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sexta-feira, 27 de junho de 2014

APRENDA A SE DEFENDER VOTANDO

VOTAR


Texto de Raquel de Queiroz -Revista O Cruzeiro - 11/01/1947


“Não sei se vocês têm meditado como devem no funcionamento do complexo

maquinismo político que se chama govêrno democrático, ou govêrno do povo. Em

política a gente se desabitua de tomar as palavras no seu sentido imediato. No

entanto, talvez não exista, mais do que esta, expressão nenhuma nas línguas vivas que

deva ser tomada no seu sentido mais literal: govêrno do povo. Porque, numa

democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVÊRNO.

Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de

obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de

maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão

governar pro determinado prazo de tempo.

Escolhem-se pelo voto aquêles que vão modificar as leis velhas e fazer leis novas – e

quão profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e nos

pode tirar tudo, até o ar que se respira e a luz que nos alumia, até os sete palmos de

Escolhemos igualmente pelo voto aquêles que nos vão cobrar impostos e, pior ainda,

aquêles que irão estipular a quantidade dêsses impostos. Vejam como é grave a

escolha dêsses “cobradores”. Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos

chupar a última gôta de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bôlso.

E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só aquêles que vão receber,

guardar e gerir a fazenda pública, mas também se escolhem aquêles que vão “fabricar”

o dinheiro. Esta é uma das missões mais delicadas que os votantes confiam aos seus

escolhidos. Pois se a função emissora cai em mãos desonestas, é o mesmo que ficar o

país entregue a uma quadrilha de falsários. Êles desandam a emitir sem conta nem

limite, o dinheiro se multiplica tanto que vira papel sujo, e o que ontem valia mil, hoje

Não preciso explicar muito êste capítulo, já que nós ainda nadamos em plena inflação

e sabemos à custa da nossa fome o que é ter moedeiros falsos no poder. (E pensar que

Escolhem-se nas eleições aquêles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e

presidir a existência de todo o organismo burocrático.

E, circunstância mais grave e digna de todo o interêsse: dá-se aos representantes do

povo que exercem o poder executivo o comando de tôdas as fôrças armadas: o

exército, a marinha, a aviação, as polícias.

E assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um voto para o Sr. Fulaninho

que lhes fêz um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem tanta vontade de ser governador,

coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável, parou o automóvel, lhes deu uma

carona e depois solicitou o seu sufrágio – lembrem-se de que não vão proporcionar a

êsses sujeitos um simples emprêgo bem remunerado. Vâo lhes entregar um poder

enorme e temeroso, vão fazê-los reis; vão lhes dar soldados para êles comandarem – e

soldados são homens cuja principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes

que lhe dá o povo. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos,

passando-lhes procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fôssem.

Entregamos a êsses homens tanques, metralhadoras, canhões, granadas, aviões,

submarinos, navios de guerra – e a flor da nossa mocidade, a êles prêsa por um

juramento de fidelidade. E tudo isso pode se virar contra nós e nos destruir, como o

mostro Frankenstein se virou contra o seu amo e criador.

Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é assunto indiferente, é

questão pessoal, e quanto! Escolham com calma, pesem e meçam os candidatos, com

muito mais paciência e desconfiança do que se estivessem escolhendo uma noiva.

Porque, afinal, a mulher quando é ruim, dá-se uma surra, devolve-se ao pai, pede-se

desquite. E o govêrno, quando é ruim, êle é que nos dá a surra, êle é que nos põe na

rua, tira o último pedaço de pão da bôca dos nossos filhos e nos faz apodrecer na

cadeia. E quando a gente não se conforma, nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a

E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito

honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se

sofrer pressão de algum poderoso para sufragar êste ou aquêle candidato, não se

preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à

sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto.

Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem mêdo de dizer não, diga sim. O crime não é

seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção

eleitoral, você depende e tem mêdo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE

INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à fôrça, e escute

apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca,

De 1947 para cá o Brasil não mudou, nós não mudamos. Apenas nossos problemas

ficaram mais graves, nossas responsabilidades mais sérias. E então, como agora, só

uma coisa quero acentuar: Sim, dentro da cabine indevassável, não se esqueça de

OBS: as palavras estão grafadas da forma como se escrevia à época.