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terça-feira, 8 de maio de 2007

: Suplício por merecimento

07/maio/2007, no Jornal do Brasil.

Opinião: Suplício por merecimento
Antonio Sepulveda, escritor

Confesso sentir certo prazer sádico sempre que leio ou ouço alguma
queixa contra a atual situação do Brasil. As lamúrias soam como o
coral de carpideiras de uma ópera-bufa. Eis aí o lado tragicômico da
democracia brasílica: o povo elege seus anti-heróis e, apesar do
desastre resultante, os reelege entusiasticamente ante à perplexidade
do senso comum.

Gatunos, terroristas, vadios, boçalóides e gramcistas de ambos os
sexos conseguem desfrutar, com impunidade cínica, o hedonismo que
distingue a famigerada Praça dos Três Poderes, com os votos dos
amorfos, dos indiferentes, dos medíocres, dos mal-intencionados e dos
socialistas. Conclusão a que se chega: a choradeira deve ser encarada
como uma autocrítica e os eleitores da matula merecem a existência
lastimosa que escolheram livremente nas urnas; fazem jus ao infortúnio
e têm todo direito ao peso desse aviltamento.

Nunca antes neste país, sem qualquer intenção de plágio, a verdade
política foi tão límpida, tão cristalina: a safadeza vem à tona, as
evidências se multiplicam, os crimes são comprovados, as mentiras se
mostram transparentes e nada, rigorosamente nada, acontece. É como se
todos os poderes da República fossem coniventes com a sordidez
reinante sob a aclamação de uma maioria tomada por instintos
bestialmente suicidas.

Não importam os dólares sonegados, os cheques assinados, as contas
estrangeiras, as máquinas caça-níqueis, as gravações de voz e
imagem... Todos os implicados - parlamentares, juízes, policiais, com
a honrosa exceção dos bicheiros que jamais se disseram castos - são
sacerdotizas de Vesta, exigem fórum especial e, com o beneplácito de
uma legislação caduca e nociva, almejam outros mandatos, outras
sinecuras e outras mamatas, a fim de evitar que suas falcatruas sofram
solução de continuidade.

Lula da Silva, que nos deveria estar presidindo e ser atento ao que
ocorre a um palmo de seus olhos opacos, repete os clichês de sempre e
jura que de nada sabe, que nada viu, que nada escutou.

Conhecendo-lhe o currículo, duvidamos que não tenha visto, duvidamos
que não tenha ouvido, mas acreditamos, sinceramente, que ele não saiba
ou tenha discernimento para saber.

Os brasileiros nos acostumamos à lama de Brasília e perdemos a
capacidade de sentir indignação, de sentir vergonha.
Hoje, a podridão está às escâncaras, conquanto poucos sintam a fedentina ou estejam
dispostos a denunciá-la. A verdade, ao se ver exposta, baixa a pupila
e se esconde na própria desonra; a razão perde a altivez e se vê
escravizada pelo sofisma; e ao se abrirem as urnas, de lá espirram,
soberbos e ovantes, o vício e a mendacidade. É como se o próprio
Mefistófeles nos guiasse o juízo. Os protestos, portanto, não se
sustentam; colhe-se exatamente o que se plantou e replantou.

Constatamos que a saúde continua um caos. A educação é
melancolicamente ineficaz e os que conseguem formação universitária
esbarram na falta de emprego, porquanto as empresas não têm cacife
para, simultaneamente, pagar bons salários, suportar impostos
extorsivos e cumprir leis trabalhistas simplesmente inexeqüíveis. Os
bandoleiros e desordeiros do movimento dos sem-terra, com verba do
erário e a bênção do politburo tupiniquim, invadem, pilham, matam e
morrem por uma revolução maoísta no Brasil. As rodovias sucateadas são
assassinas e um entrave à economia. A dívida pública esbarra em um
trilhão de reais. A carga tributária anda insuportavelmente a beirar
os 40% do PIB. O cenário nacional é de violência, drogas, corrupção,
criminalidade e, sobretudo, impunidade. Contudo, nossos laboriosos
parlamentares só trabalham três dias por semana e se aliam aos nossos
condescendentes magistrados no gozo de privilégios inaceitáveis.

Embora sejamos minoria, assestemos a fúria do verbo contra toda essa
canalhice; a palavra é o canhão do homem livre.