Almirante reclama dos salários e pede o reaparelhamento da Marinha, que, afirma, está em "situação crítica"
Tânia Monteiro
O novo comandante da Marinha, almirante Júlio Soares de Moura Neto, vestiu o figurino de porta-voz da insatisfação dos militares no início do mês, ao tomar posse com um discurso marcado por queixas contra a falta de recursos para as Forças Armadas. Ele se mantém na ofensiva: reclama dos salários dos militares, que apontou como 'a carreira de Estado mais mal paga do Executivo', e pede o reaparelhamento da Marinha, que diz considerar em 'situação crítica'.
Em seu discurso de posse, pediu a liberação dos recursos de royalties a que a Marinha tem direito. São R$ 2,6 bilhões que estão sendo usados pela equipe econômica para fazer superávit fiscal, acrescidos de R$ 800 milhões previstos para este ano. Nesta entrevista, ele lamenta as dificuldades para que essa demanda seja atendida e avalia que, por causa da falta de equipamentos, a costa brasileira está desprotegida.
O senhor se queixa da falta de recursos. Qual sua maior preocupação?
É o programa de reaparelhamento. Os orçamentos têm sido bloqueados nos últimos anos. É verdade que houve uma melhora no primeiro mandato do presidente Lula, mas ainda é um orçamento inferior às necessidades da Marinha. São necessários valores em torno de R$ 1,6 bilhão para mantermos a Força em condições e eles têm sido sempre inferiores. Este ano estamos começando com R$ 1,25 bilhão. Como os orçamentos vinham ainda mais restritos, não temos conseguido fazer as manutenções corretas e os meios navais estão se degradando.
Em seu discurso de posse, o senhor chegou a classificar a situação da
Marinha como caótica. É tão grave assim?
A situação é insustentável. Se nada for feito, os meios continuarão se degradando e teremos de dar baixa nos nossos navios e aeronaves, sem reposição. A Marinha não quer nada mais do que ter os meios necessários para cumprir o que está previsto na Constituição e nas leis complementares.
O senhor teme ter problemas com a tropa por causa de salários?
Não acredito que terei problemas com a tropa. A gente precisa reconhecer que houve uma melhora no primeiro mandato do presidente Lula, mas existe ainda um resíduo inflacionário que não foi coberto, de 7%. Mas, mesmo com esse resíduo, é preciso ter perfeita noção que, entre as carreiras de Estado, os militares continuarão a ser os mais mal pagos. Isso precisa ser revertido.
Justamente agora os parlamentares estão discutindo o aumento de seus próprios salários.
Temos de perseguir melhores salários para meu pessoal. Não quero me preocupar com os demais Poderes. Quero ter salários equiparados às demais carreiras de Estado do Executivo.
A costa brasileira está protegida?
Eu acho que não. Temos uma costa de 8,5 mil quilômetros e pelo mar trafegamos 95% do nosso comércio exterior. São US$ 200 bilhões anuais.
Temos de estar prontos para garantir a soberania e os interesses do Brasil no mar e hoje a Marinha está com meios insuficientes para isso. Hoje temos cerca de 20 navios fazendo patrulha e precisaríamos de pelo menos o dobro.
Há algum temor com o fato de o presidente Hugo Chávez estar comprando equipamentos militares para a Venezuela?
O Brasil e a Venezuela têm relações muito boas e não temos nenhum temor específico quanto a nenhum dos países da América do Sul. Mas temos de estar prontos, com poder militar, para que qualquer país que pense em tentar prejudicar o Brasil saiba que terá de pagar um preço caro por isso.
Está havendo uma corrida armamentista no continente?
Não estou preocupado com os demais países. Estou preocupado em ter meios para cumprir a missão constitucional e termos capacidade de dissuadir qualquer aventura de qualquer país do mundo. Não vejo corrida armamentista.
Quem é o nosso inimigo hoje?
As Forças Armadas não precisam trabalhar com um inimigo perfeitamente definido. As Forças Armadas existem para garantir a soberania, através da dissuasão.
Julio Soares de Moura Neto
Nasceu no Rio, em 20 de março de 1943
Começou a carreira na Marinha em 1964 como guarda-marinha
É almirante-de-esquadra desde março de 2003