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quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

VENTO QUE EMBALAVA LULA ESTÁ VIRANDO

05.12, 17h02

Por Paulo Moura, cientista político
Um fato de natureza econômica e quatro outros de natureza política sugerem que o vento favorável que embalava o governo Lula desde a reeleição do presidente pode estar virando. São eles:a) Os indicadores de que a crise do sistema de crédito imobiliário dos EUA se aproxima dos bancos de investimento, intensificando sua reverberação sobre a economia global;b) A derrota de Hugo Chávez no referendo que permitiria sua perpetuação no poder;c) A pesquisa Datafolha demonstrando que cerca de 65% dos brasileiros se opõe à eleição por mais de dois mandatos para quaisquer presidentes;d) A antecipação de renúncia de Renan Calheiros;e) O elemento desagregador que a chegada do ano eleitoral de 2008 impõe sobre a base de sustentação do governo.A bússola dos políticos tem como norte magnético o poder. No Brasil, em que a maioria dos políticos é congenitamente governista e em que o povo segue líderes e não ideologias e programas, a conjuntura favorável e o apoio popular a um governante exercem coerção agregadora em torno do presidente da República. E vice e versa. Isto é, numa conjuntura que insinua condições desfavoráveis e a perspectiva de perda de força política do governante, a dinâmica que se estabelece é desagregadora e de deserção nas fileiras de apoiadores do presidente. Isso, tanto mais quanto mais o exército de apoio ao governo é mercenário, como é o caso de quaisquer governos no Brasil.A leitura de fatos econômicos feita por um cientista político, ainda mais em se tratando do nervoso mercado global contemporâneo, deve ser vista com ressalvas. No entanto, apesar da injeção de vários bilhões de dólares do FED nas empresas de crédito imobiliário e bancos norte-americanos não parece suficiente para conter o gradual aparecimento de notícias sobre a reverberação da crise para além do setor afetado. Insinua-se um quadro de desaquecimento da economia dos EUA, com inevitáveis desdobramentos sobre as gigantescas compras dos norte-americanos no mercado mundial e brasileiro. Os sinais são, ainda, insipientes. Mas, suficientes para disseminar tensão e a conhecida cautela que caracteriza o comportamento conservador dos mercados ante o risco de perdas.Já os fatos políticos listados na seqüência de itens acima são claramente desfavoráveis a Lula. Hugo Chávez é (ou era) o "novo" farol da velha esquerda mundial. Seu sucesso reverbera além fronteiras da Venezuela. Seu fracasso, idem. A perspectiva de perpetuação de Chávez no poder com a eventual aprovação popular da reforma constitucional proposta pelo líder venezuelano abria perspectivas de que o mesmo pudesse vir a acontecer com Lula, ainda que sob outras circunstâncias. Se a conjuntura econômica permitisse a continuidade do apoio popular ao presidente, as possibilidades de aprovação de uma mudança na Constituição brasileira por plebiscito, no mesmo sentido do projeto de Chávez, ainda que não viesse a se concretizar no Brasil, exercia força agregadora em torno do presidente. E vice e versa.Se a derrota de Chávez fosse apenas um fato isolado, por si só já seria uma balde de água fria no projeto continuista do PT. Mas, agregou-se à onda contrária a re-reeleição, a pesquisa Datafolha revelando surpreendente e expressiva maioria contrária à perpetuação de Lula no poder. Não é possível afirmar que os favoráveis à perpetuação de Lula no governo são apenas eleitores petistas. Mas, o percentual coincide com o "tamanho da base do PT" na sociedade brasileira.O impacto agregado desses dois recados dos eleitores venezuelanos e brasileiros extrapola as fronteiras de ambos os países, já que Lula, embora ofuscado por Chávez, também é referência mundial das esquerdas. Mas, no "mercado interno", os dois fatos somados jogam, na conta de chegada das equações estratégicas dos jogadores do poder, o cenário de fim do poder do petismo sobre o governo brasileiro (não sobre a política brasileira). Com isso, a maioria gelatinosa dos políticos brasileiros passa a buscar outros nortes para suas bússolas. E os virtuais nortes magnéticos apontados por sucessivas pesquisas situam-se no campo da oposição, mais precisamente, apontam para o nome de José Serra.A esse fator desnorteador da base de sustentação do governo, somam-se os inevitáveis conflitos de interesses que jogam, uns contra os outros, nas eleições municipais nos estados, companheiros de jornada no apoio a Lula em Brasília. Assim, o interesse pessoal de garantir bases locais de poder assume prioridade nos critérios de decisão dos políticos, especialmente num contexto em que a derrota de Chávez e a pesquisa Datafolha precipitaram sobre o tabuleiro político a perspectiva do fim do governo Lula.Finalmente, tudo indica que os estrategistas de Lula erraram as contas sobre a dose e o timing das jogadas táticas que patrocinaram. Ao deixar fluir a tramitação de emenda da re-reeleição às vésperas da votação da CPMF, Lula apostou tudo de uma só vez. Talvez colha nada como resultado. Isto é, nem re-reeleição nem CPMF.A surpresa causada pela renúncia antecipada de Renan Calheiros, contrariando o interesse de Lula, que queria o plenário que votará a prorrogação da CPMF contaminado pela disputa pela sucessão na presidência da Casa, sugere que Calheiros não executou apenas um recuo defensivo que priorizou apenas a preservação de seu mandato. Parece que o cardeal alagoano caiu atirando e quis introduzir um elemento desagregador na base governista no Senado; talvez fatal para a voracidade fiscal do governo. Não é despropositado avaliar que Renan Calheiros tenha comprado a avaliação aqui feita, de que o projeto de poder do PT passa por usar e descartar os oligarcas políticos com os quais se aliou para eleger Lula e governar.Se essa leitura está correta, Calheiros não renunciou apenas à Presidência do Senado, mas desertou, sem assumir explicitamente, da base governista. E mais. Se mais aliados - especialmente o poderoso Sarney - estão fazendo a mesa avaliação, é possível que os "aliados" comecem a sabotar o governo por dentro, já que lutam pela vida contra a ameaça representada pela cobiça dos petistas pelo poder. Ou seja, por precipitação e erros de avaliação, Lula pode ter sepultado a CPMF. E, sem a CPMF, Lula pode ter sepultado suas pretensões continuistas.

Fonte http://www.diegocasagrande.com.br