Marcos Aguinis: “Cristina Kirchner é uma atriz”
O escritor e ensaísta argentino, de 77 anos, publicou, entre vários livros, "Pobre patria mia", que chama de “um panfleto” sobre a Argentina kirchnerista. Aguinis conversou com ÉPOCA num café tradicional, o Tabac, no bairro de Palermo em Buenos Aires
ÉPOCA – Cristina Kirchner é uma presidente do povo?
Marcos Aguinis – (Gargalhadas) Ai, ai, ai... Cristina é carismática. É uma atriz. Ela está falando, quase chorando, e, de repente, muda o semblante e grita para um cinegrafista, “corré la câmera!” (abaixa a câmera). Tinha se irritado porque a câmera impedia que os de trás a vissem. Acho que Cristina tem algum problema psicológico grave. Age como maníaco-depressiva. De repente, fica louca, perde o controle.
ÉPOCA – Por que os argentinos, considerados cultos, num país quase sem analfabetos, se deixam seduzir por governantes populistas e autoritários?
Aguinis – Sabemos que as chamadas massas podem ser alienadas. A Alemanha era o país mais culto da Europa quando surgiu o nazismo. Mais escritores, mais músicos, mais compositores, mais artistas do que qualquer outro país europeu. Como 95% deles seguiram um cabo louco e medíocre como Hitler? A psicologia das massas foi muito idealizada, como se representassem sempre os oprimidos, as vítimas. Mas as massas atrofiam a maior conquista do homem, que é a individualidade. No mundo, somos bilhões de seres humanos, todos diferentes. A massa se converte em um corpo homogêneo, uniforme, uma ‘massa’ como diz o nome, e segue um líder. Os pássaros voam em triângulo. Se morre o que está na frente, outro vem, substitui. Se ele se equivoca e vai para uma tempestade, todos morrem ali. Isso acontece com os cardumes de peixes, com as manadas de ovelhas. A massa é um retrocesso psicológico do homem. Na massa, não se pensa. Se grita e se obedece.
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ÉPOCA – Na Argentina, o culto à pátria é especialmente forte. Por quê?
Aguinis – O nacionalismo é um elemento decisivo para alienar as pessoas. A mesma paixão que se tem por um time de futebol. Ama-se o país assim, não de uma maneira consciente, em que se possa fazer uma crítica. É um amor irracional. Quando a Argentina foi para a Guerra das Malvinas, foi um disparate, todos saíram às ruas para gritar pelos militares. Três dias antes, o ditador militar Leopoldo Galtieri tinha reprimido brutalmente uma manifestação popular. Mesmo assim, todos se esqueceram e foram para a rua aplaudir a guerra. Foi o nacionalismo que deu lugar ao fascismo, ao nazismo e ao stalinismo, que pregava o internacionalismo para ser menos burguês.
ÉPOCA – Qual o segredo da sobrevivência do peronismo?
Aguinis – Aqui na Argentina temos uma enfermidade da qual o Brasil se salvou. O Brasil teve um movimento nacionalista muito forte com Getúlio Vargas e se acabou ali. Perón converteu-se numa vítima. Tanto Perón quanto Evita morreram sofrendo. O peronismo não é uma ideologia clara e abriga tanto nacionalistas de esquerda quanto os nazidireitistas. A esquerda nunca conseguiu dominar o peronismo. Nos anos 1970, os montoneros (guerrilha de esquerda) não conseguiram se impor. Perón era mais de direita que de esquerda. ‘Estúpidos e imberbes’ – assim Perón chamava a juventude montonera. Por isso acabamos tendo a AAA, Aliança Anticomunista Argentina, uma espécie de esquadrão da morte paramilitar. Matava-se na rua. Como a Gestapo. Isso facilitou o golpe militar. Os sindicatos na Argentina são sempre de direita, usam uma linguagem de esquerda, mas são direitistas. Chegamos à sofisticação de criar o Entrismo – é preciso entrar no peronismo para dominar o país.
ÉPOCA – Mas existe hoje uma cisão importante na Argentina. Cristina é tão amada quanto odiada.Aguinis – O peronismo está dividido, como sempre esteve. Tivemos duas fases, com e sem Isabelita (a terceira e última mulher de Perón). Depois, com Menem, tivemos o peronismo liberal, de direita. Os montoneros ainda sentem muito ódio, por toda a perseguição sofrida. Os militares na Argentina estão totalmente desacreditados, perdidos, subjugados. Como a situação está muito difícil agora para Cristina, ela se reuniu em julho com os militares e pela primeira vez aumentou seus soldos. Tenta uma aproximação para fortalecer os militares e cooptá-los como aliados. Chávez, na Venezuela, tem os militares na mão por ser ele próprio um tenente-coronel. Na Argentina, os tanques não podem sair às ruas porque não têm nem gasolina para isso.
ÉPOCA – O senhor acha que Cristina tentará ser reeleita para um terceiro mandato?
Aguinis – Cristina não vai conseguir mudar a Constituição para tentar a re-reeleição. Ela tem maioria no Congresso, mas já há muita revolta latente. Dentro do próprio kirchnerismo há insatisfação. Os aliados de Néstor, que morreu em 2010, foram colocados à margem por ela. Dividir para reinar já era uma filosofia de seu marido. Fragmentar os partidos, dividir a sociedade, fomentar ódios. Ódios à imprensa, à Igreja, aos sindicatos. Não há setor que não tenha sido atacado. Neste momento, o ódio é tão profundo que fica difícil chegar a um acordo. Há famílias que pararam de se reunir porque não podem comer tranquilas. Quando começam a falar de política há brigas à mesa.
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ÉPOCA – Alguns oposicionistas sugerem que a Argentina deixe de usar o conceito de ‘pueblo’, por tudo que já se errou em nome do povo, e passe a adotar ‘gente’, um substantivo mais neutro politicamente.
Aguinis – O ‘pueblo’ tem realmente uma conotação histórica, sagrada, idealizada. A classe média não é ‘povão’, o médico e o jornalista tampouco. Mas seria uma medida cosmética. A cultura não impede a alienação. Mais forte que a razão é a emoção em nosso país. A Argentina não evolui, a Argentina se repete. Com o detalhe de que estamos sempre pior do que antes. Na educação, por exemplo. A Argentina estava muito à frente do Brasil. Agora, está atrás do Haiti. Isso é terrível. Os estudantes param por qualquer coisa. Desde nossa primeira universidade, em Córdoba, em 1870, a Argentina desenvolveu uma política de estado admirável, na educação e na cultura. Eu tinha companheiros que vinham da Espanha, do México, da Colômbia, da Costa Rica para estudar, pesquisar e trabalhar na Argentina. Eram os melhores. Hoje, estudantes do ensino secundário fazem greve porque querem um bar grátis no colégio.
ÉPOCA – Quais são as principais críticas feitas aos Kirchner?
Aguinis – Os Kirchners são ladrões, sem sensibilidade social. Cristina diz que é advogada formada. Os documentos da universidade de La Plata desapareceram. Ela nunca mostrou o diploma. Na província de Santa Cruz, no sul do país, os dois tinham um escritório, mas ela nunca participou sequer de nenhuma associação de advogados. É uma mentirosa. Como advogados, trabalhavam para os montoneros. Quando veio o golpe militar, enriqueceram com hipotecas, tiravam propriedades dos pobres. E daí começou o enriquecimento do casal. Néstor candidatou-se a prefeito e depois a governador. Cada vez mais roubava e enriquecia. Os rumores são de que mandaram para a Suíça 650 milhões de dólares em nome de Néstor, dos quais ninguém fala mais. Porque a fortuna declarada já é inexplicável. Quando houve a crise econômica, com desemprego e inflação, em 2001, com Eduardo Duhalde no poder, Néstor disse a ele: eu tenho dinheiro para colocar na campanha. Foi assim que acabou presidente, mas com apenas 22% dos votos. Perdeu o ministro da Economia porque maltratava seus assessores. Ele se divertia jogando água na cara de quem ele pegasse dormindo.
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ÉPOCA – Cristina é melhor que Néstor na presidência?
Aguinis – Sofre da mesma soberba. Ela parece ser um pouco mais inteligente que Néstor, mas politicamente é menos hábil, por ser fanática. Uma vez um assessor falou: “Eu queria dizer uma coisa à presidenta”. Ela respondeu: “À presidenta não se diz nada. Se escuta”. Ela nunca dá entrevistas. Faz sermões. Em público e na televisão.
ÉPOCA – E o que faz a oposição?
Aguinis – O cúmulo é que a oposição não está unida. O futuro da Argentina vai ser decidido, infelizmente, dentro do peronismo. Como se passou na China e na União Soviética. Países autoritários e ditatoriais se resolvem com sua própria gente. É o seu projeto para não sair do poder. Jovens desempregados são cooptados porque recebem um soldo do governo e se tornam leais a Cristina. Protestos contra ela são sempre considerados ilegítimos. Na Argentina há indivíduos muito capazes, cientistas, intelectuais, mas como classe política estamos piores. Porque a política foi desacreditada. Ser político aqui é ser sinônimo de ser ladrão, corrupto. Não é como há 60 anos, quando tínhamos políticos com nobreza de espírito.
ÉPOCA – O governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, é um possível futuro presidente?
Aguinis – Scioli era iatista e perdeu o braço direito num acidente no mar. É criticado por se deixar humilhar publicamente por Cristina, chamado de inútil. O maior problema de Cristina agora com Scioli foi ele ter declarado recentemente que disputaria a Presidência se Cristina não quisesse concorrer a um terceiro mandato em 2015. Tudo no condicional. Como essa declaração abria a possibilidade de não haver reeleição, é como se ele a tivesse traído. E isso Cristina não tolera. O espírito conciliador de Scioli a irrita. E ele acaba aceitando tudo. Cristina reparte o dinheiro entre as províncias, mas não de acordo com a importância de cada uma e sim com o apoio que cada governador lhe dá. Como se fosse uma rainha. Em Buenos Aires está 40% da população do país. E o governador fica sem dinheiro para pagar o 13º salário dos servidores. Cristina força Scioli a aumentar os impostos para se tornar impopular. Cristina só premia os submissos, e faz o mesmo com a imprensa. O jornal Página 12 tem uma venda muito pequena, mas recebe muito do governo por ser submisso.
ÉPOCA – Se houvesse uma eleição hoje, Cristina seria reeleita?
Aguinis – Não acredito. Ela jamais teria novamente os 54% da última eleição. No país, há sólidos 30% de peronistas e cristinistas. Mas hoje, Cristina enfrenta no mínimo 65% de antagonismo. Os cristinistas também começam a ter dúvidas. Porque ela demonstrou não ser leal com ninguém. Se não gosta de quem está a seu lado, expulsa. Despreza, maltrata. Hoje, quem sente o maior medo dela, terror, é sua tropa leal. Eu tenho menos medo de Cristina do que um ministro da presidenta. Eles não se animam a abrir a boca. Estão incomodados. E a classe média está sufocada com a política econômica de Cristina. Os níveis de inflação subiram, estão a quase 30% ao ano, mas são maquiados pelo governo. O desemprego começa a voltar e muita gente está comprando apartamentos no Uruguai porque tem medo de perder toda a sua poupança.
ÉPOCA – O senhor teme uma “chavização” da Argentina?
Aguinis – Cristina já segue hoje o modelo de Chávez, da Venezuela. A diferença é que Chávez é militar. Toda a alta ala de militares na Venezuela é corrupta e chavista. Isso lhe dá muito poder. A ponto de cometer erros gravíssimos como apoiar o Irã. A Venezuela tenta criar uma aliança marxista teocrática medieval. O poder de Cristina é menor que o de Chávez. Para reformar a Carta, é preciso convocar uma Assembleia Constituinte. Ela não vai ganhar a maioria. Acho muito difícil que seja aprovado um terceiro mandato.
ÉPOCA – O discurso de Cristina mantém um apelo forte entre os desassistidos, os mais carentes?
Aguinis – Começa a faltar dinheiro para os programas assistencialistas e isso é ruim para ela. Mas sua retórica é e será sempre populista. Qual é sua bandeira em 2012? “Ahora, vamos por todo” (agora, vamos por tudo). O que significa isso? Tudo é tudo, justiça, sindicatos, universidades, cultura, comércio. É uma palavra que dá lugar a outra, terrível: o totalitarismo. Vivemos isso na ditadura militar. Eles nos tiraram tudo. E não tinham que dar explicação a ninguém. Não é modelo para uma democracia. Seria melhor apontar caminhos. Vamos por uma melhor educação, vamos lutar contra a pobreza. Vamos aumentar os investimentos. Vamos diminuir a violência e a insegurança. ‘Vamos por tudo’ é um slogan primário, totalitário e falso.
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