Projeto de Nação x Projeto de Poder (1)
Os oficiais brasileiros que combateram na Segunda Guerra Mundial ao lado das
democracias e contra o totalitarismo nazi-fascista, ao regressarem à Pátria
defrontaram-se com o paradoxo de o nosso país ser governado por regime autoritário,
de inspiração fascista no nascedouro. Logo logo, pois, estavam as Forças
Armadas à frente do movimento pela democratização da vida nacional, do qual
decorreu a queda da ditadura que vigia desde 1937.
Nos corpos de oficiais das Três Forças, na época, residia , também, a nata da
intelectualidade brasileira, o que determinou o surgimento em seu seio de um
ideário que buscava novos, eficazes e eficientes caminhos para a afirmação do
Brasil no cenário internacional e para a concretização do seu destino de
grandeza e de realização do povo, mercê dos portentosos recursos postos à
disposição dos brasileiros pela luta, pela bravura, pelos trabalhos e pelos
sofrimentos dos heroicos ancestrais luso-brasileiros.
A consequência prática dessas ideias foi a criação da Escola Superior de Guerra
- ESG, com a formulação de sua notável Doutrina de Ação Política,
constantemente atualizada e aperfeiçoada durante os anos seguintes e pelos
tempos afora, de acordo com o próprio espírito dinâmico com que foi gerada.
Inédita, criativa, autêntica e profundamente nacional, lastreada em elevados
princípios espirituais, éticos e morais, a Doutrina da ESG transformou-se em
referência para o planejamento da vida nacional e fonte de formação e
aperfeiçoamento dos militares e civis que acudiam, anualmente, aos seus
variados cursos, e passavam a conhecer profundamente o Brasil e seus problemas
e as formas de buscar-lhes e dar-lhes soluções. Como gravado em seus dísticos
característicos: “ UM CORPO E UMA ALMA A SERVIÇO DO BRASIL” e “AQUI SE ESTUDAM
OS DESTINOS DO BRASIL”.
Foi difundida por toda a América do Sul e copiada, adaptada e adotada pelas
escolas de altos estudos estratégicos de todos os seus países, havendo servido,
também, de base doutrinária para o Colégio Interamericano de Defesa, em
Washington, levada pelo então Coronel Meira Matos, quando lá exerceu as funções
de Chefe do Departamento de Estudos.
Formulados didaticamente pela ESG, passaram os Objetivos Nacionais Permanentes
- soberania, integridade do patrimônio nacional, integração nacional,
democracia, progresso, paz social – a orientar todo o esforço de construção
nacional, centrado no fortalecimento do Poder Nacional nas suas expressões,
política, econômica, psicossocial, militar e científico-tecnológica, para garantir
Desenvolvimento e Segurança ao Brasil. Daí decorreram uma Política Nacional e
uma Estratégia Nacional, sempre visando ao bem comum.
A aplicação prática dos conceitos formulados na Doutrina da ESG permitiu que os
governos advindos da Revolução Restauradora de 1964 dessem notável impulso
quantitativo e qualitativo à vida brasileira, elevando nossa economia aos
primeiros postos do mundo e garantindo a prevalência dos valores democráticos
entre nós, num regime forte, porém não totalitário ou arbitrário, que se fizera
necessário para salvar o País da ameaça de domínio pela esquerda extremada, de
inspiração marxista-leninista-maoista-castrista-trotzkista, que apelara à
agitação propagandístico-política e à via armada para a tomada do poder.
O planejamento estratégico integrado, cobrindo todos os campos de atividades e
todas as regiões do Brasil, seguido de adequadas ações de organização,
execução, coordenação e controle permitiram o desenvolvimento, mais que o
crescimento apenas, em todas as expressões do poder nacional e por toda a
parte, melhorando a qualidade de vida dos brasileiros e elevando nossa Nação no
concerto internacional. Foram notáveis os surtos de progresso e de bem-estar
experimentados, num dos índices de desenvolvimento mais importantes da História
humana contemporânea.
Nenhum dos Generais-Presidentes se quis eternizar no poder, sendo seus períodos
de governo constitucionalmente limitados, e generalizada era a honradez na
gestão da coisa pública: nenhum deles enriqueceu no governo, nem havia os
escândalos que se tornaram tão comuns a partir da chamada “democratização”, ao
ponto de hoje serem considerados inevitáveis e normais pelo povo, que foi
perdendo suas referências ético-morais pela intensa lavagem cerebral ideológica
a que vem sendo submetido, principalmente de 1990 para cá.
O ideário do Movimento Salvador de 1964 buscava “debelar a subversão, erradicar
a corrupção e promover o homem comum brasileiro”. Uma vez que foi percebido que
a Nação voltava a trilhar os bons caminhos históricos, que faziam do Brasil o
festejado “país do futuro”, capaz de ver realizados os sonhos de grandeza, paz
e abundância que sempre inspiraram seus melhores filhos, mercê da aplicação
racional dos formidáveis recursos naturais de que é superlativamente dotado, os
últimos Generais-Presidentes resolveram promover a abertura política, com a
chamada “democratização do País”,. Dessa forma, de maneira espontânea e sem
traumas, encerrou-se o chamado “período militar”, com o retorno do governo aos
civis, mediante eleições livres e universais.
Antes de deixarem o governo, e como notável contribuição para a paz social, os
governos militares promoveram a anistia, “ampla, geral e irrestrita”, seguindo
o exemplo magnífico de Caxias, o Pacificador, aplicável a ambos os lados envolvidos
na cruenta luta dos anos anteriores, um defendendo as instituições no campo
democrático e o outro tentando substituí-las por outra ordem, de acordo com sua
inclinação ideológica comunista. Como consequência, muitos antigos
guerrilheiros e terroristas, que se haviam exilado do Brasil, trocados por
diplomatas estrangeiros sequestrados pela esquerda extremada, e líderes
políticos de esquerda puderam regressar ao País e reencetar atividades
políticas, em função do que finalmente puderam ascender aos mais altos postos
da República, nos Três Poderes.
O primeiro Presidente civil a ser eleito, Tancredo Neves, faleceu antes de
assumir, causando ambiente de profunda comoção nacional. Em seu lugar, foi
empossado o Vice-Presidente, José Sarney, extremamente frágil politicamente, já
que o cenário político, na época, era dominado pelo chefe real da oposição e
figura dominante na Assembleia Nacional Constituinte, da qual decorreu a
Constituição de 1988, Ulysses Guimarães. Essa Constituição, parlamentarista no
espírito e bastante influenciada por ideias de revanche e de divisão da
sociedade, tem sido a causa última das graves mazelas que passamos a viver
nacionalmente desde então.
Fraco foi o governo Sarney, com uma inflação galopante, que atingiu píncaros
absolutamente inaceitáveis, que corroía a moeda e vida econômica e social do
Brasil. A percepção de crescentes focos de corrupção no governo e fora dele fez
com que os brasileiros, ainda sensíveis a esse problema naquela quadra,
aceitassem a imagem do “caçador de marajás”, teatralmente assumida pelo
desconhecido candidato Fernando Collor de Mello, que, graças ao surto de
aspiração ético-moral e ao apoio avassalador da mídia, especialmente
televisiva, se alçou a Presidência em 1990. Esse, também, foi o ano fatídico,
em que o Projeto de Nação concebido, formulado, vitalizado e aplicado pelos
“governos militares” passou a ser combatido, vilipendiado, esquecido, sendo
substituído por mero projeto de poder, até hoje e crescentemente em curso, para
tristeza e infelicidade nacionais.
Quem estudar com isenção a História do Brasil, de 1964 a 1984, verá que os
militares intervieram na política, para salvar o Brasil da ameaça de
comunização que sobre ele pairava, de forma perigosa, imediata e real, e
atendendo aos clamores do povo. Os índices de progresso e avanço da vida
nacional, em todos os campos e setores, foram naquele então, e até hoje,
inigualáveis. E havia honradez na gestão da coisa pública. De forma alguma,
éramos, como atualmente, dos mais corruptos países do mundo.
O Brasil se dava ao respeito e era respeitado e ninguém de fora, Estado,
empresa, ONG, se metia em nossos negócios ou atrevia-se a querer dizer o que
devíamos fazer. Éramos uma só grande Nação, soberana, altiva, una e indivisa,
sem fracionamentos e lutas de classes e sociais, exemplo de convivência
fraterna para o mundo. A grande civilização dos trópicos, que cria em seu
radioso futuro, tinha fé, esperança e orgulho de ser Brasil!
Sergio Tasso Vásquez de Aquino,
Vice-Almirante reformado, é membro da Academia Brasileira de Defesa e do
Instituto de Geografia e História Militar do Brasil.