O silêncio de Lula
Ao escolher candidatos sem consulta à direção partidária, ele
transformou o PT em instrumento de vontade pessoal
Na história republicana brasileira, não houve político mais influente do
que Luiz Inácio Lula da Silva. Sua exitosa carreira percorreu o regime militar,
passando da distensão à abertura. Esteve presente na Campanha das Diretas.
Negou apoio a Tancredo Neves, que sepultou o regime militar, e participou,
desde 1989, de todas as campanhas presidenciais.
Quando, no futuro, um pesquisador se debruçar sobre a história política
do Brasil dos últimos 40 anos, lá encontrará como participante mais ativo o
ex-presidente Lula. E poderá ter a difícil tarefa de explicar as razões desta
presença, seu significado histórico e de como o país perdeu lideranças
políticas sem conseguir renová-las.
Lula, com seu estilo peculiar de fazer política, por onde passou deixou
um rastro de destruição. No sindicalismo acabou sufocando a emergência de
autênticas lideranças. Ou elas se submetiam ao seu comando ou seriam
destruídas. E este método foi utilizado contra adversários no mundo sindical e
também aos que se submeteram ao seu jugo na Central Única dos Trabalhadores. O
objetivo era impedir que florescessem lideranças independentes da sua vontade
pessoal. Todos os líderes da CUT acabaram tendo de aceitar seu comando para
sobreviver no mundo sindical, receberam prebendas e caminharam para o ocaso.
Hoje não há na CUT — e em nenhuma outra central sindical — sindicalista algum
com vida própria.
No Partido dos Trabalhadores — e que para os padrões partidários
brasileiros já tem uma longa existência —, após três decênios, não há nenhum
quadro que possa se transformar em referência para os petistas. Todos aqueles
que se opuseram ao domínio lulista acabaram tendo de sair do partido ou se
sujeitaram a meros estafetas.
Lula humilhou diversas lideranças históricas do PT. Quando iniciou o
processo de escolher candidatos sem nenhuma consulta à direção partidária, os
chamados “postes”, transformou o partido em instrumento da sua vontade pessoal,
imperial, absolutista. Não era um meio de renovar lideranças. Não. Era uma
estratégia de impedir que outras lideranças pudessem ter vida própria, o que,
para ele, era inadmissível.
Os “postes” foram um fracasso administrativo. Como não lembrar Fernando
Haddad, o “prefeito suvinil”, aquele que descobriu uma nova forma de solucionar
os graves problemas de mobilidade urbana: basta pintar o asfalto que tudo
estará magicamente resolvido. Sem talento, disposição para o trabalho e conhecimento
da função, o prefeito já é um dos piores da história da cidade, rivalizando em
impopularidade com o finado Celso Pitta.
Mas o símbolo maior do fracasso dos “postes” é a presidente Dilma
Rousseff. Seu quadriênio presidencial está entre os piores da nossa história.
Não deixou marca positiva em nenhum setor. Paralisou o país. Desmoralizou ainda
mais a gestão pública com ministros indicados por partidos da base congressual
— e aceitos por ela —, muitos deles acusados de graves irregularidades. Não conseguiu
dar viabilidade a nenhum programa governamental e desacelerou o crescimento
econômico por absoluta incompetência gerencial.
Lula poderia ter reconhecido o erro da indicação de Dilma e lançado à
sucessão um novo quadro petista. Mas quem? Qual líder partidário de destacou
nos últimos 12 anos? Qual ministro fez uma administração que pudesse servir de
referência? Sem Dilma só havia uma opção: ele próprio. Contudo, impedir a
presidente de ser novamente candidata seria admitir que a “sua” escolha tinha
sido equivocada. E o oráculo de São Bernardo do Campo não erra.
A pobreza política brasileira deu um protagonismo a Lula que ele nunca
mereceu. Importantes líderes políticos optaram pela subserviência ou discreta
colaboração com ele, sem ter a coragem de enfrentá-lo. Seus aliados receberam
generosas compensações. Seus opositores, a maioria deles, buscaram algum tipo
de composição, evitando a todo custo o enfrentamento. Desta forma, foram
diluindo as contradições e destruindo o mundo da política.
Na campanha presidencial de 2010, com todos os seus equívocos, 44% dos
eleitores sufragaram, no segundo turno, o candidato oposicionista. Havia
possibilidade de vencer mas a opção foi pela zona de conforto, trocando o
Palácio do Planalto pelo controle de alguns governos estaduais.
Se em 2010 Lula teve um papel central na eleição de Dilma, agora o que
assistimos é uma discreta participação, silenciosa, evitando exposição pública,
contato com os jornalistas e — principalmente — associar sua figura à da
presidente. Espertamente identificou a possibilidade de uma derrota e não
deseja ser responsabilizado. Mais ainda: em caso de fracasso, a culpa deve ser
atribuída a Dilma e, especialmente, à sua equipe econômica.
Lula já começa a preparar o novo figurino: o do criador que, apesar de
todos os esforços, não conseguiu orientar devidamente a criatura, resistente
aos seus conselhos. A derrota de Lula será atribuída a Dilma, que,
obedientemente, aceitará a fúria do seu criador. Afinal, se não fosse ele, que
papel ela teria na política brasileira?
O PT caminha para a derrota. Mais ainda: caminha para o ocaso. Não
conseguirá sobreviver sem estar no aparelho de Estado. Foram 12 anos se
locupletando. A derrota petista — e, mais ainda, a derrota de Lula — poderá
permitir que o país retome seu rumo. E no futuro os historiadores vão ter muito
trabalho para explicar um fato sem paralelo na nossa história: como o Brasil se
submeteu durante tantos anos à vontade pessoal de Luiz Inácio Lula da Silva.
Marco Antonio Villa é historiador