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domingo, 8 de novembro de 2009

ESTADÃO MENTE SOBRE LULA

04 de novembro de 2009    NIivaldo Cordeiro
 O adesismo do jornal Estadão ao PT será talvez o gesto mais insidioso e vergonhoso da imprensa nacional das últimas décadas. Um exemplo notável desse fato está no editorial de hoje (O "autoritarismo popular" de Lula), comentando o já célebre artigo de FHC de domingo último, no qual, a pretexto de concordar com o ex-presidente, acaba por retirar do artigo aquilo que tem de mais substantivo, personalizando a questão política na figura pública do Lula. Além do mais, o editorial aproveita – não de todo errado, mas de forma insidiosa – para jogar nas costas dos líderes da oposição a responsabilidade de não atacar Lula. Um verdadeiro golpe de judô da refinada desinformação estadônica.
 Começa o texto por comparar Lula a Chávez, elogiando-o de fato, ao declarar que o nosso presidente não é tão tosco como Chávez. Ora, campeonato difícil, esse. Chávez pode ser mais afirmativo, mas de sofisticado Lula não tem nada. Na verdade, ambos representam papéis diferentes na revolução em curso na América Latina, no âmbito do Foro de São Paulo. Fazer comparação entre ambos sem dar ao público essa informação preliminar é já um trabalho desinformativo Lá está escrito: “Lula, que, em parte por convicção, em parte por um cálculo do custo-benefício da aventura reeleitoral, recusou a possibilidade, acredita que pode chegar aonde quer por outros meios, mais sofisticados do que é capaz de conceber a mentalidade tosca do coronel de Caracas”.
 Salta aos olhos que a diferença está nas sociedades que ambos presidem, e não na formação ou suposto caráter mais primitivo de Chávez. O Brasil, sim, é muito mais complexo do que a Venezuela, que tolera sem qualquer anestésico o ditador histriônico. Repetir o modelo aqui seria suicídio. Por muito menos foi feito o Movimento Cívico-militar de 1964. A realidade exige de Lula outro papel, mas o jornal se esqueceu do continuado esforço que o PT e Lula fizeram para ter o terceiro mandato, só desistindo dele quando ficou constatado que faltavam ainda três votos no Senado para conseguirem maioria qualificada. Partiram então em ensandecida campanha contra a Instituição e contra a figura de seu presidente, José Sarney, com o objetivo de dar um golpe na ordem política. A campanha durou meses. Nisso tiveram amplo apoio do próprio Estadão, em vergonhosa instrumentalização, único jornal que obtinha com exclusividade as informações desabonadoras dos inimigos do PT, algumas delas ilegais, porque oriundas de processos que tramitavam em segredo de Justiça.
 FHC é cúmplice e patrono da situação política que está criada, mas não é tolo a ponto de achar que as coisas estão cristalizadas em Lula. O assalto está na tomada do Estado pelo PT, onde se constata a tirânica unidade entre os dois, o partido e o Estado. O controle quase total das ações políticas e econômicas por parte do grupo dominante. Não há uma palavra do editorial mostrando essa ameaçadora realidade. É como se o editorial tivesse sido escrito sob encomenda para desconversar sobre esse ponto, que é o ponto mais substantivo do artigo de FHC. Aqui o jornal está sendo mais que mentiroso, está distorcendo o conteúdo do texto que se propôs analisar. Personalizar as coisas em Lula é apenas mentira.
 Escreveu o editorialista: “No interior do governo, Lula aninha uma burocracia sindical que se apropria sistematicamente do mando dos gigantescos fundos de pensão das estatais, os quais, por sua vez, têm assento nos conselhos das mais poderosas empresas brasileiras. Forma-se assim uma intrincada trama de interesses que se respaldam reciprocamente, não raro em parceria com empresários que conhecem o caminho das pedras - "nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas", diz Fernando Henrique -, fundindo-se ‘nos altos-fornos do Tesouro’. Isso dá ao presidente um poder formidável sobre o Estado nacional que extrapola de longe as suas atribuições constitucionais. É uma espécie de volta, em trajes civis, ao regime dos generais”.
Seria mais apropriado dizer que Lula serve de cabo eleitoral para que a burocracia sindical, e também a cúpula revolucionária, tenha tomado conta do Estado. Lula não é autor do processo, é um ator que recita um texto previamente escrito, dentro da revolução grasmciana em curso, cujo fito de tomar todo o aparelho de Estado já foi alcançado. Não dizer isso é enganar a opinião pública. O certo teria sido escrever que se vive uma forma fascista de organização do poder, prenhe de ameaça totalitária. Nem uma palavra sobre o assunto.
 O artigo de FHC dá o grito contra o continuísmo, que o jornal não ecoou. É no continuísmo que a ameaça totalitária se consuma. Aqui o analista teria que entrar nas entrelinhas do discurso fernandista. O continuísmo será possível agora como resultado de muitas forças, mas sobretudo da ação do bloco do PT sobre a agremiação do ex-presidente, o PSDB. As figuras de Aécio Neves e José Serra estão jogando um jogo particular que ignora as ameaças institucionais sobre a Nação. Um misto de esperteza, sedução e medo. E adesismo, vez que não parecem ter qualquer discordância ideológica com o PT. O fato é que o continuísmo depende muito dessa ação, sobre a qual FHC parece ter perdido qualquer influência.
 FHC usou a expressão “subperonismo lulista” para designar o fascismo implantado no Brasil. O peronismo não é Perón, como o lulismo não é Lula. Lulismo é petismo, na sua facção triunfante. É como se, com um eventual passamento de Lula, a coisa toda acabasse. Ora, temos um partido revolucionário de vanguarda no poder, organizado em termos leninistas, articulado em escala internacional, exercendo na plenitude o poder e desejando nele se perpetuar de forma totalitária. Parece que vai conseguir mesmo, com a benção assalariada do Estadão.