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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

MP das filantrópicas apóia fraudadores

Por: Antonio Carlos Pannunzio

O Poder Legislativo viveu um momento importante, neste apagar das luzes de 2008, há uns 20 dias, quando o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB/RN), devolveu ao Executivo a Medida Provisória 446. O gesto do senador potiguar assinalou um claro rompimento do Poder Legislativo tanto com o uso abusivo das MPs pelo Palácio do Planalto quanto com uma insólita e despudorada tentativa de manipular senadores e deputados federais para uma manobra que agride princípios éticos essenciais à vida social. Ela beneficiava instituições filantrópicas ágeis em embolsarem os benefícios decorrentes de seu registro no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e tardas no auxílio às populações carentes, em benefício das quais foram supostamente organizadas.

A história administrativa do Brasil está longe de ser um repositório de bons exemplos. Em múltiplas ocasiões o poder público foi utilizado para favorecer interesses moralmente indefensáveis, beneficiar amigos dos governantes ao arrepio das leis ou repassar indevidamente a grupos particulares recursos que deveriam ser usados em benefício da população como um todo. Nunca, porém, tivemos algo parecido com a M P 446, editada a 10 de novembro presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela equivale à criação de um programa governamental de encorajamento à fraude. Se convertida em lei, custará ao País R$ 5 bilhões em tributos sonegados por entidades que, sem méritos para tanto, receberam um certificado que as considerou indevidamente como entidades filantrópicas.

Nos estados democráticos, é regra que tudo aquilo que possa ser feito por iniciativa da própria sociedade não seja executado diretamente pelo Estado. Como decorrência desse princípio, áreas como o atendimento a crianças carentes, pessoas portadoras de necessidades especiais, idosas ou enfermas seja, quanto possível, realizada através das chamadas organizações filantrópicas. Na medida em que a sociedade se tornou mais complexa, novas necessidades emergiram e foram assumidas por outras tantas organizações sociais que, igualmente, obtiveram da sociedade aquele reconhecimento.
Num primeiro momento, o Estado cuidou de isentar essas instituições do recolhimento de impostos ou encargos, como os da Previdência, incidentes sobre tais organizações. Em muitos casos, a parceria se aprofundou e, além de liberá-las dos tributos, o poder público passou a repassar a elas recursos próprios, levando em conta a sua presença em pontos remotos do território nacional ou da periferia de nossas cidades, dos quais o governo está ausente. A moeda, no entanto, tem seu reverso. No governo do ex-presidente Itamar Franco, como se avolumassem as evidências de que muitas dessas organizações exerciam apenas uma filantropia de fachada e, em muitos casos, os tributos não recolhidos beneficiavam apenas, de maneira direta ou indireta, as pessoas que as dirigiam, o governo federal resolveu criar instrumentos que lhe permitissem fiscalizá-las com maior eficiência.

Um passo importante naquela direção foi a aprovação da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas - Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993) que, inclusive, definiu o que se entende legalmente por assistência social, a saber: a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária ou a garantia de benefício mensal corresponde a um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Em quase quinze anos de vigência, a Loas veio reduzindo progressivamente o espaço da falsa filantropia, tornando cada vez mais difícil às instituições de fachada renovar os seus certificados de reconhecimento pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), documento indispensável às isenções que as beneficiam. Em desespero de causa, algumas das “pilantrópicas”, como passaram a ser ironicamente chamadas, urdiram um esquema, em investigação pela Polícia Federal, para fraudar processos e renovar aquele documento.Quando caminhávamos celeremente para um desfecho moralizador, o presidente da República, numa lastimável canetada, resolveu misturar novamente o joio e o trigo, editando a MP 446. Ela torna automática a renovação dos certificados das instituições sob suspeita.Instrumento de patrocínio à fraude e ao desvio de recursos públicos, a MP 446 desfigura um instrumento legal precioso, como é a Loas, agride os brios da nação e consagra o assalto aos cofres públicos sob o falso pretexto de amparo aos necessitados. A ela se aplica o brado indignado de Castro Alves, nos versos do “Navio Negreiro”: “é infâmia