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sexta-feira, 18 de março de 2011

Nas mãos de Fux, o país que nos permitirão ser
Caberá ao novo ministro do STF definir o futuro da Lei da Ficha Limpa. O que está em jogo não é a sorte de um punhado de políticos de péssima reputação, mas as chances de o Brasil se transformar em uma nação que respeite a si mesma.


Como você que lê estas mal digitadas sabe melhor do que eu, o sistema político brasileiro permite que gente barra pesadíssima permaneça anos e anos a fio montada em apetitosos cargos eletivos. Principalmente quando essas pessoas têm uma boa retaguarda, isto é, grana, os melhores advogados, sobrenomes importantes, influência na administração pública e, às vezes, impérios de comunicação. As distorções do sistema se realimentam. O poderoso fica mais poderoso, o abusado mais descarado, e o privilegiado torna-se intocável.
 
Poder e patifaria têm se misturado com tanta frequência no Brasil que muitos eleitores perderam a crença na possibilidade de se fazer política no país com o mínimo de dignidade. Mesmo os mais céticos, porém, sentiram no cangote um sopro de ânimo em junho do ano passado, quando entrou em vigor a Lei Complementar 135, mais conhecida como Lei da Ficha Limpa (veja a íntegra)
Ela nada mais fez do que estabelecer os critérios para aplicar uma regra que constava há 16 anos da Constituição Federal (artigo 14, parágrafo 9º), a de que a “probidade administrativa” e a “moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato”, deveriam ser protegidas na definição dos casos de inelegibilidade de candidatos. Trata-se, portanto, de um mandamento constitucional, que tem por finalidade garantir a lisura do processo eleitoral.

O projeto de lei, nascido de uma campanha popular, tinha como pressuposto uma ideia facilmente compreensível: se é preciso ter bons antecedentes (muitas vezes sujeitos à comprovação por certidão negativa) para obter uma colocação no setor privado ou assumir o mais modesto dos cargos públicos, não se pode exigir menos de quem deseja definir os destinos da nação, no Executivo ou no Legislativo. Por isso, ficariam proibidos de se candidatar aqueles com condenação em órgãos colegiados da Justiça, quem renunciou para evitar responder a processo de cassação de mandato, administradores com contas rejeitadas pelos tribunais de contas etc.

A aprovação da Lei da Ficha Limpa, por um Congresso de péssima imagem e necessitado de fazer agrados à opinião pública em ano eleitoral, contrariou as previsões de nove entre dez analistas políticos. Uma vez editada a lei, as especulações predominantes eram de que a Justiça não a declararia válida. Outro palpite furado. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), formou-se ampla maioria em favor da aplicação imediata da lei.
 
No Supremo Tribunal Federal, a primeira tentativa de resolver a questão bateu na trave. 5 a 5. O presidente da corte, Cezar Peluso, complicou as coisas ao deixar de usar as duas ferramentas de que dispunha: desempatar a votação ou declarar, nos termos do regimento do STF, que a decisão do TSE prevaleceria por não ter se alcançado no Supremo a maioria necessária (de seis ministros) para derrubá-la.
 
Foi um mau momento do Supremo. As eleições do ano passado foram realizadas sem que se conhecessem as regras válidas para registro de candidaturas, situação que levou o Congresso em Foco a lançar um abaixo-assinado digital para cobrar uma definição sobre o assunto.  
De certa forma, essa decisão veio quando o STF considerou inelegível o senador eleito pelo Pará Jader Barbalho. Mas a deliberação decorreu da mera aplicação de procedimentos regimentais, mantendo-se no mérito o empate de 5 a 5. Metade entendeu, e entende, que a Lei da Ficha Limpa só deveria ser aplicada a partir das eleições municipais de 2012. A outra metade, que ela deveria valer para as eleições do ano passado.

Sobram argumentos constitucionais e jurídicos, extremamente sólidos, favoráveis à imediata aplicação da lei. Não tratarei disso aqui. Se você quiser ir fundo no exame desse lado da questão, veja no You Tube os votos dos ministros Carlos Ayres Britto e Ellen Gracie

Incrível é que, quase seis meses depois das eleições, a polêmica não acabou, e... pior... há chances de retrocesso. Para isso, bastará que o 11º ministro do STF, o recém-empossado Luiz Fux, resolva acompanhar Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Peluso, Celso de Mello e José Dias Toffoli, liberando as porteiras para os candidatos das eleições passadas questionados em razão da Lei da Ficha Limpa. Nessa hipótese, o próprio Jader poderia reclamar o mandato de senador.

Um cenário desse tipo carimbaria, mais uma vez, o Brasil como terra das insanidades burocráticas e da insegurança jurídica. Mas provocaria dois danos ainda mais graves. Frustraria, de modo implacável, a vontade popular, e nos deixaria mais longe de aprimorar um sistema político hoje em séria necessidade de transformação. A Lei da Ficha Limpa não acaba, nem acabará, com os políticos desonestos. Impõe apenas alguns freios, que representam um passo fundamental no aperfeiçoamento da nossa democracia. 

Bloquear ou retardar esse avanço, decisão que o Supremo largou nas mãos do ministro Fux, terá grande impacto no Brasil que poderemos ser nos próximos anos. Dependendo dela, ou tomaremos a estrada de um país em mudança, que valoriza as aspirações da sua gente e ousa desafiar o dragão da corrupção, ou seguiremos o rumo da nação dominada por tecnicalidades e formalismos jurídicos que nos empurram de volta à mediocridade de um sistema político deformado. 

Quando se fala do futuro da Lei da Ficha Limpa, pois, o que está em jogo não é a sorte de um punhado de políticos de péssima reputação, mas as chances de o Brasil se transformar em uma nação que se dê ao respeito.


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Você não vai acreditar, mas 17 dos 24 deputados distritais de Brasília declararam apoio à campanha criada para tirar deles o direito a 14º e 15º salários. O tema foi tratado aqui em coluna anterior. Para ver a opinião de cada deputado, CLIQUE AQUI.

* Jornalista, criou e dirige o site Congresso em Foco. Mais informações na seção Quem somos.