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sábado, 22 de setembro de 2012

LA E CA - OS OBJETIVOS COLIMADOS ESTÃO NO FORO SP


ENTREVISTA - 21/09/2012 22h52 - Atualizado em 23/09/2012 16;35
  

Marcos Aguinis: “Cristina Kirchner é uma atriz”

O escritor e ensaísta argentino, de 77 anos, publicou, entre vários livros, "Pobre patria mia", que chama de “um panfleto” sobre a Argentina kirchnerista. Aguinis conversou com ÉPOCA num café tradicional, o Tabac, no bairro de Palermo em Buenos Aires

RUTH DE AQUINO, DE BUENOS AIRES
   

POPULISMO Cristina Kirchner discursa no último dia 26 de julho, 60 anos depois da morte de Evita Perón. Ela aproveita a emoção que Evita desperta para construir o próprio mito (Foto: AFP)

ÉPOCA – Cristina Kirchner é uma presidente do povo?
Marcos Aguinis – (Gargalhadas) Ai, ai, ai... Cristina é carismática. É uma atriz. Ela está falando, quase chorando, e, de repente, muda o semblante e grita para um cinegrafista, “corré la câmera!” (abaixa a câmera). Tinha se irritado porque a câmera impedia que os de trás a vissem. Acho que Cristina tem algum problema psicológico grave. Age como maníaco-depressiva. De repente, fica louca, perde o controle. 


ÉPOCA – Por que os argentinos, considerados cultos, num país quase sem analfabetos, se deixam seduzir por governantes populistas e autoritários?
Aguinis – Sabemos que as chamadas massas podem ser alienadas. A Alemanha era o país mais culto da Europa quando surgiu o nazismo. Mais escritores, mais músicos, mais compositores, mais artistas do que qualquer outro país europeu. Como 95% deles seguiram um cabo louco e medíocre como Hitler? A psicologia das massas foi muito idealizada, como se representassem sempre os oprimidos, as vítimas. Mas as massas atrofiam a maior conquista do homem, que é a individualidade. No mundo, somos bilhões de seres humanos, todos diferentes. A massa se converte em um corpo homogêneo, uniforme, uma ‘massa’ como diz o nome, e segue um líder. Os pássaros voam em triângulo. Se morre o que está na frente, outro vem, substitui. Se ele se equivoca e vai para uma tempestade, todos morrem ali. Isso acontece com os cardumes de peixes, com as manadas de ovelhas. A massa é um retrocesso psicológico do homem. Na massa, não se pensa. Se grita e se obedece.

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ÉPOCA – Na Argentina, o culto à pátria é especialmente forte. Por quê?
Aguinis –
 O nacionalismo é um elemento decisivo para alienar as pessoas. A mesma paixão que se tem por um time de futebol. Ama-se o país assim, não de uma maneira consciente, em que se possa fazer uma crítica. É um amor irracional. Quando a Argentina foi para a Guerra das Malvinas, foi um disparate, todos saíram às ruas para gritar pelos militares. Três dias antes, o ditador militar Leopoldo Galtieri tinha reprimido brutalmente uma manifestação popular. Mesmo assim, todos se esqueceram e foram para a rua aplaudir a guerra. Foi o nacionalismo que deu lugar ao fascismo, ao nazismo e ao stalinismo, que pregava o internacionalismo para ser menos burguês.


ÉPOCA – Qual o segredo da sobrevivência do peronismo?
Aguinis –
 Aqui na Argentina temos uma enfermidade da qual o Brasil se salvou. O Brasil teve um movimento nacionalista muito forte com Getúlio Vargas e se acabou ali. Perón converteu-se numa vítima. Tanto Perón quanto Evita morreram sofrendo. O peronismo não é uma ideologia clara e abriga tanto nacionalistas de esquerda quanto os nazidireitistas. A esquerda nunca conseguiu dominar o peronismo. Nos anos 1970, os montoneros (guerrilha de esquerda) não conseguiram se impor. Perón era mais de direita que de esquerda. ‘Estúpidos e imberbes’ – assim Perón chamava a juventude montonera. Por isso acabamos tendo a AAA, Aliança Anticomunista Argentina, uma espécie de esquadrão da morte paramilitar. Matava-se na rua. Como a Gestapo. Isso facilitou o golpe militar. Os sindicatos na Argentina são sempre de direita, usam uma linguagem de esquerda, mas são direitistas. Chegamos à sofisticação de criar o Entrismo – é preciso entrar no peronismo para dominar o país.

O escritor argentino Marcos Aguinis critica a hostilidade de Cristina à imprensa profissional. "Ela é uma atriz", diz ele (Foto: Jorge Rios Ponce/Corbis)

ÉPOCA – Mas existe hoje uma cisão importante na Argentina. Cristina é tão amada quanto odiada.Aguinis – O peronismo está dividido, como sempre esteve. Tivemos duas fases, com e sem Isabelita (a terceira e última mulher de Perón). Depois, com Menem, tivemos o peronismo liberal, de direita. Os montoneros ainda sentem muito ódio, por toda a perseguição sofrida. Os militares na Argentina estão totalmente desacreditados, perdidos, subjugados. Como a situação está muito difícil agora para Cristina, ela se reuniu em julho com os militares e pela primeira vez aumentou seus soldos. Tenta uma aproximação para fortalecer os militares e cooptá-los como aliados. Chávez, na Venezuela, tem os militares na mão por ser ele próprio um tenente-coronel. Na Argentina, os tanques não podem sair às ruas porque não têm nem gasolina para isso.
 
ÉPOCA – O senhor acha que Cristina tentará ser reeleita para um terceiro mandato?
Aguinis –
 Cristina não vai conseguir mudar a Constituição para tentar a re-reeleição. Ela tem maioria no Congresso, mas já há muita revolta latente. Dentro do próprio kirchnerismo há insatisfação. Os aliados de Néstor, que morreu em 2010, foram colocados à margem por ela. Dividir para reinar já era uma filosofia de seu marido. Fragmentar os partidos, dividir a sociedade, fomentar ódios. Ódios à imprensa, à Igreja, aos sindicatos. Não há setor que não tenha sido atacado. Neste momento, o ódio é tão profundo que fica difícil chegar a um acordo. Há famílias que pararam de se reunir porque não podem comer tranquilas. Quando começam a falar de política há brigas à mesa.

+Entrevista publicadas em ÉPOCA

ÉPOCA – Alguns oposicionistas sugerem que a Argentina deixe de usar o conceito de ‘pueblo’, por tudo que já se errou em nome do povo, e passe a adotar ‘gente’, um substantivo mais neutro politicamente.
Aguinis – 
O ‘pueblo’ tem realmente uma conotação histórica, sagrada, idealizada. A classe média não é ‘povão’, o médico e o jornalista tampouco. Mas seria uma medida cosmética. A cultura não impede a alienação. Mais forte que a razão é a emoção em nosso país. A Argentina não evolui, a Argentina se repete. Com o detalhe de que estamos sempre pior do que antes. Na educação, por exemplo. A Argentina estava muito à frente do Brasil. Agora, está atrás do Haiti. Isso é terrível. Os estudantes param por qualquer coisa. Desde nossa primeira universidade, em Córdoba, em 1870, a Argentina desenvolveu uma política de estado admirável, na educação e na cultura. Eu tinha companheiros que vinham da Espanha, do México, da Colômbia, da Costa Rica para estudar, pesquisar e trabalhar na Argentina. Eram os melhores. Hoje, estudantes do ensino secundário fazem greve porque querem um bar grátis no colégio.


ÉPOCA  – Quais são as principais críticas feitas aos Kirchner?
Aguinis –
 Os Kirchners são ladrões, sem sensibilidade social. Cristina diz que é advogada formada. Os documentos da universidade de La Plata desapareceram. Ela nunca mostrou o diploma. Na província de Santa Cruz, no sul do país, os dois tinham um escritório, mas ela nunca participou sequer de nenhuma associação de advogados. É uma mentirosa. Como advogados, trabalhavam para os montoneros. Quando veio o golpe militar, enriqueceram com hipotecas, tiravam propriedades dos pobres. E daí começou o enriquecimento do casal. Néstor candidatou-se a prefeito e depois a governador. Cada vez mais roubava e enriquecia. Os rumores são de que mandaram para a Suíça 650 milhões de dólares em nome de Néstor, dos quais ninguém fala mais. Porque a fortuna declarada já é inexplicável. Quando houve a crise econômica, com desemprego e inflação, em 2001, com Eduardo Duhalde no poder, Néstor disse a ele: eu tenho dinheiro para colocar na campanha. Foi assim que acabou presidente, mas com apenas 22% dos votos. Perdeu o ministro da Economia porque maltratava seus assessores. Ele se divertia jogando água na cara de quem ele pegasse dormindo.

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ÉPOCA – Cristina é melhor que Néstor na presidência?
Aguinis –
 Sofre da mesma soberba. Ela parece ser um pouco mais inteligente que Néstor, mas politicamente é menos hábil, por ser fanática. Uma vez um assessor falou: “Eu queria dizer uma coisa à presidenta”. Ela respondeu: “À presidenta não se diz nada. Se escuta”. Ela nunca dá entrevistas. Faz sermões. Em público e na televisão.


ÉPOCA – E o que faz a oposição?
Aguinis –
 O cúmulo é que a oposição não está unida. O futuro da Argentina vai ser decidido, infelizmente, dentro do peronismo. Como se passou na China e na União Soviética. Países autoritários e ditatoriais se resolvem com sua própria gente. É o seu projeto para não sair do poder. Jovens desempregados são cooptados porque recebem um soldo do governo e se tornam leais a Cristina. Protestos contra ela são sempre considerados ilegítimos. Na Argentina há indivíduos muito capazes, cientistas, intelectuais, mas como classe política estamos piores. Porque a política foi desacreditada. Ser político aqui é ser sinônimo de ser ladrão, corrupto. Não é como há 60 anos, quando tínhamos políticos com nobreza de espírito.


ÉPOCA – O governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, é um possível futuro presidente?
Aguinis –
 Scioli era iatista e perdeu o braço direito num acidente no mar. É criticado por se deixar humilhar publicamente por Cristina, chamado de inútil. O maior problema de Cristina agora com Scioli foi ele ter declarado recentemente que disputaria a Presidência se Cristina não quisesse concorrer a um terceiro mandato em 2015. Tudo no condicional. Como essa declaração abria a possibilidade de não haver reeleição, é como se ele a tivesse traído. E isso Cristina não tolera. O espírito conciliador de Scioli a irrita. E ele acaba aceitando tudo. Cristina reparte o dinheiro entre as províncias, mas não de acordo com a importância de cada uma e sim com o apoio que cada governador lhe dá. Como se fosse uma rainha. Em Buenos Aires está 40% da população do país. E o governador fica sem dinheiro para pagar o 13º salário dos servidores. Cristina força Scioli a aumentar os impostos para se tornar impopular. Cristina só premia os submissos, e faz o mesmo com a imprensa. O jornal Página 12 tem uma venda muito pequena, mas recebe muito do governo por ser submisso.


ÉPOCA – Se houvesse uma eleição hoje, Cristina seria reeleita?
Aguinis – 
Não acredito. Ela jamais teria novamente os 54% da última eleição. No país, há sólidos 30% de peronistas e cristinistas. Mas hoje, Cristina enfrenta no mínimo 65% de antagonismo. Os cristinistas também começam a ter dúvidas. Porque ela demonstrou não ser leal com ninguém. Se não gosta de quem está a seu lado, expulsa. Despreza, maltrata. Hoje, quem sente o maior medo dela, terror, é sua tropa leal. Eu tenho menos medo de Cristina do que um ministro da presidenta. Eles não se animam a abrir a boca. Estão incomodados. E a classe média está sufocada com a política econômica de Cristina. Os níveis de inflação subiram, estão a quase 30% ao ano, mas são maquiados pelo governo. O desemprego começa a voltar e muita gente está comprando apartamentos no Uruguai porque tem medo de perder toda a sua poupança.


ÉPOCA – O senhor teme uma “chavização” da Argentina?
Aguinis –
Cristina já segue hoje o modelo de Chávez, da Venezuela. A diferença é que Chávez é militar. Toda a alta ala de militares na Venezuela é corrupta e chavista. Isso lhe dá muito poder. A ponto de cometer erros gravíssimos como apoiar o Irã. A Venezuela tenta criar uma aliança marxista teocrática medieval. O poder de Cristina é menor que o de Chávez. Para reformar a Carta, é preciso convocar uma Assembleia Constituinte. Ela não vai ganhar a maioria. Acho muito difícil que seja aprovado um terceiro mandato.


ÉPOCA – O discurso de Cristina mantém um apelo forte entre os desassistidos, os mais carentes?
Aguinis –
 Começa a faltar dinheiro para os programas assistencialistas e isso é ruim para ela. Mas sua retórica é e será sempre populista. Qual é sua bandeira em 2012? “Ahora, vamos por todo” (agora, vamos por tudo). O que significa isso? Tudo é tudo, justiça, sindicatos, universidades, cultura, comércio. É uma palavra que dá lugar a outra, terrível: o totalitarismo. Vivemos isso na ditadura militar. Eles nos tiraram tudo. E não tinham que dar explicação a ninguém. Não é modelo para uma democracia. Seria melhor apontar caminhos. Vamos por uma melhor educação, vamos lutar contra a pobreza. Vamos aumentar os investimentos. Vamos diminuir a violência e a insegurança. ‘Vamos por tudo’ é um slogan primário, totalitário e falso.

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