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domingo, 13 de maio de 2012


COMISSÃO DA "VERDADE " É REVANCHISMO E AFRONTA A UMA LEI JÁ PROMULGADA


13/05/2012
Por  General de Exército Rômulo Bini Pereira

A LEI DO SILÊNCIO

O Estado de S.Paulo – 12/05/12

Em 1979, após muitos debates em amplos segmentos de nossa sociedade, a Lei da Anistia foi aprovada e promulgada no País. Ela veio pôr um ponto final no ciclo de beligerância que se instalou na vida brasileira e criou um pacto de reciprocidade para a reconstrução democrática no Brasil. Nestes anos de sua vigência, as Forças Armadas cumpriram um papel impecável.
Voltaram-se para suas missões constitucionais, sem a mínima interferência no processo político que aqui se desenvolvia. Mantiveram-se em silêncio, acompanhando os fatos políticos, alguns bastante perturbadores, sem nenhuma atitude que pudesse ser analisada como intervenção no processo democrático. Adotaram uma verdadeira lei do silêncio. Um ajuste entre seus chefes, em busca da concórdia e do entendimento. No corrente ano, entretanto, dois fatos vieram de encontro à atitude das Forças Armadas. O primeiro foi a criação da Comissão da Verdade. De modo unânime, militares da ativa e da reserva consideraram tal comissão um passo efetivo para atos de revanchismo. Os seus defensores – alguns deles membros da alta esfera governamental e do Poder Judiciário – já falam em rever a Lei da Anistia, mesmo após o Supremo Tribunal Federal ter confirmado a sua validade. No escopo de se obter a verdade, essa comissão, para ser imparcial, deveria estudar e analisar não só o ideário político-ideológico, mas também os métodos de atuação de quem optou pela luta armada em todo o mundo. Que pesquise os manuais das organizações internacionais para constatar a semelhança dos objetivos e métodos das inúmeras e variadas organizações nacionais, inclusive o Manual do Guerrilheiro Urbano, de Carlos Marighella, a cartilha do terrorismo brasileiro. Os diversos delitos cometidos – assassinatos, atentados, roubos e sequestros – também tiveram, tal como as citadas internacionais, um objetivo único, ou seja, a “derrubada do governo central e a instauração de uma ditadura do proletariado”, e não uma democracia, como apregoam seus defensores. Com tal comissão só existirá uma verdade unilateral. O segundo fato se refere aos incidentes ocorridos na sede do Clube Militar, no Rio de Janeiro, tão chocantes e tão esclarecedores para todos os militares. Chocantes porque velhos soldados, ilustres chefes, instrutores, professores e outros de carreira e vida exemplares foram insultados e agredidos por uma turba de radicais com atitudes e impropérios usados pelos grupos extremistas das décadas de 60 e 70. E esclarecedores porquanto demonstraram que o ódio ideológico e o fanatismo estão novamente presentes em nosso país. Tanto que disse um dos seus líderes: “Somos marxistas radicais”. Seu ideário, seus métodos de atuação e seus ídolos são os mesmos das organizações extremistas do passado. Fazem uso até mesmo de ações de intimidação radicais, como o “escracho”, de modo idêntico aos trotskistas e aos nazistas nas décadas de 20 e 30. Segundo seus integrantes, suas ações visam a defender a “honra” do nosso país perante a comunidade internacional. Definitivamente, não são aptos para tal defesa. A continuar dessa forma, a citada turba poderá vir a ser um celeiro para novos Araguaias. Esses dois fatos atingiram frontalmente os objetivos da Lei da Anistia. A concórdia e o entendimento foram atitudes adotadas somente pelas Forças Armadas. Em oposição, um segmento sectário e minoritário demonstrou intransigência e intolerância totalitária para com os militares. Eles não assumiram seus atos e erros. Talvez para criar uma nova História, na qual seus integrantes sejam os grandes heróis. Talvez para justificar as ações de seus líderes no emprego de jovens em aventuras quixotescas de tomada do poder pela via armada, ou, então, a legitimação das 20 mil indenizações pagas por seus ideais revolucionários. Não será possível mais aceitar que os “anos de chumbo”, expressão de origem italiana tão decantada por esses segmentos minoritários, sejam debitados somente aos atos das nossas Forças Armadas. Na Itália não houve anistia e terroristas estiveram presos por muitos anos. O caso Cesare Battisti, de rumorosa repercussão mundial, exemplifica o desiderato do governo italiano em punir os que optaram pela luta armada. As organizações extremistas brasileiras estavam sossegadas na selva do Araguaia ou nos aparelhos urbanos, algumas nos conventos dominicanos. E assistiram a tudo pacificamente, com uma única exceção: as vítimas de sua autoria, algumas assassinadas barbaramente e outras justiçadas covardemente. Que regime teria sido imposto ao nosso país caso vingasse o ideário radical dessa minoria? Neste contexto, a palavra dos chefes militares está se fazendo necessária e será um contraponto a possíveis atitudes e ações deletérias, como as agressões no Clube Militar. O que nós, militares, defendemos não é indisciplina ou qualquer conluio, nem quebra dos princípios democráticos. Uma palavra que não signifique um “mea culpa” ou um pedido de perdão. Estivemos, no período da guerra fria, em combate bipolarizado, no qual os extremistas foram banidos em todo o mundo em razão de seu objetivo totalitário e único: a ditadura do proletariado. Correremos riscos, mas eles são inerentes ao processo democrático e à nossa profissão. Não se admite mais este silêncio reinante. Nas redes virtuais, pela simples leitura de manifestos e artigos oriundos da reserva de nossas Forças Singulares se percebe que estamos num ponto crítico. A nossa autoestima está em visível declínio, agravada por outros fatores, entre eles os baixos salários de nossos subordinados. Dissensões poderão surgir, pois a reserva expressa em muito o pensamento dos soldados da ativa. Possíveis perturbações ou rupturas em nossas Forças trarão repercussões indesejáveis para o nosso país. Não é possível mais calar. A lei do silêncio deve ser quebrada.