Documentos do Planalto expõem ações de José Dirceu no
comando da Casa Civil
Governo federal libera ofícios enviados e recebidos por
homem forte do início da gestão Lula que explicitam troca de cargos por apoio
parlamentar, intervenção para audiência com empresa privada e investigações
internas de integrantes da máquina pública
18 de agosto de 2012 | 16h 28
Alana Rizzo / O Estado de S. Paulo
Documentos oficiais obtidos pelo Estado - entre
correspondências confidenciais, bilhetes manuscritos e ofícios - revelam os
bastidores da atuação de José Dirceu no comando da Casa Civil, entre janeiro de
2003 e junho de 2005. Liberados com base na Lei de Acesso à Informação, os
papéis enviados e recebidos pelo homem forte do governo Luiz Inácio Lula da
Silva explicitam troca de favores entre governo e partidos aliados,
intervenções para que empresários fossem recebidos em audiências e controle
sobre investigações envolvendo nomes importantes da máquina pública.
Dirceu deixou o governo em meio ao escândalo do mensalão,
acusado de comandar uma "quadrilha" disposta a manter o PT no poder
via compra de votos no Congresso - ele é um dos 37 réus do julgamento em curso
no Supremo Tribunal Federal. Desde a saída do governo, mantém atuação
partidária e presta serviços de consultoria a empresas privadas no Brasil e no
exterior.
Uma centena de ofícios dos primeiros anos do governo Lula
agora tornados públicos trata quase exclusivamente da ocupação dos cargos
públicos por partidos aliados. Sob a "incumbência" de Dirceu, Marcelo
Sereno, seu chefe de gabinete e braço direito, despachava indicações de bancadas,
nomeações e currículos para os mais variados cargos federais.
A troca de ofícios com o então presidente do PL (hoje PR),
deputado Valdemar Costa Neto, não esconde os interesses de cada um. O assunto é
a negociação de cargos-chave na Radiobrás. Em ofício arquivado na Presidência
com o número 345/Gab-C.Civil/PR, Valdemar indica nomes à estatal federal de
comunicação e acrescenta: "Certo de que V.Exa. poderá contar com apoio
integral desta Presidência e da Bancada do Partido Liberal no Congresso."
Em 27 de fevereiro de 2003, Dirceu ordena que a demanda seja
encaminhada ao então presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci.
Valdemar viria a ser denunciado mais tarde sob a acusação de
integrar a "quadrilha" do mensalão por ter recebido dinheiro do
valerioduto. Hoje deputado pelo PR, o parlamentar também aguarda a sentença do
STF.
Os documentos liberados também mostram pedidos de colegas de
partido de Dirceu. Em 11 de fevereiro de 2003, por exemplo, a deputada estadual
petista Maria Lúcia Prandi envia mensagem onde diz tomar "a liberdade de
estabelecer contato no sentido de solicitar audiência para tratar de questões
referentes à condução de articulações no sentido de consolidar a relação
partidária com as ações governamentais, em especial assuntos relativos à atuação
desta parlamentar na Baixada Santista".
Outro ofício recebido pelo Planalto mostra o então
presidente do Diretório Regional do PT em Sergipe, Severino Oliveira Bispo,
pedindo a Dirceu para tratar da seguinte pauta: "1) Apresentação da
relação dos nomes dos indicados para os cargos federais no Estado; 2) O que
mais ocorrer".
A documentação liberada revela uma ordem da Casa Civil a
favor de uma empresa. Em 13 de março de 2003, a pedido de Dirceu, Marcelo
Sereno intermedeia pedido de audiência de representantes da Ondrepsb Limpeza e
Serviços Ltda. no Ministério da Justiça. Naquele ano, a empresa de Santa
Catarina recebeu R$ 2,9 milhões do governo federal. Em 2004, ganhou R$ 3,9
milhões. Segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi),
a média de pagamentos dos três anos posteriores ao ofício foi 100% maior em
comparação ao mesmo período que antecedeu a intervenção.
Controle
Os registros mostram ainda que Dirceu mantinha uma rede de
informações que extrapolava os órgãos federais de investigação. O serviço era
tocado pela Secretaria de Controle Interno. Vinculado à Casa Civil, comandado à
época por José Aparecido Nunes Pires, celebrizado em 2008 por ter sido apontado
como um dos autores do dossiê com dados sigilosos sobre os gastos com cartões
corporativos no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Os documentos indicam, por exemplo, que Dirceu teve acesso -
antes do ministro da Justiça da época, Márcio Thomaz Bastos - às gravações de
um encontro entre o assessor da Casa Civil Waldomiro Diniz e o contraventor
Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, no Aeroporto Internacional de
Brasília. Fitas e documentos relacionados ao assunto chegaram ao ex-ministro
pelo então chefe da Polícia Civil do Distrito Federal, Laerte Bessa.
As imagens foram gravadas pela segurança da Infraero
atendendo a uma solicitação da polícia de Brasília, em uma investigação
sigilosa. Só após passar pelo crivo de Dirceu é que a investigação foi remetida
a Thomaz Bastos, hoje advogado de um dos réus do mensalão, o ex-diretor do
Banco Rural José Roberto Salgado, e ex-defensor de Cachoeira. Questionada pela
reportagem, a Casa Civil confirmou que dois agentes da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) faziam na época parte da estrutura da Casa Civil e estavam
subordinados ao então ministro.
Nota
Em outro caso, conforme os documentos, a atual presidente da
Petrobrás, Graça Foster, foi alvo de investigações tocadas pela estrutura de
Dirceu. Na época, ela ocupava o cargo de secretária de Petróleo e Gás do Ministério
de Minas e Energia. Adversária do grupo político do então ministro, Graça foi
questionada sobre contratos da empresa do marido, Colin Foster, com a
Petrobrás.
A nota técnica 23/2004, encaminhada para a então ministra da
pasta, Dilma Rousseff, levanta detalhes da atuação da empresa, contratos e
considera "prudente" que Dilma, hoje no comando do País, tomasse
conhecimento das denúncias. O documento com timbre de "urgente"
ressalta que Graça Foster participava, inclusive, do Grupo de Trabalho,
instituído pela Casa Civil, encarregado de apresentar estudos sobre a
viabilidade de utilização do biodiesel como fonte alternativa de energia.