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domingo, 27 de setembro de 2009

SOMOS TODOS LIBERTINOS

Todas as vezes que leio e/ou transcrevo um artigo de Maria Lucia Victor Barbosa, me vem a mente uma cena da história gloriosa do Acre. O terceiro e último exército da Bolivia, foi comandado pelo próprio Presidente da Bolivia, visto que seus Generais já haviam sido derrotados nas batalhas anteriores.

Quando em retirada, o terceiro exército, se arrastava pelos caminhos da selva em direção a fronteira.

Feridos, sem alimentos e com munição insuficiênte para continuar a luta, amargavam a terceira derrota frente a acreanos e nordestinos.

Ao passarem por uma choupana, um acreano os seguia atento, com a mira de sua espingarda, não oferecia nenhum perigo aos passantes, mesmo assim um soldado Boliviano, nele atirou e o matou. Subitamente uma mulher sai correndo de dentro da choupana, se joga em cima de seu marido, ao prantos, pega sua espingarda e atira em direção a tropa, sem vizar ninguem.

Eis que o destino faz com que seu projetil atinja o ombro do Comandante e Presidente da Bolivia. Seus sodados correm em direção a mulher, agarram-na peloss cabelos e a arrastam até os pés do Presidente, e indagam. O que fazemos com ela, comandante?

Soltem-na, ordena o comandante. e acrescenta " Se tivessemos em nosso exército homens com a coragem e bravura dessa mulher, não teriamos sido derrotados".

Maria Lucia Victor Barbosa é digna representante da bravura e da coragem da mulher brasileira. Sua arma é o vernáculo, que usa para expressar com rigorosa pureza do idioma, seus anceios, suas preocupações com os caminhos escolhidos pelos políticos brasileiros cada vez mais assistemático.

- Nos regozijamos sempre de postar seus artigos.

O Editor

Maria Lucia Victor Barbosa 20/09/2009

Dizer que somos todos libertinos, isso é, livres de qualquer peia moral, devassos, dissolutos, depravados, licenciosos, pode parecer ofensivo. Digamos, então, que existem graus de libertinagem conforme a época e a sociedade. Por exemplo, o Império Romano em sua decadência foi extremamente devasso.

Quanto ao Brasil, se comparado a outros países, já nasceu dissoluto. Que se rememore a exploração e a colonização do gigantesco território feito de modo ganancioso e desleixado. Daquela “embriogenia defeituosa” moldou-se nossa maneira de ser, nossa visão de mundo, nossa mentalidade do “rouba, mas faz”, do “levar vantagem em tudo”, do “se eu estivesse lá faria o mesmo”. Desde o início a plasticidade de costumes, o oceano imenso entre os colonizadores e a matriz de costumes mais rígidos. Nas imensidões a serem desbravadas logo se aprendeu que não “existe pecado do lado debaixo do Equador”. E na simulação de uma moral inexistente nos movemos desde os primórdios na mentira que trespassou nossas instituições políticas, econômicas e se entranhou profundamente no tecido social.

É certo que todos os povos mentem. Que em todas as nações a mentira é uma das técnicas mais apuradas de conquista de poder e que a humanidade como um todo se compraz na mentira porque precisa de ilusão, de guias mentirosos, de falsas metas utópicas. Mas, também é certo que em certos países os poderes constituídos são mais respeitados, que suas atividades econômicas costumam se processar em níveis mais leais que nossas costumeiras práticas corruptas, que a confiança mútua é mais generalizada.

Isso, é claro, não produz santos, apenas indivíduos menos libertinos, porque em tais contextos sociais existe o funcionamento mais adequado da lei. Justamente a expectativa de que leis vão ser cumpridas constitui a melhor advertência para que libertinos pensem duas vezes antes de infringi-las.

Nós somos sabidamente o país da impunidade. Nossa Justiça é morosa. Exemplos dados pelo Judiciário nem sempre são dignificantes. Estamos longe da isonomia capaz de fazer justiça. Nossa Constituição pode entrar para o livro dos recordes tal a profusão de leis que contém em contraste com seu pífio cumprimento.

Entretanto, conforme o pensamento de Thomas Hobbes, em O Leviatã, poucas e boas leis são necessárias para o bem do povo. Esse filósofo político, diferente de Aristóteles para o qual o homem era naturalmente sociável, naturalmente cidadão (zoon politikon, animal político) pensava que a natureza não colocou no homem o instinto de sociabilidade, pois “o homem só procura companheiros por interesse ou necessidade”. Deriva daí a importância de um poder comum, ou seja, do Estado como gerador das leis e, portanto, capaz de assegurar a segurança e a paz.

Entende-se a partir daí a importância dos Poderes Legislativo e Judiciário, que compõem com o Executivo o tripé do Estado Democrático de Direito. O problema em nosso país é o funcionamento desses Poderes, na medida em que o Legislativo e o Judiciário sempre foram a reboque de um Executivo excessivamente centralizador.

No momento a centralização se acentua. O Congresso Nacional, sobretudo, a Câmara, se submete aos desejos presidenciais. E o Judiciário está passando por mais um teste crucial de credibilidade em sua instância mais alta, o Supremo Tribunal Federal.

Para pertencer ao STF é necessário ser brasileiro nato, ter mais de 35 anos, exibir notável saber jurídico e apresentar reputação ilibada. O candidato a ministro é indicado pelo presidente da República e o Senado pode aceitá-lo ou não.

Pois bem, com a vaga deixada pelo ministro Carlos Alberto Direito, que faleceu recentemente, o presidente Lula da Silva indicou para preenchê-la o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli. Reprovado duas vezes em concurso para juiz estadual, o notório saber do companheiro se resume a ter sido advogado do PT e amigo de poderosos petistas tais como José Dirceu, algo capaz de abrir portas que costumam estar fechadas para “pessoas comuns”. Contudo, coisa mais grave, Toffoli foi condenado em dois processos que correm em primeira instância no Estado do Amapá. Se o Senado aceitar a indicação presidencial como sempre ocorre e os processos de Toffoli chegarem ao STF com ele lá, como é que fica?

Note-se que para o Executivo e o Legislativo não existe o critério de reputação ilibada, o que é pena. Mas se há para o Judiciário, como pode o presidente da República indicar para tão elevado cargo alguém sobre cuja reputação paira dúvidas relativas à prática de atos imorais e ilícitos?

Isso não tem problema. Afinal, se a maioria pudesse faria o mesmo que o companheiro Toffoli fez no Amapá. E se a entrada do jovem advogado-geral da União acabar de vez com o que resta de credibilidade no STF, aqueles poucos que disso tomarem conhecimento darão de ombros. No Brasil o direito de ser libertino é assegurado. Os companheiros do PT que o digam.

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga

mlucia@sercomtel.com.br

www.maluvibar.blogspot.com