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terça-feira, 28 de setembro de 2010

As boquinhas fechadas


O GLOBO

Arnaldo Jabor
Estamos vivendo um momento grave de nossa História política, em que aparecem dois tumores gêmeos de nossa doença: a união da direita do atraso com a esquerda do atraso.
O Brasil está entregue à manipulação pelo governo das denúncias, provas cabais, evidências solares, tudo diante dos olhos impotentes da opinião pública, tapando a verdade de qualquer jeito para uma espécie de “tomada do poder”.
Isso; porque não se trata de um nome por outro — a ideia é mudar o Estado por dentro.

Tudo bem: muitos intelectuais têm todo o direito de acreditar nisso. Podem votar em quem quiserem. Democracia é assim.
Mas e os intelectuais que discordam e estão calados? Muitos que sempre idealizaram o PT e se decepcionaram estão quietinhos, com vergonha de falar. Há o medo de serem chamados de reacionários ou caretas.
Há também a inércia dos “latifúndios intelectuais”.
Muitos acadêmicos se agarram em feudos teóricos e não ousam mudá-los. Uns são benjaminianos, outros hegelianos, mestres que justificam seus salários e status e, por isso, não podem “esquecer um pouco do que escreveram” para agir. Mudar é trair... Também não há coragem de admitirem o óbvio: o socialismo real fracassou. Seria uma heresia, seriam chamados de “revisionistas”, como se tocassem na virgindade de Nossa Senhora.
O mito da revolução sagrada é muito grande entre nós, junto com o voluntarismo e o populismo antidemocrático. E não abrem mão de utopias — o presente é chato, preferem o futuro imaginário. Diante de Lula, o símbolo do “povo que subiu na vida”, eles capitulam. Fácil era esculhambar FHC. Mas, como espinafrar um exoperário? É tabu. Tragicamente, nossos pobres são fracos, doentes, ignorantes e não são a força da natureza, como eles acham. Precisam de ajuda, educação, crescimento para empregos, para além do Bolsa Família. Quem tem peito de admitir isso? É certo que já houve um manifesto de homens sérios outro dia; mas faltam muitos que sabem (mas não dizem) que reformas políticas e econômicas seriam muito mais progressistas do que velhas ideias generalistas, sobre o “todo, a luta de classes, a História”. Mas, eles não abrem mão dessa elegância ridícula e antiga. Não conseguem substituir um discurso épico por um mais realista. Preferem a paz de suas apostilas encardidas.

Não conseguem pensar em Weber em vez de Marx, em Sergio Buarque em vez de Florestan Fernandes, em Tocqueville em vez de Gramsci.
A explicação desta afasia e desta fixação num marxismo-leninismo tardio é muito bem analisada em dois livros recentemente publicados: “Passado imperfeito”, do Toni Judt (que acaba de morrer) e o livro de Jorge Caldeira “História do Brasil com empreendedores” (editoras Cia.

da Letras e Mameluco). Ali, vemos como a base de uma ideologia que persiste até hoje vem de ecos do Front Populaire da França nos anos 30, pautando as ideias de Caio Prado Jr e deflagrando o marxismo obrigatório na Europa de 45 até 56. Os dois livros dialogam e mostram como persiste entre nós esse sarapatel de teses: leninismo, getulismo desenvolvimentista — e, agora, possível “chavismo cordial”.
A agenda óbvia para melhorar o Brasil é consenso entre grandes cientistas sociais. Vários “prêmios Nobel” concordam com os pontos essenciais das reformas políticas e econômicas que fariam o Brasil decolar.
Mas, não; se o PT prevalecer com seu programa não declarado (o aparente engana...) não teremos nada do que a cultura moderna preconiza.
O que vai acontecer com esse populismovoluntaristaestatizante é previsível, é “bêaacute;bá” em ciência política. O PT, que usou os bons resultados da economia do governo FHC para fingir que governou, ousa dizer que “estabilizou” a economia, quando o PT tudo fez para acabar com o Real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com tudo que agora apregoa como atos “seus”. Fingem-se de democratas para apodrecer a democracia por dentro.

Lula topa tudo para eleger seu clone que guardará a cadeira até 2014. Se eleito, as chamadas “forças populares”, que ocupam mais de 100 mil postos no Estado aparelhado, vão permanecer nas “boquinhas”, através de providências burocráticas de legitimação.
Os sinais estão claros.
As Agências Reguladoras serão assassinadas.

O Banco Central poderá perder a mínima autonomia se dirigentes petistas (que já rosnam) conseguirem anular Antonio Palocci, um dos poucos homens cultos e sensatos do partido.

Qualquer privatização essencial, como a do IRB, por exemplo, ou dos Correios (a gruta da eterna depravação), será esquecida.
A reforma da Previdência “não é necessária” — já dizem eles — pois os “neoliberais exageram muito sobre sua crise”, não havendo nenhum “rombo” no orçamento.

A Lei de Responsabilidade Fiscal será desmoralizada.
Os gastos públicos aumentarão pois, como afirmam, “as despesas de custeio não diminuirão para não prejudicar o funcionamento da máquina publica”.
Portanto, nossa maior doença — o Estado canceroso — será ignorada.
Voltará a obsessão do “controle” sobre a mídia e a cultura, como já anunciam, nos obrigando a uma profecia autorrealizável.
Leis “chatas” serão ignoradas, como Lula já fez com seus desmandos de cabo eleitoral da Dilma ou com a Lei que proíbe reforma agrária em terras invadidas ilegalmente, “esquecendoa” de propósito.
Lula sempre se disse “igual” a nós ou ao “povo”, mas sempre do alto de uma “superioridade” mágica , como se ele estivesse “fora da política”, como se a origem e a ignorância lhe concedessem uma sabedoria maior. Em um debate com Alckmin (lembram?), quando o tucano perguntou a Lula ao vivo de onde vinha o dinheiro dos aloprados, ouviu-se um “ohhhh!....” escandalizado entre eleitores, como se fosse um sacrilégio contra a santidade do operário “puro”.
Vou guardar este artigo como um registro em cartório. Não é uma profecia; é o óbvio.
Um dia, tirá-lo-ei do bolso e sofrerei a torta vingança de declarar: “Agora não adianta chorar sobre o chopinho derramado!...”