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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

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segunda-feira, 9 de dezembro de 2013


Soldados que defendem fronteiras da Amazônia vivem na 'idade da pedra'

                                                                                  

G1 visitou seis das 24 bases do Exército na divisa da selva com 5 países. Vigilância militar é diária para reprimir crimes e tráfico de armas e drogas. Tahiane Stochero


Do G1, em Amazonas e Roraima
                                                                                          



Vinte minutos para abrir uma página na internet. Racionamento de energia elétrica, provida por até 16 horas diárias por um gerador. Sinal de celular, nem pensar. Telefonia fixa? Apenas um orelhão. Água da chuva para beber e água do rio para tomar banho, lavar roupa e louça. Abastecimento de comida e remédio a cada 30 ou 45 dias, dependendo da disponibilidade de um avião.

Grande parte da Amazônia ainda vive como se estivesse na idade da pedra, pois o poder público não está presente. Quem visita estas unidades volta com um sentimento de indignação”.


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Esta é a realidade dos militares que vivem em bases isoladas nas fronteiras para defender a Amazônia. São 24 pelotões especiais de fronteira (PEF), com efetivo entre 20 e 80 soldados cada um. Eles começaram a ser criados em 1921 nas divisas do Brasil com Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela e Guiana para reprimir narcotráfico, contrabando de armas, biopirataria, exploração ilegal de madeira e minérios, além de impedir invasões estrangeiras.

“Grande parte da Amazônia ainda vive como se estivesse na idade da pedra, pois o poder público não está presente. Quem visita estas unidades volta com um sentimento de indignação”, diz o general Guilherme Theophilo de Oliveira, responsável pela logística nos estados de Rondônia, Acre, Amazonas e Roraima. “Eu não admito hoje, no século XXI, que um pelotão sobreviva da caça e da pesca, como os índios viviam”, afirma.

O G1 visitou seis pelotões, alguns localizados nas tríplices fronteiras, onde os militares vivem em condições piores do que as enfrentadas pelos colegas que vão para a missão de paz no Haiti. Em 2012, em uma série de reportagens sobre a situação de sucateamento do Exército, o G1 mostrou que o país possui munição para se defender por apenas uma hora de guerra e que a Amazônia é preocupação número 1 dos militares.

“Na Amazônia, a logística é uma dificuldade natural, pois os meios de transporte são precários. Não há rodovias e o sistema hidroviário não é equipado para usarmos. Além disso, em grande parte do ano, os rios não são navegáveis. Mas essas dificuldades não nos atrapalham na defesa das fronteiras”, garante o comandante da Amazônia, General Eduardo Villas Boas.Em 16 de novembro, os geradores de dois pelotões pararam ao mesmo tempo, devido ao uso de combustível adulterado. 


O general Theophilo teve que pedir ajuda à FAB que, apesar das restrições de horas de voo, ajudou, em caráter de urgência, a repô-los. A tropa ficou mais de 24 horas sem energia e a carne congelada foi mantida sob gelo. Outros dois pelotões estão com pistas de pouso ruins e curtas demais, sem condições para grandes aeronaves. Por isso, ao invés de 60 homens, apenas 17 são mantidos no local. Familiares que viviam com eles foram retirados.


Nos últimos 10 anos, a percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) investido em defesa gira em torno de 1,5%, segundo números do Ministério da Defesa. Em 2013, o orçamento aprovado foi de R$ 64,9 bilhões – sendo R$ 46,332 bilhões para pessoal e encargos sociais e outros R$ 18,635 bilhões para custeio e investimento. Contudo, houve contingenciamento de recursos. 


Desde 2010, este bloqueio vem atingindo altos patares, chegando a até 22% do total. Para 2014, o Projeto de Lei Orçamentária prevê a destinação de R$ 72,8 bilhões, sendo 68,6% para despesas com pessoal e R$ 16,2 bilhões para custeio e investimento. Os comandantes das Forças Armadas reclamam, porém, que a verba é insuficiente e seria necessário quase o dobro – R$ 29,8 bilhões para atender às ideias da Estratégia Nacional de Defesa, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 1998 e ajustada ano a ano.


A Estratégia Nacional de Defesa, que ainda caminha devagar e pouco saiu do papel, prevê o Brasil com capacidade para controlar todo o espaço aéreo, marítimo e os 17 mil kms de divisas terrestres com 10 países até 2030, em busca de um assento no Conselho de Segurança da ONU. Um dos projetos do documento é o “Sistema de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron)”, que pretende vigiar com radares e sensores os 17 mil quilômetros de divisas com 10 países ao custo de R$ 12 bilhões até 2030. A iniciativa começou a ser implantada no Centro-Oeste em 2013 e chegará em 2014 ao Acre e a Rondônia.
                                                                                         



Dinheiro, pra quê?

Devido a restrições orçamentárias, a Aeronáutica faz só uma viagem por mês a cada unidade. Quem precisa sair de férias ou precisa de algo da cidade, como medicamento, tem que esperar o próximo avião chegar. Por estarem na fronteira, os soldados recebem um adicional de 20% no salário, que é guardado ou serve para ajudar a família. De 24 pelotões, apenas 13 possuem terminais do Banco do Brasil, mas em só 1 ele está ativo. O dinheiro fica na carteira. Até porque não há nenhum bar, farmácia ou loja por perto na selva.


Em Boa Vista, o avião que apoia 6 pelotões de Roraima teve um problema e permaneceu parado para manutenção por mais de uma semana. “Reduzi o efetivo e tirei os familiares de pelotões onde a pista está com problema, pois não temos condições de mandar comida para todos. Ao invés de pousar um avião capaz de levar 6 ou 7 toneladas, a FAB só pode operar com aeronaves menores, que levam até 600 quilos”, avalia o general Theopilo.

Só neste ano o Exército conseguiu fazer um levantamento da infraestrutura disponível em cada um dos 24 pelotões da Amazônia: no total, há 38 geradores, mas menos da metade (16) está disponível para uso. Eles são de 13 marcas diferentes, o que dificulta a manutenção.

Uma empresa colocou sistemas de internet em 23 deles – mas em apenas 7 está operando. Há 20 anos, 6 pequenas centrais hidrelétricas foram instaladas em 6 pelotões, mas, distantes das bases, foram inutilizados devido às dificuldades de apoio e o alto custo de manutenção. A ideia do general Theophilo é repassá-las agora para concessionárias estaduais.


Os investimentos nos pelotões são feitos pelo programa Calha Norte do governo federal, que busca habitar áreas remotas do Norte do país para garantir soberania. Em 2012, o programa recebeu R$ 72 milhões para pequenos investimentos e resolver problemas pontuais, como goteiras e remendos. Contudo, até dezembro, apenas 80% dos recursos havia sido liberado. E a estimativa é que seria necessário ao menos R$ 150 milhões anuais só para manter o que existe.

Atualmente, o Exército possui 12 helicópteros em Manaus, como o Black Hawk e o Cougar, mas eles são usados apenas em operações e não para logística (como distribuição de comida), devido ao alto custo da hora de voo, que chega a US$ 4.500 (R$ 10.620). Segundo o general Villas Boas, a partir de 2014 chegarão a Amazonas 8 novos helicópteros franceses de maior capacidade e também balsas, que serão usadas para apoiar as tropas isoladas. Em 2013, duas lanchas blindadas foram compradas da Colômbia, mas nem começaram a ser usadas nas fronteiras.
                                                                                    



Histórico de confrontos Apesar das dificuldades, as histórias de confrontos com guerrilheiros, traficantes ou criminosos na Amazônia rodam de boca em boca entre os soldados. O temor de reações às tropas, que param todas as embarcações que passam pelos rios nas divisas, é real.

O maior confrono ocorreu em 1991, quando integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) atacaram o pelotão Traíra, matando três militares brasileiros, ferindo outros 29 e roubando armas e munições. Na ocasião, o então presidente Fernando Collor autorizou uma retaliação, e os militares fizeram uma operação na Colômbia para tentar recuperar o material levado.

Depois disso, outros dois incidentes ocorreram, ambos em pelotões visitados pelo G1: em 2002, o Exército matou guerrilheiros que navegavam pelo Rio Japurá, perto do pelotão de Vila Bittencourt, onde 49 soldados guardam a divisa com a Colômbia.

Com cerca de 200 moradores e localizada a cerca de 1.498 km de Manaus, o único acesso à comunidade é por avião: leva-se uma hora de voo a partir de Tabatinga, cidade amazonense que faz fronteira com a colombiana Letícia. Lá, o único orelhão não funciona e a população usa a internet da base militar com banda de 64 Kbps (kilobits por segundo). Para se ter uma ideia, é considerada banda larga web com velocidade de transmissão de dados ao menos quatro vezes superior, de 256 Kbps.

“Temos só dois caixas eletrônicos aqui, do Banco do Brasil, que foram instalados em 2009. Nenhum deles têm dinheiro para sacar. Só é possível fazer transferência em um deles, porque o tenente deu um jeito nisso”, afirma a professora Maria do Socorro, de 50 anos. Os caixas ficam dentro da academia dos soldados.

O tenente Éricson Maciel, comandante do pelotão do Exército, é a única autoridade no local. “A maior dificuldade aqui é logística. Estamos distantes de tudo, a 50 minutos de voo de Tabatinga ou 8 horas de rio da primeira cidade. O rio é cheio de pedras, com cachoeiras, é complicado navegar. Só recebemos comida para a tropa, mas por vezes precisamos apoiar a população. Água para a comunidade somos nós que fornecemos, porque tiramos do rio e não existe tratamento. Para beber, é da chuva (tratada com hipoclorito de sódio). A própria natureza já toma conta disso”, afirma o tenente.

Outro confronto lembrado pelas tropas brasileiras na Amazônia ocorreu em 2006, segundo o tenente David Dias, que comanda o pelotão de Cucuí, à beira do Rio Negro, e na tríplice fronteira do Brasil com a Venezuela e Colômbia. Na época, o oficial que comandava a base militar no local teve a iniciativa de atacar uma embarcação com criminosos que estavam trazendo droga para o Brasil, matando alguns suspeitos.


O pelotão de Cucuí é o mais vigiado de todas as visitadas pela reportagem: canhões de luz ficam postados nas margens e seis soldados e um sargento ficam de prontidão 24 horas fortemente armados. Um deles leva uma submetralhadora.

“Aqui, nossa missão é difícil, combatemos transporte de ilícitos, como contrabando de animais silvestres, armas e drogas. Toda embarcação é obrigada a parar para ser revistada. Quem descumprir a ordem, vamos atrás ou avisamos as tropas localizadas em bases mais à frente para tentar para-los”, explica o tenente Dias.

O isolamento em Cucuí é enorme e é preciso uma verdadeira maratona para chegar na base militar: de São Gabriel da Cachoeira, cidade de 36 mil habitantes localizada na tríplice fronteira, são mais 30 minutos de voo. Avista-se, aberta em uma clareira no meio da selva, uma pista de asfalto ruim, esburacada, não sinalizada e curta – cerca de 800 metros – onde só aviões da Aeronáutica conseguem pousar. De lá, mais um quilômetro de caminhada na mata fechada para, enfim, chegar à beira do rio e embarcar em uma voadeira – um pequeno barco de madeira movido a motor a diesel.


Uma antiga ponte, que ligava uma estrada de chão à comunidade, foi incendiada pelos índios em 2010, após a morte de um deles acidente ao cair da ponte. Desde então, a área, que chegou a ter até 5 mil moradores, viu a população diminuindo aos poucos: hoje menos de 800 pessoas. A única rodovia que permitiria o acesso a Cucuí, a BR-307, foi planejada durante o regime militar e ficou pela metade, por incluir áreas indígenas e de conservação ambiental.

Em julho, um homem foi preso e outro morto após troca de tiros com agentes da Polícia Federal no rio Solimões. Com eles, havia drogas, armas e munição. A mesma lancha havia escapado de uma abordagem em maio, após tiroteio. Histórias semelhantes são ouvidas nos quartéis, mas ninguém confirma datas ou suspeitos mortos.

Em Vila Bittencourt, o soldado Valdecir Curico de Souza, de 26 anos, tem a missão de “dar o primeiro tiro” caso alguma embarcação suspeita não pare ao ser abordada na entrada do Brasil. Ele diz, porém, que o maior perigo não é o criminoso, mas os insetos.
  “Aqui neste pelotão é tranquilo o trabalho. Em algumas outras bases, os insetos atacam o dia inteiro”, diz. “O que precisa melhorar aqui? Muita coisa… o colchão que eu durmo veio há mais de 20 anos e está um buraco só. E a farda já está amarelada, como o senhor pode ver”.