para se ter uma ideia de quão perdidos eles estão, basta saber que, de acordo com análises destes mesmos serviços, até a Al Qaeda foi pega no contrapé com esses movimentos.
Dois ditadores já se foram (Tunísia e Egito), algumas famílias reais e ditadores estão na corda bamba (Iêmen e Bahrein), um ditador está partindo para a guerra civil (o velho coronel Kadafi), outros estão correndo para tentar segurar o povo antes dos movimentos tomarem corpo (Jordânia, Irã, China, Arábia Saudita, entre outros) e, por fim, um punhado deve estar rezando toda noite para que as notícias do além-mar não cheguem por aqui, ou desçam a África - os irmãos Castro e seu parceiro Hugo Chávez, assim como os ditadores da Guiné Equatorial e Zimbábue.
Os governos do mundo ocidental foram pegos de surpresa e isso é, ao mesmo tempo, bom e ruim. Ruim porque mostra que com tudo que se gasta com inteligência, às vezes o que está sendo sentido por todo um povo é ignorado ou não compreendido e isso mostra a grande limitação desses dinossauros burocráticos ao redor do mundo. Também é ruim porque, mesmo com todos os defeitos, grande parte dos países do mundo ocidental representam valores importantes como a democracia e o respeito às leis (pelo menos na teoria) e são exemplos a serem seguidos pelos países agora em estado de revolução.
Por outro lado, a ignorância dos governos ocidentais também ajudou evitando que eles pudessem se envolver e, como acontece na maioria absoluta dos casos, complicar as coisas ao invés de ajudar. E é importante lembrar que muitos desses ditadores estão ou estavam no poder até hoje por conta da ajuda, explícita ou não, das maiores economias do mundo. E antes que os brasileiros apontem o dedo para os americanos ou franceses, lembrem-se que nosso governo apoia o Irã, a Venezuela, Cuba e a Guiné Equatorial, só para ficar em quatro exemplos do passado recente.
Apesar da luta pela liberdade, é improvável que em todos esses países surjam democracias como as que conhecemos. Há o perigo de novos ditadores ou autocratas surgirem ou que eleições tragam ao poder, grupos ou pessoas que o ocidente não gosta, como no caso do Hamas, na Palestina. Teremos que esperar e acompanhar os acontecimentos, pois como o passado recente mostrou, nenhum comentarista, analista, escritor ou político pode dizer o que acontecerá daqui para frente.
A verdade é que os últimos anos de prosperidade mundial não chegaram à população desses países. A prosperidade tem, ao contrário, o mau costume de parar nos políticos e na classe dominante de todos os países citados acima. Para a infelicidade da população deste países, eles foram abençoados (ou amaldiçoados?) com recursos naturais que o resto do mundo deseja. Graças a nossos hábitos de consumo, as empresas exploradoras de todos esses recursos não costumam se preocupar com detalhes como quem fica com o dinheiro pago aos países onde operam. Só que não foi só a riqueza dos ditadores e do mundo que aumentou muito nas últimas três décadas. E aí que nasceu, literalmente, o problema que hoje está batendo (ou derrubando?) às portas dos palácios de governo de tantos países.
No Egito, Jordânia, Marrocos, Oman, Arábia Saudita e Yêmen, mais de 50% da população tem menos de 25 anos. No Yêmen esse número chega ao 75% e a taxa de cidadãos abaixo da linha da probreza é de 45%. Já no Egito, 66% da população tem menos de 30, enquanto 50% dos 80 milhoes de Egípcios sobrevivem com menos de 2 dólares por dia. Na Arábia Saudita, 25% dos jovens entre 15 e 24 anos não têm emprego. No Bahrein, Kuwait, Líbano, Tunísia e Emirados Árabes Unidos, entre 35 a 47 da população tem menos de 25 anos. Com a internet e a globalização, ficou impossível esconder dos próprios cidadãos o quão atrasado eles são em relação ao resto do mundo. As populações nestes países cansaram, aparentemente, de esperar mudanças e de aceitar o discurso oficial.
Vamos ver onde isso vai dar. E que as ondas democráticas atravessem o mar!
PS: sobre os 350 milhões do orçamento da ABIN (de 2009) é importante salientar que, como não poderia deixar de ser, 310 milhões são referentes a pagamento de pessoal, incluindo aí mais de 10 milhões em gastos nos cartões de crédito corporativos que, obviamente, são secretos. Uma questão de segurança nacional, sem dúvida.
Este texto foi escrito por um leitor do Globo. Quer participar também e enviar seu artigo  Clique aqui