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domingo, 11 de setembro de 2011

Todos felizes para sempre

Da safra de    Sônia van Dijck
A coisa foi assim: a governanta reuniu os figurões da turma do governo e prometeu soltar os milhões e milhões das emendas dos nobres parlamentares.
A coisa é sempre assim: uma mão lava a outra e é dando que se recebe.
Negócio é negócio. Amizade é outra coisa.
Não teve saída: a cabeça de Rossi foi posta na bandeja. Mais uma ou outra cabeça menos ilustre serviu (serviram) para ilustrar o prato de milhões e milhões das emendas a serem liberadas.
O espetáculo virou notícia e muitos brasileiros começaram a acreditar que estamos ficando sérios.
Enquanto isso, os corpos foram varridos pra debaixo do tapete. Lá encontraram os refugiados dos escândalos anteriores. Embaixo do tapete ninguém reclama da condição de lixo da República pois se trata de uma espécie de quarentena, até a mídia ter novo escândalo e esquecer os nomes dessas recentes celebridades. Essa quarentena é uma espécie de armadura capaz de evitar andamento de qualquer processo e, o mais importante, serve para não exigir desses novíssimos milionários a devolução de nem mesmo 1 centavo ilicitamente guardado no porquinho – aliás, não há tecnicamente o que devolver: não existe moeda de 1 centavo em circulação.
E embaixo do tapete vai ficando território densamente povoado. Mas, tudo bem. Afinal, se a caverna dos quarenta ladrões cabia em um grão de sésamo, embaixo do tapete ainda cabe muita gente.
A coisa ficou acertada assim: troca-se 6 por meia dúzia; liberam-se os milhões e milhões das tais emendas parlamentares; e tudo continua como dantes, no país de Abrantes (Abrantes é um ponto perdido no mapa da corrupção, que só os saqueadores sabem onde fica).
No Brasil político, as capitanias tem novos nomes de donatários.
No Brasil real, os contribuintes vão continuar pagando impostos e lendo sobre os próximos escândalos para saber onde foi parar tudo aquilo que estão pagando. Logo, logo, novas celebridades estarão nas capas das revistas e nas primeiras páginas dos jornais e seus nomes ocuparão os telejornais.
No Brasil do poder, as celebridades do mundo político não são reconhecidas por seu pensamento político; por suas teorias políticas; por suas obras publicadas; por suas ações pelo engrandecimento da Pátria; por sua participação no debate internacional acerca das contradições do mundo contemporâneo. Aqui, as celebridades políticas consagram-se por propinas, desvios de dinheiro público, disputa de cargos e funções, nomeações escandalosas, alianças com déspotas latinos e ditadores africanos, companheirismo com criminosos internacionais julgados e condenados. Até parece que a inteligência política brasileira não sabe escrever um livro; sabe apenas planejar falcatruas, fazer alianças espúrias. O melhor da inteligência política brasileira formulou uma tese que ilumina o pensamento político nacional à luz da moralidade do oportunismo: “dinheiro público não pesa no bolso”, segundo um dos gênios do pensamento político brasileiro.
No Brasil grotesco, políticos tornam-se estrelas quando filmados recebendo propinas; quando o filme custa milhões tirados de patrocinadores graças à legislação de incentivo à cultura, tendo uma celebridade política como protagonista de uma biografia tão banal que nem a indigência cultural quis servir de plateia, relegando as muitas cópias à lata do esquecimento. O mais comum é haver político estrelando em palanques, fazendo discursos inflamados de promessas que nunca, jamais, em tempo algum serão cumpridas – a voz é rouca, os gestos são agressivos na determinação das promessas, a cara estampa o riso hipócrita da conquista dos incautos.
No Brasil dos políticos imortalizados, nosso melhor representante ainda é Odorico Paraguaçu, quase lírico em sua desfaçatez.
No Brasil crítico, a imprensa livre continuará revelando as razões da miséria da saúde pública, da segurança pública, das escolas públicas precárias, a cada escândalo noticiado: aguentem firme, porque o dinheiro sumiu!
No Brasil eleitoreiro, temos um presidente em terceiro mandato, fazendo campanha pela reeleição, abraçando os companheiros de quarentena embaixo do tapete, e uma governanta trocando 6 por meia dúzia, em troca de liberar as milionárias emendas parlamentares da turma do governo, para se manter no poder.
No Brasil histórico, muda tudo para que nada mude. Só a fila anda.
Todos estão felizes para sempre.
Sônia van Dijck