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domingo, 17 de maio de 2009

O Golpe do Baú Amarelo

13/05/2009 09:58

Artigo

O Golpe do Baú Amarelo

Se o Diabo é sábio por ser velho, como rege o ditado, então devemos buscar na História a sabedoria necessária para tomar decisões sobre as melhores (e as piores) alianças comerciais, econômicas e tecnológicas para o Brasil. Nossa política externa, por exemplo, tem relegado a terceiro plano os grandes parceiros estratégicos históricos, Estados Unidos e União Européia, a fim de priorizar emergentes como a exótica Índia, a distante Rússia e a nebulosa China. São os chamados BRIC. Isso não vai dar certo. Do alto da sua sabedoria, Walter Benjamin, o pai da História Cultural, alertaria que fazemos parte de civilizações com fundamentos muito distintos. Temos valores opostos e princípios éticos irreconhecíveis. Notadamente com a China, o fosso cultural entre os dois povos é incomensurável. Primamos por nossas raízes iluministas; eles se orgulham em permanecer, literalmente, canibais.

por Hugo Studart

A Índia é a parlapatice cultural desde outono. Até aí tudo bem. É do campo econômico que vem o perigo. A China acaba de desbancar os Estados Unidos como nosso maior parceiro comercial. Oba, oba -- festejam empresários oportunistas, diplomatas caolhas e autoridades apalermadas. Entre militares, irritados com a velha arrogância dos americanos, há até quem já esteja iniciando parcerias com a China para a troca de tecnologias estratégicas, como a espacial. Há quem imagine que devemos incrementar os investimentos mútuos, inclusive transferindo nossas indústrias para lá em nome das boas práticas globais. Nossas avós diriam que esse tipo de casamento não dá liga. Ora pois -- escreve ainda o mestre Eça, em português castiço – se o Brasil insistir em dar o golpe do baú, se juntando à China por conta dos tostões, essa comédia pode virar tragédia.

A novidade da hora, forjada sabe-se lá por quais basbaques federais, é entregar a fiscalização dos nossos portos os contrabandistas chineses. Como é que é? Isso mesmo! A história é tão simples quanto patética. A Receita Federal está tentando comprar equipamentos de raio-x para fiscalizar os containeres que trafegam pelos portos. Quer escanear os que entram a fim de combater o contrabando, o tráfico de armas e de drogas. E também os que saem, por exigência dos Estados Unidos, que andam paranóicos com o terrorismo – com toda a razão. A iniciativa é louvável. A Receita então lançou uma licitação internacional, mas acabou envolvida por uma grande confusão jurídica provocada por uma microempresa de fachada, marionete de algum interesse obscuro. Os chineses são os principais suspeitos. Essa história está nos jornais.

Saneada a confusão jurídica, qual a nova surpresa, também impressa nos jornais? Ao invés de investigar quem estaria por trás dos laranjas, autoridades da Fazenda cogitam cancelar a licitação a fim de fazer compra direta de equipamentos. Ao que consta, de uma Estatal da China. Coisa miúda, uns R$ 250 milhões sem licitação. O trágico é que os equipamentos da China só funcionam com chinesezinhos operando. Ora, trocando em miúdos, o plano mirabolante é entregar à raposa o controle do galinheiro. Nada menos que 85% do contrabando que entra no Brasil têm origem na China, segundo constatou a Polícia Federal, na Operação Olhos Abertos.

Se prosperar tal sandice, teremos funcionários de uma estatal chinesa operando equipamentos cuja função básica é fiscalizar o contrabando que vem de onde? Da China! Mais: poderão ter acesso às notas fiscais dos importadores e exportadores de fato. Saberão quais empresas brasileiras exportam o quê, para quem e por quanto. E quem está importando de quem e por quanto. São informações comerciais estratégicas para o crime organizado, segredos da nação que precisam ser resguardados com extrema diliência pelo Estado organizado.

O principal argumento dos defensores de uma aliança com a China, Índia e Rússia é o imediatismo comercial. Eles são grandes compradores. Os dois primeiros têm 1 bilhão de consumidores cada. São emergentes, portanto, compram cada vez mais. É na China que exportadores como Blairo Maggi, o Rei da Soja, amarrou seu burro. Idem para a Vale, nossa para-estatal com ambições de hegemonia global no campo da mineração. A tática até tem sua lógica: se americanos e europeus estão impondo barreiras comerciais injustas e intransponíveis, o que é verdade, então devemos buscar mercados alternativos.

O problema é quando chega a hora da contrapartida. Nós vendemos aos chineses commodities de pouco valor agregado, minério de ferro, soja, carne; eles nos enviam roupas, sapatos, eletrodomésticos e toda sorte de bugingangas industrializadas. Sempre foi assim em nossa história, primeiro com Portugal e Inglaterra, depois com os Estados Unidos e a Europa Ocidental. Agora importamos bugingangas chinesas. Qual a novidade? Se sempre fomos colônia, qual o problema de agora termos a China como nossa metrópole econômica?

Tudo bem, até se aceita que os chineses tenham virado os maiores predadores planetários do meio ambiente – e que não estejam nem aí para as consequências. O aquecimento global é realidade, o Nepal está permanentemente coberto por fumaça negra emitidas da China e eles sequer cogitam iniciar conversações. Até se fecha os olhos para o fato de estarem usando mão-de-obra semi-escrava a fim de baixar os custos da produção. Até se compreende que estejam criando indústrias apátridas, as off-shores, dentro de navios ancorados em alto mar, submetendo os operários a uma carga de 15 horas de labuta por 40 dias ininterruptos. Se por um lado a China desemprega operários do Ocidente, por outro faz a festa dos nossos consumidores emergentes com os DVD’s baratos. Em nome do pragmatismo comercial, até dá para fingir não ver a ditadura política e às violações sistemática dos direitos humanos, como tem feito o Itamaraty.

O que não dá para aceitar é como nossas mais altas autoridades, homens de Estado forjados em academias como o Instituto Rio Branco, Escola Superior de Guerra ou Fundação Getúlio Vargas, estejam ubinubilados, tão cegos ao óbvio ululante. Brasil, Rússia, Índia e China, esses emergentes por ora tão badalados com a sigla BRIC, são exatamente isso, uma mera sigla. Essas quatro grandes nações, também chamadas de “baleias”, não têm qualquer afinidade cultural umas com as outras. São partes de quatro civilizações distintas.

A cultura -- aqui insisto com o pensamento de Benjamin -- é o fundamento da História, o motor das civilizações. Portanto, é a cultura que deve reger os interesses econômicos, políticos e estratégicos. Não ao contrário, como em priscas eras pregaram os marxistas. Cultura é o princípio e o fim de qualquer relação. É o que gera afinidades, a base das associações e dos casamentos. Seja entre seres, ou entre nações.

Mas afinal, quem somos, de onde viemos e para onde devemos ir? Pensamos em grego, regramos nossa sociedade em latim, nossos fundamentos éticos são judaicos. Portugal sempre será nossa pátria-mãe e os lusófonos, como os povos de Angola e de Moçambique, são nossos meio-irmãos. Espanha é nossa tia e todas as nações latino-americanas nossos primos. Alguns com mais afinidades, como Argentina, Uruguai e Paraguai. Outros primos distantes, como o México, mas todos membros de uma mesma família materna.

Nossa família paterna é anglo-saxã. Nossos Pais Pátria, aqueles que lançaram as sementes da nossa organização política, chamam-se Jefferson, Madison e Franklin. Iluministas que são, esses “Pensadores da Liberdade” têm nos inspirado por mais de dois séculos na difícil construção das nossas instituições. Por conseguinte, queiram os não os diplomatas petistas, EUA é irmão. Primogênito inspirador, a quem sempre quisemos imitar, nosso melhor e mais antigo amigo. É um irmão bipolar, geralmente generoso, por vezes exigente, arrogante até. Mas sempre será nosso irmão primogênito -- e o mais bem sucedido da família.

Estaria este articulista estaria defendendo as relações exclusivas com os Estados Unidos, União Européia e América Latina? Isso seria endogamia, incesto econômico. Escrevo tão-somente para lembrar quem são os verdadeiros aliados de longa data, os conhecidos de ocasião e os inimigos estratégicos. Neste momento estamos tendo dificuldades comerciais com nossos parentes norte-americanos e europeus. Mas são meras divergências comerciais de ocasião, pois as relações culturais e políticas estão excelentes. Por isso os diplomatas têm falado muito de criar alternativas entre as baleias, Brasil, Rússia, Índia e China (BRIC).

Até aí, tudo bem. Mas é preciso lembrar que, por conta das grandes distâncias culturais, as relações entre os BRIC dificilmente evoluirão para algo mais do que interesse comercial. Com eles temos pouco a ganhar e muito a perder. A Índia das castas estratificadas, essa nação exótica que não quer evoluir, jamais será compreendida por nós – nem aceitarão nosso jeito de ser. Por isso não dá para compartilhar nosso sistema de proteção ao vôo, o Sivam, com quem acredita em bramanes e intocáveis. Da mesma forma, é imprudente demais comprar supersônicos russos, onde as máfias estão mais institucionalizadas do que na Sicília.

A China é inimiga estratégica do Ocidente. Uma inimiga cada vez mais forte e perigosa, que tem pretensões hegemônicas globais. Faz parte da cultura milenar chinesa o desprezo aos ocidentais. Pior, depois do domínio britânico, seguido do comunismo, hoje eles nos odeiam. É mais que desprezo, é ódio, é ânsia por desforra, é essa a realidade cultural. É igualmente significativo que eles continuem cultuando o animismo em práticas antropofágicas, nas quais comem partes humanas para ganhar poderes mágicos. Em português claro, fazem questão de permanecerem canibais. E gostam disso. Usando o termo como metáfora, são igualmente canibais políticos, trabalhistas e ambientais. Será uma grande loucura entregar aos chineses o controle dos nossos portos. É sandice festejar o fato da China ter superado os Estados Unidos como nosso maior parceiro comercial.

Enfim, esse casamento, por mais escroques e interesseiros que sejamos, por mais que brilhe o amarelo-ouro do baú chinês, está previamente fadado ao fracasso.

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Hugo Studart é jornalista e historiador
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