Produzido pelo Ternuma Regional Brasília
Pelo Gen Div Murillo Neves Tavares da Silva
Regressei a Brasília, depois de vinte e cinco dias de viagem, dos quais vinte e dois no exterior, sem estar perfeitamente atualizado com o caso do Renan Calheiros. Nem sempre se consegue acesso à Internet. Jornais do Brasil, nem pensar. Ao sair, em meados de agosto, as tratativas para condenar e absolver, apresentavam, a cada dia, os prós e os contras, as evidências e as suposições, as perícias e os laudos. Tudo muito repetitivo, tudo com frases estudadas, tudo tramado em gabinetes e palácios. Tudo à revelia do povo, que elege e se frustra. Mas que torna a eleger e a se frustrar. Tudo como soe acontecer em situações semelhantes. Às vésperas do julgamento já estava em casa e procurei me atualizar, com jornais antigos, com a Internet, com telefonemas de e para amigos. No dia do julgamento, nem me preocupei em acompanhar, porque tinha quase certeza de que nada aconteceria ao senador indiciado pelo Conselho de Ética de sua casa parlamentar. E foi o que ocorreu.
Se eu, que não sou comentarista político, nem faço cobertura jornalística do Congresso, esperava a absolvição, por que ficaram tão admirados e surpreendidos os que por dever de ofício deviam estar informados? Manchetes, como a do Correio Braziliense (Vergonha Nacional), revelavam um espanto injustificado, pelo menos para mim. No país em que uma plataforma de petróleo de muitos bilhões de dólares vai ao fundo do mar e ninguém é responsável; no país em que parte vital de uma moderna base de lançamento de foguetes explode e ninguém é responsável; no país em que aviões se acidentam, matando centenas de pessoas e infelicitando outros milhares e não se consegue identificar os responsáveis; no país em que o Ministro da Fazenda e auxiliares de primeiro escalão violam ou mandam violar sigilo bancário de modesto caseiro e ninguém vai preso; no país em que quarenta pessoas são indiciadas por corrupção pelo Procurador Geral da República (pessoa da mais alta respeitabilidade e integridade funcional) e juristas dizem que ninguém será condenado por causa das prescrições legais; no país em que pessoas são detidas com vultosa quantia, num hotel de São Paulo, tramando uma possível corrupção eleitoral e não se sabe de onde veio o dinheiro e nem se haverá qualquer conseqüência para os envolvidos, todos muito chegados ao palácio presidencial e simplesmente arrolados como “aloprados” pelo próprio Presidente da República; no país em que a Câmara de Deputados já havia absolvido muitos de seus membros que teriam recebido dinheiro escuso, batizado de mensalão, sem maiores reações populares; no país em que um magistrado da mais alta corte de justiça confessa ter fraudado dispositivos da Constituição em elaboração, quando era deputado constituinte, e, além de nada sofrer, ainda é nomeado Ministro da Defesa ( e um ministro ameaçador...); como é possível surpresa e revolta só porque um senador fez uma filha fora do casamento e pagou sua pensão por meio de um grande amigo que, por “infeliz circunstância”, é funcionário de uma empreiteira. Se fosse de uma revendedora de veículos, poderia? Se fosse de uma rede de drogarias, poderia? Se fosse de um desses grandes bancos que, a cada semestre, aumentam seus fabulosos lucros e ninguém se mete com as tarifas que cobram, poderia? Se fosse um dirigente do PT, poderia? Ou seria chamado, também, de aloprado?
Ora, minha gente, com diria aquele outro que foi cassado, deixemos de hipocrisia. O senador Calheiros não fez nada de errado. Se tivesse feito, não seria possível ter sua defesa coordenada pelo ex-Presidente da República José Sarney, sempre à sombra como é de seu feitio. Nem muito menos direito à comemoração em casa da senadora Roseana Sarney, que sabe bem o preço da injustiça, porque passou por maus momentos quando acharam aqueles milhares de reais em escritório de seu marido e publicaram na capa da Veja, destruindo sua candidatura à presidência, que vinha embalada. O senador Calheiros não fez nada errado, tanto que o Presidente Lula, que nunca sabe coisa alguma, agora sabia que não houve injustiça no caso. O senador Calheiros não fez nada errado, tanto que requisitou um avião da gloriosa Força Aérea Brasileira para levá-lo com sua esposa a um lugar incerto e não sabido, para um merecido repouso, depois de tantas calúnias. O senador Calheiros não fez nada errado, apenas é vítima dessa imprensa calhorda que desinforma a população, a mando das elites, como tantas vezes já acusaram o ínclito ex-ministro e, hoje, deputado cassado José Dirceu (em busca de reabilitação; e alguém duvida que não vai conseguir ?) e outros menos votados. Como diria o professor e dublê de filósofo goiano Delúbio Soares, essa estória da Mônica ainda vai ser refrão de marchinha carnavalesca, como o mensalão. Onde, então, a vergonha nacional ?
Brasília, DF, 16 de setembro de 2007.